
Ex-servidores dizem à CPI que assinavam relatórios sem ler

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Primeiros depoimentos apontam para super dimensionamento e super faturamento no serviço de roçagem em Gaspar (Fotos: CAMARA DE VEREADORES DE GASPAR)
Primeiras revelações apontam para super dimensionamento e super faturamento de áreas roçadas em Gaspar
A “CPI da Roçada” ouviu na manhã desta quinta-feira, dia 17, os primeiros dois depoimentos de ex-servidores ligados à Secretaria de Obras e Serviços Urbanos na época em que ocorreram as supostas irregularidades na prestação dos serviços de roçagem e limpeza urbana em Gaspar. Foram ouvidos, pela ordem, o servidor público Celso Xavier Schmitt e o ex-diretor de Obras Gelásio Valmor Muller. Gelásio é pai do ex-secretário de Obras, Douglas Muller, que esteve à frente da secretaria no último ano do Governo Kleber Wan-Dall (MDB).
Documentos apresentados pela CPI comprovam que os dois ex-servidores assinaram ordens de serviço para pagamento à empresa Ecosystem Serviços Urbanos, contratada pelo Governo Kleber Wan-Dall para executar o serviço de roçagem. Durante os depoimentos, ambos negaram que ocupassem a função de Fiscal de Contrato, porém, admitiram que são suas as assinaturas que aparecem nas ordens de serviço.
Servidor concursado da Prefeitura de Gaspar há 16 anos para função de Escriturário, Celso Xavier Schmitt, esteve lotado na Secretaria de Obras e Serviços Urbanos entre 2009 e 2017. Hoje, é servidor da Secretaria Municipal de Fazenda.
No Governo Kleber Wan-Dall, Celso recebeu uma Função Gratificada (FG), mas negou que estivesse ligada à fiscalização de contratos com prestadores de serviços. “Se fui nomeado fiscal de contrato, nunca soube”, afirmou.
Ele explicou que o seu trabalho era cuidar do almoxarifado, iluminação pública e abastecimento da frota de veículos da secretaria. Porém, de acordo com documentos levantados pela CPI, em 2016 Celso assinou um relatório de prestação de serviços à Ecosystem. “Talvez nesse dia, o fiscal não veio e me pediram para assinar, mas nunca conferi nenhuma medição”, justificou. Mais adiante, ele disse que assinou a nota em dezembro de 2016, época de férias coletivas na Prefeitura. “Provavelmente, estava todo mundo de férias e me pediram para assinar”.
O servidor público esclareceu ainda que recebia as notas fiscais para pagamento da Ecosystem no último dia do mês, assinava o canhoto e devolvia ao funcionário da empresa. “Eu conferia cada item na nota, se os valores por metro de roçagem estavam de acordo com a tabela”, explicou. Esclareceu ainda que não era seu trabalho ir a campo verificar se de fato aquela metragem conferia com a área capinada. “Isso era com os diretores, eu apenas conferia os itens da nota fiscal e entregava para o secretário assinar, mas a metragem não era comigo”, defendeu-se. Celso trabalhou por oito meses na Secretaria de Obras, quando a a pasta esteve nas mãos de Jean Alexandre dos Santos.
A CPI apresentou aos depoentes provas de que houve superdimensionamento de áreas roçadas em vários locais da cidade e, consequentemente, superfaturamento, já que os pagamentos eram feitos por metro quadrado de roçada. Na conhecida Praça do Papai Noel, no bairro Sete, a Secretaria de Obras aprovou, em outubro de 2016, um relatório de roçagem de 3.806 m², quando a área real não passa de 50 m².

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A Praça do Papai Noel onde teriam sido roçados mais de 3 mil m² (Fotos: Divulgação)
Questionado pelo vereador Thimoti Deschamps (União), membro da CPI, Celso admitiu que assinou o relatório. “Assinei sem ver, porque era na confiança”. Outro serviço de roçagem que extrapola em muito a área total ocorreu no Posto de Saúde do Bairro Figueira, na Rua Rio Negrinho. De acordo com o relatório apresentado pela Ecosystem à Prefeitura e assinado por Celso, foram roçados 31.140 m² de área, o que equivale a metragem de três campos de futebol. Celso voltou a dizer que nunca saiu para conferir nada. “Eu tinha outros afazeres na secretaria, deveria ter alguém para acompanhar e marcar o certo, porque isso demanda tempo. Com certeza eu não assinaria se soubesse, errei em assinar”, admitiu.

