
CPI da Roçada: "Não li, mas assinei"

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Andrietti: "eu assinava na confiança" (Fotos: Câmara de Vereadores de Gaspar)
Novos depoimentos revelam que servidores tinham por hábito assinar relatórios sem conferir se o serviço de fato havia sido executado
Depoimentos na “CPI da Roçada”, instalada na Câmara Municipal de Vereadores de Gaspar para apurar suspeitas de irregularidades em três contratos de serviços de roçagem ao município entre os anos de 2016 a 2023, dão sinais de que as empresas contratatadas – Ecosystem e Sanitary – encaminhavam as medições de roçagem para a Secretaria de Obras e Serviços Urbanos sem que ninguém fosse "in loco" conferir se fato o trabalho havia sido executado. Os servidores, muito deles afirmando não ser fiscal de contrato, assinavam os relatórios e encaminhavam, juntamente com as notas fiscais, para pagamento às empresas.
“Eu não acompanhava o dia a dia, não andava com trena olhando as ruas, isso é humanamente impossível”, defendeu-se Rodrigo Zanluca, ex-diretor administrativo da Secretaria de Obras, que abriu a terceira rodada de depoimentos na manhã desta quinta-feira, dia 31. Ele afirmou ainda que os documentos – no caso os relatórios diários de medição - não eram preenchidos pelos fiscais; a empresa simplesmente os entregava diretamente na secretaria, onde ele e outros servidores davam os devidos encaminhamentos. “A responsabilidade da fiscalização e conferência era dos fiscais, mas me colocava à disposição para auxiliar eles”, apontou.
Embora tenha afirmado que não era sua a responsabilidade pela conferência das medições, Rodrigo disse que sempre orientou a equipe a ter cautela e analisar os documentos. Revelou que o então secretário de Obras Roni Muller (hoje vereador) solicitou a revisão das medições.
Rodrigo teria então ido a campo, juntamente com outros três servidores da secretaria verificar se havia de fato irregularidades nas medições. Ele também disse que a empresa justificou as medições a mais porque havia algumas diferenças já que, Adão Marafigo, encarregado da Sanitary Limpeza Urbana (empresa contratada à epoca), estava de férias e outro encarregado o estava substituindo. “Enfim, passei para o secretário, a empresa refez a medição e tocaram a vida”, resumiu o ex-servidor.
Foi também na época de Rodrigo que ocorreu a alteração contratual e, posteriormente, a rescisão do contrato com a Sanitary, segundo ele, de forma amigável. Rodrigo esclareceu que havia questões orçamentárias de redução de custos e o contrato precisava ser adequado à realidade financeira do município.
Na mesma linha dos depoimentos anteriores, o ex-diretor Operacional do SAMAE, Evandro Carlos Andrietti, admitiu que assinava documentos sem ler. “Eu ia na confiança. Eu só assinava e nem tinha tempo para ler”. Andrietti afirmou confiar muito nas pessoas. “Nunca vi irregularidade nisso, se tivesse eu seria o primeiro a delatar. Eu recebia essa documentação do meu chefe Jean Alexandre e depois do Richard, os secretários”, declarou ao ser confrontado com documentos que continham a sua assinatura.
Andrietti contou que chegou a questionar seus superiores se o que estava assinando não iria comprometê-lo e a resposta foi “tá tudo certo”. Mais adiante, ele confessou que nunca gostou muito de ler, e que por isso assinava os documentos na confiança. “Como eu vou dizer que a medição da roçagem está errada se eu não entendo como é feito cálculo”, justificou.
Questionado se sabia que era fiscal de contrato, Evandro respondeu que não. Ele esclareceu que atuava no recolhimento de materiais volumosos pela cidade. "Eu ficava circulando com o caminhão para recolher materiais descartados".
Elisangela Reinert, servidora efetiva foi a última a depor. Ela afirmou que nunca ouviu denúncia ou menção de ato ilícito relacionado à roçada no município. A servidora contou que também recebia os documentos prontos com as notas fiscais, que eram deixadas na secretaria para posterior assinatura do responsável e encaminhamento à contabilidade. “Eu não dava recebimento, só guardava comigo esses documentos. O pessoal da empresa procurava o secretário, ou o Rodrigo (Zanluca) ou então o fiscal”, explicou.
