De cigarras e formigas com grilos
-
(Fotos: )
Fábula revisitada
Velha história, a da cigarra e da formiga. A fábula, em bom português, vem assinada pelo parnasiano Olegário Mariano, inspirado em La Fontaine. Com um toque moderninho vai aí a nossa versão: a formiga batalhou o ano inteiro, armazenando comidinha para o inverno. E a cigarra, folgadita, desfilava canções de Noel Rosa e Chico Buarque de Holanda Ferreira. Cigarrinha nacionalista! Bate o inverno rigoroso e a cantora bate à porta da carregadeira, solicitando asilo. Enganou-se totalmente.
- Cantaste o ano todinho enquanto eu labutava? Um relento não faz mal a ninguém.
E a diva do samba faleceu.
Mas como tudo na vida não é definitivo, existem outros finais para o acontecido. Muda o personagem. Em vez da cigarra, o ´estrelo´ é um grilo. Bateu à porta do formigueiro e recebeu abrigo. Jogou a munheca num banjo, lembrando Marlene Dietrich em O anjo azul. E lascou: Oh, Susannah! Não era tão tradicional e nacionalista. Apelou para o ritmo estranja. Foi uma delícia para o formigueiro inteiro. As hospedeiras deram-lhe agasalhos e chá de rosa roxa.
Volta à cena a cigarra. Formiga dando duro e a outra cantando. Chega novamente a frígida estação. A operária esfrega as mãos, ansiosa por outras mãos que pedissem "um pedacito de pão, pelo amor de Deus!".
Não deu outra. Campainha tocou. Formiguinha, úmida de maldade, atendeu. Surpresa geral. Imaginem o visual: cigarra, cheia de estolas e visons, com carro importado, último modelo.
- Vim só dar um alô. Cantei o verão inteiro e vou passar o inverno em Paris. Vim saber se você quer alguma coisa de lá.
A formiguinha, frustradíssima e doida de raiva, não deixou por menos:
- Só uma coisa. Se encontrares um f... da p... chamado La Fontaine, manda-o à p... que o p...
Esta agora é a final e definitiva. Novamente o grilo. Dando uma de Pavarotti e a formiga na maior batalha. Surge um violento inverno e o grilo devora a anfitriã.
----------------------------------------
- Joias do cancioneiro popular brasileiro:
"Um passarinho me contou que a boa brisa lhe soprou quem aí bom tempo" - Chico Buarque de Holanda Ferreira
"Ai... que amar é se ir morrendo pela vida afora" - Vinícius de Moraes
"Eu não sou água pra me tratares assim, só na hora da sede é que procuras por mim" - Monsueto de Menezes
"Mulher, seja leal, você bota muita banca, infelizmente eu não sou jornal" - Vinícius
"Tristeza mora na favela, às vezes, ela sai por aí" - Sérgio Ricardo
"Quem duvidar, que duvide: a saudade em meu peito reside - Vadico
"O meu luto é a saudade, e a saudade não tem cor" - Noel Rosa
"Nunca mais vou fazer o que o meu coração pedir" - Antônio Maria
"Toda a quimera se esfuma como a brancura da espuma que se desmancha na areia" - Ary Barroso
"Tira o seu sorriso do caminho, porque eu quero passar com a minha dor" - Nelson Cavaquinho
"Conta ao meu coração histórias de crianças para que ele reviva velhas esperanças" - Pandiá Pires
"A vergonha é a herança maior que meu pai me deixou" - Lupicínio Rodrigues
"A sorrir eu pretendo levar a vida, pois chorando, eu vi a mocidade perdida" - Cartola
"Meu amor por ti são flores, tudo flores naturais" - Heitor dos Prazeres
"Os prantos eu transformei em versos, porque só nas rimas é que eu sei chorar" - Índio das Neves.
(Jornal A Voz da Razão, Blumenau, 22.7.2016)
Deixe seu comentário