Quando soube que teria que me submeter à operação de catarata nos dois olhos, tremi nas bases. Afinal, nunca tinha passado por cirurgia alguma. Mas, fazer o quê? A reação inicial, bem espontânea, foi cantarolar, imitando a voz rouca do autor, Vinícius de Moraes: “Quando a luz dos olhos meus e a luz dos olhos teus resolvem se encontrar, /Ai, meu Deus, juro por Deus, que bom que é,  lárárá, lálári...” . 

Minha irmã, Julia, moradora do Bela Vista, muito religiosa, sugeriu que eu invocasse Santa Luzia, protetora dos olhos. Aceitei o conselho ao meu modo.

Relembrei todinha a letra de uma música do Braguinha (João de Barro): “Anda, Luzia, /Pega um pandeiro, vem pra o Carnaval. / Anda, Luzia, / Que essa tristeza lhe faz muito mal. /Apronta a tua fantasia. / Alegra teu olhar profundo. /A vida dura só um dia, Luzia, /E não se leva nada desse mundo.”

Cantei-a não em ritmo carnavalesco, como a concebeu o compositor e sim no estilo pausado e calmo, quase um samba-canção, segundo gravação de Maria Bethânia.

As cirurgias foram rápidas, sem dor nenhuma. Ao final da primeira, ouvi o médico comentar com outro: “É catarata dura”. Perguntei se era dura devido a minha idade. Nada tinha a ver com ela. Existem dois tipos: a dura e a mole. Na segunda, já bem à vontade, indaguei se catarata volta. E tive como resposta que voltava sim, mas só na outra vida.

O que incomoda na operação que intitulei, querendo levar tudo numa boa, de Cataratas do Iguaçu, são os colírios. Três durante um mês e que de tanto usar gravei os nomes pouco simpáticos: Ster e Still. O Vigamox, na realidade, só é pingado durante 7 dias.

Na sala de espera, grande e agradável surpresa: conversar com Dona Maria. Com 106 anos nas costas, levada por uma neta, não tava nem aí. Mostrava-se tão disposta igualzinho como a gente fica em dia de pagamento. Foi criada na roça aqui em Santa Catarina, morou no interior do Paraná e vive com um filho no Mato Grosso do Sul. Quer voltar para lá com saudades do leite natutal e da carne gordurosa. Uma lição de vida e espelho para muitas pessoas cheias de receios e não me toques.