Ela também negou que soubesse de divergências nas medições. Relatou que nunca viu documentos sendo preenchidos na secretaria, mas que ouviu comentários sobre o assunto. “Teve um momento em que o Sr. Wilson (Lenfers) verificou algo nesse sentido. Ele então levou a questão à chefia”, revelou.
Sobre o encaminhamento das notas para pagamento, Elisangela afirmou que ela, estagiário ou outro funcionário fazia essa entrega, mas a baixa das notas ficavam a cargo do diretor. “Os empenhos aconteciam antes, depois as notas com as medições o Rodrigo lançava no sistema GRP. Depois de estar pronto, fazíamos a entrega na contabilidade para pagamento”, concluiu a servidora.
Ao todo, seis testemunhas deveriam ser ouvidas nesta terceira rodada de depoimentos. No entanto, duas foram dispensadas, pois o Serviço Autonômo de Águas e Esgoto (SAMAE) apresentou documentação considerada suficiente para sanar os questionamentos que seriam feitos aos servidores. Outro convocado, Richard Martin Pietzsch, não compareceu, alegando em ofício enviado à Casa Legislativa que está em viagem. Ele atualmente reside em Curitiba, e não mais em Gaspar. Richard solicitou que seu depoimento fosse tomado por videoconferência. A relatora-geral da CPI, vereadora Alyne Serafim Nicoletti (PL), porém, informou que a comissão ainda irá avaliar o pedido.
CPI da Roçada
A CPI da Roçada surgiu por desdobramento de uma Sindicância Administrativa, instalada no ano passado, que, após apontar irregularidades na conduta das empresas Ecosystem Serviços Urbanos e Sanitary Serviços de Conservação e Limpeza Urbana, sugeriu que uma denúncia fosse enviada à Câmara para que uma Comissão Parlamentar Processante fosse instalada.
No entanto, esse tipo de Comissão só alcança os responsáveis de forma político-administrativa e os secretários investigados já não ocupavam cargo público, o que impossibilitaria a aplicação desse tipo de sanção. Diante disso, o presidente da Casa, vereador Alex Burnier (PL) viu a necessidade de uma CPI, para apurar as suspeitas de ilegalidades ocorridas em três contratos (85/2015, 102/2020 e 1025/2024) firmados pelas administrações municipais anteriores com empresas especializadas em serviços de limpeza urbana.
A CPI é presidida pelo vereador Ciro André Quintino (MDB) e tem, como relatora, a vereadora Alyne Serafim Nicoletti (PL). Os demais vereadores membros da comissão são: Carlos Eduardo Schmidt (PL), Mara Lúcia Xavier da Costa dos Santos (PP) e Thímoti Thiago Deschamps (UNIÃO).
Já a sindicância é resultado de uma ação policial, batizada de "Operação Limpeza Urbana", deflagrada em setembro de 2024 pela Polícia Civil, por meio da 4ª DECOR - Delegacia Especializada em Combate à Corrupção. Na ocasião, foram cumpridos mandados de busca e apreensão em vários endereços da cidade. O objetivo era buscar provas que pudessem reforçar as suspeitas de superfaturamento no serviço de limpeza urbana em Gaspar, anteriormente subordinado à Secretaria de Obras de Gaspar e posteriormente ao Samae.
O esquema era simples. Como os valores era calculados por meio de medições, algumas apontavam para pagamentos além da área efetivamente roçada, capinada e limpa, especialmente nos espaços verdes do município, que superavam até mesmo a extensão do terreno. As medições estariam recebendo o aval de servidores públicos responsáveis pela fiscalização dos contratos e lançamento do serviço executado nas planilhas de medições, que não eram conferidos "in loco". A autorização para pagamento levava a rubrica de diretores e secretário.
A polícia apreendeu documentos, celulares e uma certa quantia em dinheiro na casa de um dos ex-secretários. Os policiais também estiveram no escritório de representação da empresa prestadora do serviço, que tem sede em Curitiba.
A reportagem tentou novamente contato com as empresas citadas nos depoimentos, mas não obteve retorno. Já o ex-secretário de Obras e Serviços Urbanos, Jean Alexandre dos Santos, não foi localizado pela reportagem, porém, o espaço segue aberto para manifestações de todos os citados nesta reportagem.
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Alyne é a relatora da CPI (Câmara de Vereadores de Gaspar)
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Zanluca; "eu só repassava adiante os documentos! (Câmara de Vereadores de Gaspar)
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