
Novas revelações reforçam suspeitas de irregularidades nos serviços de roçagem em Gaspar

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Segunda rodada de depoimentos à CPI da Roçada (Fotos: Câmara de Vereadores de Gaspar)
Depoimentos à "CPI da Roçada" revelaram relatórios com áreas bem superiores ao tamanho real
Dando continuidade às investigações sobre supostas irregularidades em contratos de roçagem e limpeza urbana firmados pela gestão municipal anterior, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara de Gaspar realizou, na manhã de quinta-feira, 24, a segunda rodada de depoimentos. A princípio seriam ouvidas quatro pessoas, porém, uma quinta foi chamada um dia antes da sessão. Nesta segunda convocação, além de ex-servidores, também foram ouvidos depoentes ligados a uma das empresas contratadas pelo município no período em que ocorreram as supostas irregularidades.
Das cinco testemunhas, apenas quatro responderam aos questionamentos da CPI. Adão Marafigo de Figueiredo, que atuou como representante da empresa Ecosystem e, posteriormente, da Sanitary, durante a vigência dos contratos com a Prefeitura de Gaspar, se apresentou acompanhado de uma advogada e, amparado, por um habeas corpus com liminar deferida, exerceu o direito de permanecer em silêncio. Mesmo assim, os vereadores integrantes da CPI realizaram os questionamentos. A sessão, que teve duração de cerca de 3 horas, foi transmitida ao vivo pelos canais Facebook e YouTube da Câmara.
A “CPI da Roçada”, como vem sendo chamada, apresentou novos indícios que reforçam as suspeitas de disparidades entre a metragem real das ruas e o que foi apresentado nos relatórios de medição e notas fiscais entregues pelas empresas prestadoras de serviço e pago pela Prefeitura de Gaspar.

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Segunda rodada de depoimentos à CPI da Roçada (Fotos: Câmara de Vereadores de Gaspar)
Primeira testemunha a ser ouvida, o servidor efetivo e fiscal de contrato da Secretaria de Obras à época, Cleidimar de Mello, confirmou que era o elo entre o secretário de Obras e Adão Marafigo de Figueiredo, fiscal das empresas investigadas.
Cleidimar afirmou que não conferia a medição da área roçada presente nos relatórios, pois a ordem de serviço vinha do setor administrativo e ele apenas assinava, sem verificar os dados, por atuar em campo. Segundo ele, o pedido para que assinasse os relatórios partia do próprio secretário à época, Jean Alexandre dos Santos. Ele disse ainda desconhecer como eram feitos os cálculos de medição de área roçada.
O vereador Carlos Schmitt (PL), o Calinho, apresentou ao depoente a imagem aérea (extraída do Google Maps) de uma área roçada na Rua Dr. Nereu Ramos, próximo à Igreja Assembleia de Deus, no Bairro Figueira, que teria sido lançada no relatório como tendo sido executados serviços de roçagem em 25 mil m². Cleidimar disse não lembrar exatamente desse serviço, mas que poderia ser a área onde ocorreu um deslizamento de terra em 2019.
Trevo da Parolli
Em janeiro de 2021, Cleidimar assinou relatório de medição de roçada no binário da Parolli de 2,6 mil m² que, multiplicado pelo fato 3,99, totalizou 10.374 m². Em fevereiro do mesmo ano, o mesmo local foi roçado e multiplicado pelo fator 1, totalizando 2,6 mil m². Questionado o motivo da troca do multiplicador, o ex-fiscal respondeu que, talvez, o serviço não tivesse sido executado na sua totalidade.
O vereador Thímoti Deschamps (União), perguntou ao depoente se ele achava correto a medição de roçagem de 3.192 m² na Rua Coronel Aristiliano Ramos. A resposta foi não.
Cleidimar revelou que no centro da cidade, apenas as praças eram roçadas, como em frente ao posto de saúde e Prefeitura. As ruas, segundo ele, eram limpas pela empresa contratada para recolher o lixo. A CPI apresentou então um relatório, assinado pelo servidor, que revela serviços de roçagem nas ruas Isidoro Corrêa e Eurico Fontes, com medição bem acima da extensão real das duas vias.
Thimothi questionou a testemunha se achava que essas metragens colocadas no relatório da Ecosystem causaram algum favorecimento financeiro para a empresa e prejuízo para a Prefeitura de Gaspar. Cleidimar respondeu: “com toda a certeza”.

