1ª Câmara Criminal do TJRS acatou os argumentos dos advogados de 'irregularidades' durante o julgamento

Quase oito meses depois do julgamento e condenação, estão novamente livres da justiça os quatro réus do incêndio na boate Kiss, em janeiro de 2013, que matou 242 pessoas e deixou 636 feridas na cidade de Santa Maria, no interior do Rio Grande do Sul. Os advogados de defesa conseguiram junto a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a anulação do julgamento por 2 votos a 1. Foram cerca de 4 horas e meia de julgamento. Os advogados dos acusados apresentaram 19 nulidades que teriam ocorrido antes e durante o julgamento em dezembro de 2021.

Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, dono da casa noturna, condenado a 22 anos e seis meses, deixou a prisão ainda na noite desta quarta-feira (3), juntamente com o seu sócio Mauro Hoffmann, condenado a 19 anos e seis meses. Os outros condenados, que também já deixaram a prisão, são o vocalista da banda "Gurizada Fandangueira", que tocava no dia do incêndio, Marcelo de Jesus, e o assistente de palco Luciano Bonilha Leão, que comprou o artefato pirotécnico que deu início ao incêndio. Ambos receberam penas de 18 anos de reclusão em regime fechado. Eles estavam no presídio de São Vicente do Sul, no Rio Grande do Sul.

O SBT do Rio Grande do Sul obteve as imagens do momento da saída dos réus. No vídeo, Marcelo sai em uma caminhonete preta e Luciano carrega algumas sacolas e é chamado por um homem para falar. Ele se aproxima da grade e diz que o julgamento foi uma tentativa de vingança. "Queria só dizer uma coisa assim, quando eles fizeram o júri, quiseram fazer uma vingança com nós, e hoje Deus está dando a resposta, que eu e Marcelo somos trabalhadores. Com a sabedoria e com Deus está ajudando nós a sair daqui. Ninguém quis fazer aquilo lá", afirmou o homem que comprou o artefato que causou o incêndio e provocou a morte de 242 pessoas.

Os advogados entraram com pedido de anulação do julgamento alegando que a escolha dos jurados, depois de três sorteios, por manifestações da plateia durante o julgamento e pelas atitudes do juiz que conduziu o julgamento, Orlando Faccini Neto, taxada por eles como "parcial".

O voto do relator, Desembargador Manuel José Martinez Lucas, pela rejeição de todas as nulidades apresentadas pela defesa, foi vencido pelos Desembargadores José Conrado Kurtz de Souza e Jayme Weingartner Neto. Ambos divergiram do relator ao reconhecer parte das nulidades sustentadas pelos réus. A nulidade mais destacada nos votos dos dois magistrados refere-se à formação do Conselho de Sentença.

"Os atos praticados foram atípicos. As regras vigentes foram descumpridas. Foram descumpridas no sorteio de número excessivo de jurados, e foram descumpridas na realização de três sorteios, sendo o último flagrantemente fora do prazo legal (24/11/2021), a menos de dez dias úteis da data da instalação da sessão (1º/12/2021)", pontuou Jayme ao proferir o voto.

No mesmo sentido, Conrado falou sobre a não observância da lei. "É preciso zelar para que todos os julgamentos, complexos ou não, obedeçam à lei. Não há dois Códigos de Processo Penal. O sorteio de 25 jurados é o ponto fulcral da questão", disse.

Ao desacolher essa nulidade, o relator argumentou que a discussão sobre a realização de mais de um sorteio, sendo um fora do prazo legal, não teria causado prejuízo à defesa. "Ainda que não obedecidas rigorosamente, as regras processuais, a subversão é imposta pela complexidade do processo", observou.

Caso

Em 27 de janeiro de 2013 a boate Kiss, localizada na área central de Santa Maria, sediou a festa universitária denominada "Agromerados". No palco, se apresentava a Banda Gurizada Fandangueira, quando um dos integrantes disparou um artefato pirotécnico cujas centelhas atingiram parte do teto do prédio, que era revestido de espuma, que pegou fogo. O incêndio se alastrou rapidamente, causando a morte de 242 pessoas e deixando 636 feridos.

O Ministério Público é o autor da ação penal. Inicialmente, aos quatro foi imputada a prática de homicídios e tentativas de homicídios, praticados com dolo eventual, qualificados por fogo, asfixia e torpeza. No entanto, as qualificadoras foram afastadas e eles respondem por homicídio simples (242 vezes consumado e 636 vezes tentado).

Júri

O Caso Kiss foi o julgamento mais longo da história do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul. Presidido o Juiz Orlando Faccini Neto, o Júri iniciou em 1º/12/21 com conclusão em dez dias. Os condenados, porém, não saíram presos em razão de um Habeas Corpus preventivo concedido pela 1ª Câmara Criminal do TJRS. Em 14/12/21, o Presidente do STF, Ministro Luiz Fux, suspendeu a liminar e determinou a prisão imediata dos quatro réus. Dois dias depois, por 2 votos a 1, a 1ª Câmara Criminal do TJRS ratificou o HC preventivo e concedeu em definitivo a liberdade para os réus. Em razão de nova ordem do Presidente do STF, sustando os efeitos de uma eventual concessão do HC, não foram expedidos alvarás de soltura e os réus permaneceram presos até esta quarta-feira, dia 3 de agosto.