O título da crônica me remete a um filme visto na década de 70. Em O porteiro da noite, o excelente Dirk Bogarde, ex-nazista, vive um relacionamento sadomasoquista com uma judia (Charlotte Rampling, dona de uns olhos de não se esquecer nunca e hoje ainda atuando em papéis de idosa, mas conservando muita beleza ainda), que fora sua vítima durante a II Guerra Mundial.

Os tempos são outros. Embora simpatizantes do III Reich inda insistam em botar suas manguinhas de fora e os judeus teimem em resistir ao confinamento que as demais raças lhes impõem.Meus apontamentos nascem nos dias atuais. Um amigo meu faz um ano guarda portaria num imponente condomínio no bairro do Garcia. Feliz com o emprego, no entanto, conta lamuriante episódios que vivenciou e vivencia:

Um morador pediu-lhe que solicitasse aos homens do caminhão de lixo que fizessem menos barulho a fim de gozar um sono justo e sossegado. Missão impossível. Caminhão de lixo faz barulho e pronto.Outro tem no apartamento de cima estudantes universitários. Estudam (se estudam) ao som, em último volume, de heavy metal e outras espécies de rock pauleira. Acabou com a folga dos garototes. Anexou ao teto de seu apê uma caixa de som. E pôs a rodar a Nona Sinfonia. Tão alto de deixar Beethoven surdinho da silva.O condomínio possui duas amplas churrasqueiras. Sempre à disposição dos moradores. Mas eis que, entretanto, todavia, porém, um coproprietário inventou de assar carnes na sacada. Bate o telefone. Vizinho reclamando da fumaça. Chamado à atenção, restou-lhe terminar a comida apelando para a frigideira.

Alemão daqueles bem saudosistas trouxe de uma viagem à Holanda um par de tamancos de madeira. E os usa dia sim, dia também. Ninguém aguenta o irritante pléc-pléc... Uma italiana, elegantérrima, moradora do meio do edifício, teima em usar salto 20 que ressoa em todo o prédio.
Mas a pior das queixas fica pro final. Cidadão mostra preocupação com seu filho, jovem esbelto infante. Pede ao meu amigo que o vigie, dê uma de Sherlock Holmes. Diz que o moçoilo tem um amigo um tanto estranho. O Eduardinho mostra-se adamado, voz fina e olhar lânguido. Cruza as pernas no sofá, bem feminino. Sua preocupação maior é que dia desses um amigo lhe dê um pito: - Anastagildo, abre o olho! Tem pai que é cego!

(Do livro Máximas do Barão de Itapuí)