Ex-presidente disse ao juiz Sérgio Moro que nunca teve intenção de comprar o triplex no Guarujá (SP)
Em interrogatório de quase cinco horas ao juiz federal da Operação Lava Jato, Sérgio Moro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva negou todas as acusações feitas a ele. Lula ainda atacou a imprensa, os partidos de oposição (leia-se PSDB) e ainda enalteceu o seu governo e o da presidente cassada, Dilma Rousseff. Orientado por seu advogado, o ex-presidente também se negou a responder a qualquer pergunta que não fosse relacionada ao assunto o qual estava sendo acusado, o que chegou a gerar um mal estar entre os advogados de defesa e Moro.
O ex-presidente afirmou que nunca houve intenção de adquirir um triplex no Condomínio Solaris, no Guarujá, em São Paulo. Lula contou que a ex-primeira-dama Marisa Letícia (já falecida) comprou uma cota da Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop) - que era dona do prédio - de um apartamento simples.
Questionado por Moro se havia intenção desde o início de adquirir um triplex no empreendimento, Lula respondeu: "Não havia no início e não havia no fim. Nunca houve a intenção de adquirir um triplex". Esta foi a primeira vez que Lula prestou depoimento a Moro. O ex-presidente é réu na ação em que é acusado de ter recebido R$ 3,7 milhões em propina por conta de três contratos entre a OAS e a Petrobras. Em troca, o presidente teria recebido a reforma de um apartamento triplex, no Guarujá, litoral de São Paulo, e do pagamento do armazenamento de bens de Lula, como presentes recebidos no período em que era presidente. O ex-presidente é réu por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
No início do depoimento, Moro afirmou a Lula que ele seria tratado com respeito e qualquer decisão será tomada apenas ao final do processo. "Eu queria deixar claro em que pesem algumas alegações nesse sentido, da minha parte eu não tenho qualquer desavença pessoal em relação ao senhor ex-presidente. O que vai determinar o resultado desse processo no final são as provas que vão ser colecionadas e a lei. E vamos deixar claro que quem faz a acusação neste processo é o Ministério Público e não o juiz. Eu estou aqui para ouvi-lo e para proferir um julgamento ao final do processo". Em depoimentos de outras pessoas no processo, foram registrados desentendimentos entre o juiz e a defesa do ex-presidente.
Moro também comentou dos boatos de uma eventual prisão de Lula durante depoimento. "São boatos que não tem qualquer fundamento. Imagino que seus advogados já tenham lhe alertado que não haveria essa possibilidade. E para deixá-lo tranquilo lhe asseguro de pronto e expressamente que isso não vai acontecer." E Lula afirmou: "Eu já tinha consciência disso."
O depoimento começou com perguntas do juiz, seguido da assistência da acusação e dos procuradores do Ministério Público Federal. Em seguida, houve um intervalo. O interrogatório foi retomado e Moro voltou a fazer perguntas. Depois, os advogados de Lula apresentaram alguns questionamentos. E por último, o ex-presidente fez suas alegações finais. Após depor, o ex-presidente participou de ato na Praça Santos Andrade, no centro de Curitiba, onde estavam concentrados manifestantes que apoiam Lula. A Polícia Militar calculou em 5 mil manifestantes, já os organizadores disseram que cerca de 50 mil pessoas foram à praça prestar solidariedade ao ex-presidente.
Lula negou ter orientado o ex-presidente da construtora OAS, Léo Pinheiro, a destruir eventuais provas do esquema de corrupção investigado pela Operação Lava Jato. Ao ser perguntado por Moro se sabia que a OAS repassava propina por meio de uma "conta-geral" gerida pelo então tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, Lula respondeu: "Se [eu] tivesse [conhecimento], eles seriam presos bem antes".
Lula foi indagado porque procurou o ex-diretor de Serviços da Petrobras, Renato Duque. Irritado com a pergunta, o ex-presidente respondeu que queria se certificar que o executivo não tinha contas no exterior para receber recursos de propina, conforme informações divulgadas na época.