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Segunda rodada de depoimentos à CPI da Roçada (Fotos: Câmara de Vereadores de Gaspar)
Na sequência, os vereadores integrante da “CPI da Roçada” ouviram o depoimento de Eduardo Pereira da Silva, fiscal da empresa Ecosystem, que compareceu acompanhado de advogada. Eduardo relatou que, à época, também atuava como gestor de recursos humanos da empresa, além de trabalhar na área de compras e contas a pagar e receber da Ecosystem.
O vereador Thímoti Thiago Deschamps (UNIÃO) apresentou a Eduardo, por meio de imagens, um relatório de medição diária com sua assinatura. O depoente confirmou a autenticidade da assinatura, mas destacou que não acompanhava os serviços de roçada e manutenção. Uma das imagens e relatórios citava serviços no Posto de Saúde do bairro Figueira, que, segundo os documentos, teve área roçada 44 vezes maior que a dimesão total do local. Questionado se isso configurava favorecimento à empresa, Eduardo respondeu: “Diante de um fato olhando, sim.”
Ele disse acreditar que tenha sido uma medição passada errada. “Esse contrato não era tão grande. Quando eu trabalhava com o Sr. Antonico (responsável pelo repasse das informações e já falecido), ele sempre reclamava que tudo precisava estar correto. Acho que pode ter ocorrido algum equívoco da parte dele”, afirmou a testemunha, que disse não acreditar que tenha havido favorecimento à Ecosystem e prejuízo à Prefeitura de Gaspar nas medições, bem como à servidores públicos ligados à Secretaria de Obras e Serviços Urbanos.
Silêncio

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Segunda rodada de depoimentos à CPI da Roçada (Fotos: Câmara de Vereadores de Gaspar)
Outra testemunha convocada foi o Sr. Adão Marafigo de Figueiredo, que atuou como fiscal da Ecosystem e, posteriormente, da Sanitary. Acompanhado de uma advogada e amparado por um habeas corpus com liminar deferida, o depoente limitou-se a dizer que permaneceria em silêncio. Mesmo assim, os vereadores realizaram os questionamentos, mas não obtiveram respostas.

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Segunda rodada de depoimentos à CPI da Roçada (Fotos: Câmara de Vereadores de Gaspar)
Em seguida, o Sr. Wilson Luiz Lenfers, servidor comissionado à época e responsável pelo Programa Gestão Compartilhada (GECOM), também foi ouvido. Ele revelou ter sido chamado para verificar as medições. “Eu e o engenheiro fomos fazer a verificação e constatamos problemas. Posteriormente, informamos ao Rodrigo Zanluca (servidor da Secretaria de Obras e Serviços Urbanos), que tomou providências. Cabia a nós relatar. No fim, se não me engano, os contratos com aquela empresa foram encerrados. No primeiro momento, houve redução de valores e, depois, rompimento do contrato”, revelou Lenfers.

