Sou fissurado por biografias. E a última que li tem o título que encima a crônica de hoje. Trata-se da vida e obra de Adoniran Barbosa. Dele, desde mocinho, conheci e curti seus grandes sucessos como cantor e compositor. Só pra citar duas de suas obras-primas: Trem das onze e Saudosa maloca e no cinema como Mané Mole no primeiro filme brasileiro que correu mundo - O cangaceiro, digno da Palma de Ouro em Cannes. E que no exterior foi exibido com o curioso título de The bandit.

O livro chama-se Adoniran - Dá licença de contar...  (verso famoso de uma de suas canções). É assinado por Ayrton Mugnaini Jr, jornalista e autor de obras sobre Elis Regina, Roberto Carlos e Raul Seixas (Editora 34, São Paulo, 2002, 255 páginas). Nas orelhas, o respeitado crítico Tárik de Souza traça um perfil do biografado:
"Coube a um anti-herói suburbano, figura chapliniana envergando gravatinha borboleta, chapéu de asa-quebrada, encarnar a confluência sócio-cultural de caipiras, italianos e malandros (sub) urbanos que moldou o samba paulistano. Usando o pseudônimo de Adoniran Barbosa, o filho de imigrantes de Treviso, Norte da Itália, João Rubinato fez o poeta carioca Vinícius de Moraes engolir o vitupério "São Paulo é o túmulo do samba", tornando-se seu parceiro quase por acidente no clássico Bom dia, tristeza.".
Mas nosso personagem antes da fama como músico e comediante meteu a cara em incontáveis empregos (vendedor-ambulante, tecelão, pintor de paredes, serralheiro, encanador, entregador de marmitas) para as quais não demonstrava a menor vocação. Foi na realidade um retratista musical da sua cidade, um Noel Rosa paulista, guardadas as devidas proporções.
A sua iniciação artística deu-se nos anos 1930 como cantor - ainda com a voz melodiosa, antes dos pigarros e da rouquidão de uma boêmia intensa, repleta de muita cerveja, uísque e cachaça. Deixou-nos em 1982.
A gramática totalmente estropiada de Adoniran, quase inventando um novo idioma, soa tão espontânea e natural que muita gente chega a pensar que Arnesto (do Samba do Arnesto) é um nome próprio de verdade, em vez da corruptela de Ernesto.  Adoniran chegava a se orgulhar de ser citado nas escolas como exemplo de como não se devia escrever. Mas a gramática é mera questão de uso, o que é errado hoje pode ser regra amanhã.
Algumas curiosidades sobre ele:
- Uma das melhores coisas que aconteceram a Adoniran Barbosa foi estabelecer contato com o grupo vocal-instrumental  paulistano Demônios da Garoa - e vice-versa. Saudosa maloca que o diga. São raras as interpretações de músicas dele superiores às dos Demônios - exceto talvez Tiro ao Álvaro com Elis Regina e Trem das onze com Gal Costa.
- Em sua musicografia constam 151 títulos entre 78 rpm e elepês; 18 filmes (em  A super-fêmea contracenou com a nossa Verinha Fischer) e 11 telenovelas.
Final: Segundo o ensaísta Antônio Cândido, "foi um mágico, vindo dos carreadores de café para inventar no plano da arte a permanência da sua cidade e depois fugir, com ela e conosco, para a terra da poesia".