"Acabei de falar [porque procurei Duque especificamente]. A sua secretária deve ter escrito aí. Eu disse que tinha muito boato de que estava sendo roubado o dinheiro, que o Duque tinha conta no exterior. E eu falei para o Vaccari: 'Se você conhece o Duque, eu queria conversar com ele [para falar]: Duque, é o seguinte: você tem conta no exterior? Não tenho. Acabou, para mim era o que interessava", afirmou, acrescentando que Duque foi o único diretor procurado por ter sido indicado pelo PT.
Lula voltou a dizer que não existem provas, como escritura ou outros documentos em seu nome, que certifiquem que o triplex no Condomínio Solaris, no Guarujá (SP), seria dele. "Se eu cometi um crime, prove que eu cometi um crime. Apresente à sociedade e o Lula será punido como qualquer cidadão é punido. Mas, pelo amor de Deus, apresentem uma prova. Chega de diz-que-diz", desabafou.
Delação
Em delação premiada, o ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro, afirmou que Lula o procurou em 2014 para saber se a empreiteira tinha registros documentais do pagamento de propinas. Segundo Pinheiro, o ex-presidente pediu para que as provas fossem destruídas. Lula negou tal pedido. "Encontrei o Léo Pinheiro mais de uma vez, e jamais disse o que ele falou", respondeu o ex-presidente. Segundo ele, naquela época de crise econômica, empresários o procuravam para pedir orientações sobre o que fazer para contornar as dificuldades. "Inclusive o Léo", completou.
O ex-presidente repetiu a afirmação de que tratou sobre o triplex com Léo Pinheiro apenas em duas ocasiões: em 2013, em uma reunião no Instituto Lula, e quando foi visitar o prédio, em 2014. Segundo ele, nos demais encontros o assunto não era discutido.
Provas
Após as indagações de Moro, os procuradores do Ministério Público Federal fizeram seus questionamentos. O MPF apresentou uma fotografia de dois contêineres com as inscrições "sítio" e "praia". Segundo os procuradores, esses contêineres tinham parte do acervo presidencial, que estava no Palácio da Alvorada. "Quem pode responder o que tava dentro dessa caixa é quem foi investigar, é quem abriu as caixas. Eu nunca abri uma caixa, nunca visitei o acervo, não sei o que tem dentro. [...] O fato de estar escrito 'praia' é porque eu ia à praia quando era presidente. Não quer dizer nada", respondeu Lula.
O MPF também apresentou um documento que supostamente trata do contrato entre a OAS e a Granero para que esta guardasse o acervo presidencial. De acordo com os procuradores, os objetos guardados eram bens de escritórios pertencentes à OAS.
O representante do MPF perguntou o motivo de o documento não mencionar o acervo presidencial. "Pelo que eu já ouvi em depoimentos aqui, a origem desse espaço era para a OAS guardar as coisas dela", respondeu o ex-presidente.
Alegações finais
Nas alegações finais, o ex-presidente criticou a imprensa, os vazamentos de informação aos veículos de comunicação e disse que a denúncia contra ele foi baseada em notícias jornalísticas que levaram os procuradores a produzirem "uma apresentação de Power Point mentirosa e com uma tese política".
"Eu conheço os vazamentos, eu sei dos vazamentos. É como se o Lula tivesse, pela imprensa, pelo Ministério Público, sendo procurado. [?] Se adotou a política de primeiro a imprensa criminalizar", disparou.
Moro rebateu Lula e disse que a imprensa não vai influenciar seu julgamento. "Essa acusação [processo contra Lula] é pública. Não existem vazamentos em relação a essas ações penais. O senhor pode ter certeza de que o processo será julgado com base nas provas e na lei e serão levadas em consideração essas declarações que o senhor fez a este respeito. Este não é o foro próprio para o senhor reclamar do tratamento da imprensa. O juiz não tem relação com o que a imprensa publica", contra-atacou Moro.
Deixe seu comentário