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Segunda rodada de depoimentos à CPI da Roçada (Fotos: Câmara de Vereadores de Gaspar)
Encerrando a manhã de depoimentos, Norberto dos Santos, o Betinho, também comissionado, que atuou como fiscal tanto pela Prefeitura quanto pelo Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto de Gaspar (Samae), respondeu aos questionamentos. Ele contou como assumiu a função e detalhou as atividades exercidas. “Quando o Cleidimar pegou a licença (90 dias), o Rodrigo (Zanluca) me chamou para que eu assumisse essa pasta, mas deixei bem claro para ele que eu era muito inocente nessa pasta, que ele poderia muito me ajudar”, contou o ex-servidor.
Norberto relatou ainda à CPI que pediu ao Rodrigo que analisasse toda a documentação que vinha para ele assinar. “Então já vinha tudo pronto, carimbado pelas pessoas responsáveis lá do administrativo e eu assinava”, contou à CPI.
Praça Getúlio Vargas
O vereador Carlos Eduardo Schmidt (PL) quis saber se Norberto emitia ordens de serviço para a empresa Ecosystem. O depoente confirmou e disse que repassava posteriormente ao Sr. Adão (Ecosystem). Quanto à conferência das planilhas de medição antes da assinatura, afirmou que não realizava a verificação.
Diversos documentos assinados por Norberto foram exibidos a ele. Uma nota fiscal, emitida em setembro de 2021 no valor de R$ 414 mil referentes a 30 dias de varrição e capina na Rua Coronel Aristiliano Ramos. Questionado se achava necessário capinar todos os dias a principal rua comercial da cidade, o ex-servidor respondeu que não.
O vereador Calinho informou ainda, que havia outra ordem de serviço, datada de 2022 e assinada por Norberto, de 26 dias de roçagem e varrição na Praça Getúlio Vargas. “O senhor afirma que foi executado esse serviço?, perguntou Calinho. “Com certeza, não. Às vezes era feito manutenção, mas não todo dia”, respondeu Norberto. No total, a CPI apurou que foram pagos 28,9 mil m² pelo serviço na Praça Getúlio Vargas.
Norberto também confirmou que indicou o Sr. Adão para atuar na empresa Sanitary, que sucedeu à Ecosystem. “Se eu fosse conferir essas planilhas, jamais assinaria”, finalizou.
O presidente da CPI, vereador Ciro André Quintino (MDB), fez um balanço da rodada de depoimentos, destacando que as informações colhidas contribuirão para a elaboração de um relatório completo a ser encaminhado ao Judiciário para as devidas providências.
“A cada depoimento, surge um novo fato, e isso é importante para que possamos comparar as informações. Com isso, poderemos chegar ao final desta CPI oferecendo um respaldo à comunidade”, afirmou Quintino.
CPI da Roçada
A CPI surgiu por desdobramento de uma Sindicância Administrativa, instalada ano passado, que, após apontar irregularidades na conduta das empresas Ecosystem Serviços Urbanos e Sanitary Serviços de Conservação e Limpeza Ltda, sugeriu que uma denúncia fosse enviada à Câmara para que uma Comissão Parlamentar Processante fosse instalada.
No entanto, esse tipo de Comissão só alcança os responsáveis de forma político-administrativa e os secretários investigados já não ocupavam cargo público, o que impossibilitaria a aplicação desse tipo de sanção. Diante disso, o presidente da Câmara, Alex Burnier (PL) viu a necessidade de uma CPI. Já a sindicância é resultado de uma ação policial, batizada de "Operação Limpeza Urbana", em setembro de 2024, realizada pela Polícia Civil, por meio da 4ª DECOR - Delegacia Especializada em Combate à Corrupção. Na ocasião, foram cumpridos mandados de busca e apreensão em vários endereços da cidade. O objetivo era buscar provas que pudessem reforçar as suspeitas de superfaturamento no serviço de limpeza urbana em Gaspar, anteriormente subordinado à Secretaria de Obras de Gaspar e depois transferido ao Samae.
Os contratos teriam sido firmados entre 2017 e 2023. O esquema era simples. Como os valores era calculados por meio de medições, algumas apontavam para pagamentos além da área efetivamente roçada, capinada e limpa, especialmente nos espaços verdes do município, que superavam até mesmo a extensão do terreno. As medições estariam recebendo o aval de servidores públicos responsáveis pela fiscalização do contrato e lançamento do serviço nas planilhas de medições. A autorização para pagamento levava a rubrica de diretores e secretário.
A polícia apreendeu documentos, celulares e uma certa quantia em dinheiro na casa de um dos ex-secretários. Os policiais também estiveram no escritório de representação da empresa prestadora do serviço, que tem sede em Curitiba.
A CPI da Roçada tem o como presidente o vereador Ciro André Quintino (MDB); relatora a vereadora Alyne Karla Serafim Nicoletti (PL), demais vereadores membros da comissão, Carlos Eduardo Schmidt (PL), Mara Lúcia Xavier da Costa dos Santos (PP) e Thímoti Thiago Deschamps (UNIÃO).
A reportagem tentou novamente contato com a Ecosystem, empresa que vem sendo investigada, mas novamente a empresa não respondeu aos nossos contatos. Já o ex-secretário de Obras e Serviços Urbanos, Jean Alexandre dos Santos, não foi localizado pela reportagem, porém, o espaço segue aberto para manifestações dos citados nesta reportagem.
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Segunda rodada de depoimentos à CPI da Roçada (Câmara de Vereadores de Gaspar)
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Segunda rodada de depoimentos à CPI da Roçada (Câmara de Vereadores de Gaspar)
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Segunda rodada de depoimentos à CPI da Roçada (Câmara de Vereadores de Gaspar)
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Segunda rodada de depoimentos à CPI da Roçada (Câmara de Vereadores de Gaspar)
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