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A unidade de saúde do bairro Figueira onde teriam sido roçados mais de 31 mil m², o equivalente a uma área de três campos de futebol (Fotos: divulgação prefeitura de gaspar)
Questionado pela relatora da CPI, vereadora Alyne Serafim Nicoletti (PL), quem era a pessoa que pedia para ele assinar, o servidor apontou o secretário e diretor de obras. “O secretário e diretores determinavam o que deveria ser feito”, afirmou. Ao final do seu depoimento, Celso admitiu que errou ao assinar os relatórios sem ler, mas porque foi induzido a fazer isso. “Eu não vi 3 mil m² na Praça do Papai Noel, nem 31 mil m² no Posto de Saúde do Figueira, seu tivesse visto jamais assinaria porque isso é um absurdo”, desabafou.
Diretor de Obras
Gelásio Valmor Muller foi mais comedido no seu depoimento à CPI. Aposentado, ele atuou na Secretaria de Obras e Serviços Urbanos por pouco mais de dois anos – entre 2017 e 2019. Ele foi nomeado pelo prefeito Kleber para o cargo comissionado de Diretor da Secretaria de Obras, respondendo diretamente ao secretário Jean Alexandre dos Santos, porém, disse que seu cargo nunca foi fiscal de contrato. “Eu trabalhava cuidando das bocas de lobo, tubulação, bueiro, esgoto e havia três equipes sob a minha responsabilidade”, explicou.
O ex-servidor contou que, na época, recebia folhas impressas. A atendente (secretária) repassava essas folhas a ele, que saía para estrada a fim de executar as demandas juntamente com as equipes. No final do dia, devolvia as folhas à atendente informando o que havia sido feito, porém, nada relacionado ao serviço de roçagem. No entanto, em 19 de abril de 2018, uma roçagem realizada em área verde do bairro Santa Terezinha em 9.984 m², tem a assinatura de Gelásio. “Eu assinei na época algumas folhas porque o secretário Jean pediu”. O ex-diretor explicou que, na época, o fiscal de contrato não podia assinar nada porque não havia sido publicada a sua nomeação. Alguns dias antes, em 6 de abril, Gelásio também assinou um relatório de medição de área verde no bairro Bela Vista, multiplicada pelo fator 3,97 e que totalizou 11.500 m². “Eu não acompanhei nenhuma roçagem, não conheço essa empresa Ecosytem, mas o que o secretário pedia eu assinava”.
Gelásio contou à CPI que chegava na mesa da secretária e já estavam lá as folhas com o carimbo e o seu nome. “E só dava um visto em cima”, revelou. O ex-diretor admitiu que assinava as folhas sem olhar. “O secretário pedia para eu assinar, eu assinava”. A CPI apresentou ao ex-diretor um serviço de roçagem da Ecosytem realizado junto ao viaduto da Avenida das Comunidades, contendo a sua assinatura. O relatório aponta 3.781 m², ou seja, segundo a CPI, mais de três vezes a área real, que é de aproximadamente 1 mil m².
Outro serviço executado pela Ecosytem ocorreu na Rua Lagoa Vermelha, em 2017, onde num único dia de serviço foram roçados 1.990 m² (quase 2km), sendo que a extensão da rua não chega a 500 metros. Questionado pelo vereador Carlos Schmitt (PL), o Calinho, se sentiu enganado, o ex-diretor afirmou que agiu de boa-fé. “Não vi nenhum inconveniente em assinar os relatórios... Eu não sei se tem inconsistência ou não, ele (secretário Jean) me pediu para assinar, se ele usou má-fé ou não eu não sei, eu sei que eu assinei de boa-fé, ele era o meu secretário, eu obedeci”. Gelásio concluiu: “Infelizmente eu estou aqui por causa da minha assinatura”.
A reportagem do Jornal Metas procurou o ex-secretário Jean Alexandre dos Santos, citado durante os depoimentos, mas não conseguiu contato. A empresa Ecosystem também foi procurada, mas não retornou nossos contatos.
Entenda os fatos
A CPI surgiu por desdobramento de uma Sindicância Administrativa, instalada ano passado, que, após apontar irregularidades na conduta das empresas Ecosystem Serviços Urbanos e Sanitary Serviços de Conservação e Limpeza Ltda, sugeriu que uma denúncia fosse enviada à Câmara para que uma Comissão Parlamentar Processante (CPI) fosse instalada. Já a sindicância é resultado de uma ação policial, batizada de "Operação Limpeza Urbana", em setembro de 2024, realizada pela Polícia Civil, por meio da 4ª DECOR - Delegacia Especializada em Combate à Corrupção. Na ocasião, foram cumpridos mandados de busca e apreensão em vários endereços da cidade. O objetivo era buscar provas que pudessem reforçar as suspeitas de superfaturamento no serviço de limpeza urbana em Gaspar, anteriormente subordinado à Secretaria de Obras de Gaspar e depois transferido ao Samae.
Os contratos teriam sido firmados entre 2017 e 2023. O esquema era simples. Como os valores era calculados por meio de medições, algumas apontavam para pagamentos além da área efetivamente roçada, capinada e limpa, especialmente nos espaços verdes do município, que superavam até mesmo a extensão do terreno. As medições estariam recebendo o aval de servidores públicos responsáveis pela fiscalização do contrato e lançamento do serviço nas planilhas. A autorização para pagamento levava a rubrica do secretário.
A polícia apreendeu documentos, celulares e uma certa quantia em dinheiro na casa de um dos ex-secretários. Os policiais também estiveram no escritório de representação da empresa prestadora do serviço, que tem sede em Curitiba.
Outra coincidência que chamou atenção da 4ª DECOR é que o serviço foi transferido da Secretaria de Obras para o SAMAE de Gaspar, porém, a pessoa que ocupava o cargo de Secretário de Obras à época é a mesma que passou a presidir o SAMAE.
A CPI da Roçada tem o como presidente o vereador Ciro André Quintino (MDB); relatora a vereadora Alyne Karla Serafim Nicoletti (PL), demais vereadores membros da comissão, Carlos Eduardo Schmidt (PL), Mara Lúcia Xavier da Costa dos Santos (PP) e Thímoti Thiago Deschamps (UNIÃO). Ainda fazem parte como equipe de apoio os servidores da Câmara, Andreia Avosani, Marcos Alexandre Klitzke, Pedro Paulo Schramm, Ramires dos Santos e Samara Aparecida Marcelino.
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A unidade de saúde do bairro Figueira onde teriam sido roçados mais de 31 mil m², o equivalente a uma área de três campos de futebol (divulgação prefeitura de gaspar)
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A Praça do Papai Noel onde teriam sido roçados mais de 3 mil m² (Divulgação)
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