Ex-servidores da Secretaria de Obras afirmaram que assinaram relatórios sem ler

 

A “CPI da Roçada” ouviu na manhã desta quinta-feira, dia 17, os primeiros dois depoimentos de ex-servidores ligados à Secretaria de Obras e Serviços Urbanos na época em que ocorreram as supostas irregularidades na prestação dos serviços de limpeza e roçagem urbana em Gaspar. Foram ouvidos, pela ordem, o servidor público Celso Xavier Schmitt e o ex-diretor de Obras Gelásio Valmor Muller. Gelásio é pai do ex-secretário de Obras, Douglas Muller, que esteve à frente da Obras no último ano do Governo Kleber Wan-Dall (MDB).
Documentos apresentados pela CPI comprovam que os dois ex-servidores assinaram ordens de serviço para pagamento às empresas Ecosystem Serviços Urbanos e Sanitary Serviços de Conservação e Limpeza, contratadas da prefeitura entre os anos de 2017 e 2023.
Durante os depoimentos, ambos negaram que ocupassem a função de Fiscal de Contrato, porém, admitiram que são suas as assinaturas que aparecem nas ordens de serviço.
Servidor concursado da Prefeitura de Gaspar há 16 anos, Celso Xavier Schmitt, esteve lotado na Secretaria de Obras e Serviços Urbanos entre os anos de 2009 e 2017. Hoje, é servidor da Secretaria Municipal de Fazenda.
Durante o Governo Kleber Wan-Dall, Celso recebeu uma Função Gratificada (FG), mas negou que fosse ligada à fiscalização de contratos com prestadores de serviços. “Se fui fiscal de contrato, nunca soube”. Ele explicou que o seu trabalho era cuidar do almoxarifado, iluminação pública e abastecimento da frota de veículos da secretaria.
Porém, de acordo com documentos levantados pela CPI, em 2016 Celso assinou um relatório de prestação de serviços da Ecosystem. “Talvez, nesse dia o fiscal não veio e me pediram para assinar, mas nunca conferi nenhuma medição”, justificou. Mais adiante, ele disse que assinou a nota em dezembro de 2016, época de férias coletivas na Prefeitura. “Provavelmente, estava todo mundo de férias e me pediram para assinar”.
Celso esclareceu ainda que recebia as notas fiscais para pagamento da Ecosystem no último dia do mês, assinava o canhoto e devolvia ao funcionário da empresa. “Eu conferia cada item na nota, se os valores por metro de roçagem estavam de acordo com a tabela”, explicou. Disse ainda que não era seu trabalho ir a campo verificar se de fato aquela metragem conferia com a área capinada. “Iss era com os diretores, eu apenas conferia os itens e entregava para o secretário, mas a metragem não era comigo”, reforçou. Celso trabalhou por oito meses na Secretaria de Obras, na época comandada por Jean Alexandre dos Santos.
A CPI apresentou aos depoentes provas de que houve superdimensionamento de áreas roçadas em vários locais da cidade. Na conhecida Praça do Papai Noel, no bairro Sete, a Secretaria de Obras aprovou, em outubro de 2016, um relatório de roçagem de 3.806 m², quando a área real não passa de 50 m². Questionado pelo vereador Thimoti Deschamps (União), membro da CPI, Celso admitiu que assinou o relatório. “Assinei sem ver, porque era na confiança”.
Outro serviço de roçagem que extrapola em muito a área total ocorreu no Posto de Saúde do Bairro Figueira, na Rua Rio Negrinho. De acordo com o relatório apresentado pela Ecosystem, foram roçados 31.140 m² de área. Celso voltou a dizer nunca saiu para conferir nada. “Eu tinha outros afazeres na secretaria, deveria ter alguém para acompanhar e marcar o certo, porque isso demanda tempo. Com certeza eu não assinaria se soubesse, errei em assinar”, admitiu.
Questionado pela relatora da CPI, vereadora Alyne Serafim Nicoletti (PL), quem era a pessoa que pedia para ele assinar, Celso disse que era o secretário ou diretor de obras. “O secretário e diretores determinavam o que deveria ser feito”, afirmou.
Ao final do seu depoimento, o servidor admitiu que errou, mas porque foi induzido a assinar. “Eu não vi 3 mil m² na Praça do Papai Noel, nem 31 mil m² no Posto de Saúde do Figueira, seu tivesse visto jamais assinaria porque isso é um absurdo”, desabafou.
Gelásio Valmor Muller foi bem mais comedido no seu depoimento à CPI. Aposentado, ele atuou na Secretaria de Obras e Serviços Urbanos por pouco mais de dois anos – entre 2017 e 2019. Ele foi nomeado pelo prefeito Kleber para o cargo comissionado de Diretor da Secretaria de Obras, respondendo diretamente ao secretário Jean Alexandre dos Santos, porém, disse que seu cargo nunca foi fiscal de contrato. “Eu trabalhava cuidando das bocas de lobo, tubulação, bueiro, esgoto e havia três equipes sob a minha responsabilidade”, explicou
Ele contou que, na época, recebia folhas impressas. A atendente (secretária) repassava essas folhas a ele, que saía para estrada a fim de executar as demandas juntamente com as equipes. No final do dia, devolvia as folhas à atendente informando o que havia sido feito, porém, nada relacionada à roçagem. No entanto, em 19 de abril de 2018, uma roçagem realizada em área verde do bairro Santa Terezinha em 9.984 m², tem a assinatura do servidor. “Eu assinei na época algumas folhas porque o secretário Jean pediu”. Ele explicou que, na época, o fiscal de contrato não podia assinar nada porque não havia sido publicada a sua nomeação. Alguns dias antes, em 6 de abril, Gelásio também assinou um relatório de medição de área verde no bairro Bela Vista, multiplicada pelo fator 3,97 e que totalizou 11.500 m². “Eu não acompanhei nenhuma roçagem, não conheço essa empresa Ecosytem, mas o que o secretário pedia eu assinava”. Gelásio contou que chegava na mesa da secretária e já estavam lá as folhas com o carimbo e o seu nome. “E só dava um visto em cima”, revelou. O ex-diretor admitiu que assinava as folhas sem olhar. “O secretário pedia para eu assinar, eu assinava”, revelou.
A CPI apresentou ao ex-diretor um serviço de roçagem da Ecosytem realizado junto ao viaduto da Avenida das Comunidades. O relatório aponta 3.781 m², ou seja, segundo a CPI, mais de três vezes a área real, que é de aproximadamente 1 mil m².
Outro serviço citado pela CPI ocorreu na Rua Lagoa Vermelha, em 2017, onde num único dia de serviço foram roçados 1.990 m² (quase 2km), sendo que a extensão da rua não chega a 500 metros. Questionado pelo vereador Carlos Schmitt (PL), o Calinho, se sentiu enganado, o ex-servidor afirmou que agiu de boa-fé. “Não vi nenhum inconveniente em assinar os relatórios... Eu não sei se tem inconsistência ou não, ele (secretário Jean) me pediu para assinar, se ele usou má-fé ou não eu não sei, eu sei que eu assinei de boa-fé, ele era o meu secretário, eu obedeci”. Gelásio concluiu: “Infelizmente eu estou aqui por causa da minha assinatura”.
A reportagem do Jornal Metas tentou contato com o ex-secretário Jean Alexandre dos Santos, mas não conseguiu. As empresas Ecosystem e Sanity também foram procuradas, mas não retornaram os nossos contatos.