Em 1982, surgia a Blitz, banda que marcou o início do rock nacional que se mantém até hoje na crista da onda
Por Alexandre Melo
Quem viveu a adolescência e juventude entre as décadas de 1970 e 1980 teve o privilégio de compartilhar de uma fase musical de efervescência criativa no Brasil. O estilo comportado da Bossa Nova (anos 1950), da Jovem Guarda ou da Tropicália (1960), deram lugar as banda de rock. Se durante os anos de chumbo, gênios como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Raul Seixas, Vinícius de Moraes, Toquinho, Zé Ramalho e tantos outros driblavam a censura com letras políticas em duplo sentido, o fim da ditadura foi o da explosão da rebeldia. Não se trata de tentar achar quem influenciou mais - Bossa Nova ou rock nacional, mas entender que, naquele momento, a juventude brasileira precisava respirar novos ares, experimentar algo novo, se redescobrir e revelar talentos. O rock nacional, que completou 30 anos do seu surgimento, deixou um legado musical inquestionável de transformação e influência no comportamento de uma geração.
Quem tem 50 anos e um pouco mais sabe o quanto esta época foi importante para o País e a Música Popular Brasileira. Em 1982, surgiram Titãs, Paralamas do Sucesso, Legião Urbana, Kid Abelha e Ultraje a Rigor, além de serem lançados os primeiros discos do Barão Vermelho (com Cazuza) e Blitz (quem não lembra de Você não soube me amar?). Ganhavam espaço também as bandas Ira!, Capital Inicial, Engenheiros do Hawaii, Kid Vinil, RPM e Camisa de Vênus. Tudo de uma só vez. Um verdadeiro turbilhão musical que até hoje tem espaço cativo nas rádios FMs de todo o Brasil. Sucessos que são regravados nos mais diversos estilos musicais - do pagode ao sertanejo universitário - e que continuam a embalar as gerações contemporâneas.
No rock dos anos 80, a rebeldia inteligente se revelava nas letras das músicas. Quem imaginaria que da cabeça de uma juventude, recém-saída da sola dos coturnos da ditadura, pudesse sair coisas geniais como os álbuns Selvagem, da Legião Urbana, e Cabeça Dinossauro, do Titãs, ambos de 1986. Vivendo os últimos anos da ditadura militar, jovens das classes média e alta das grandes cidades, a maioria deles na faixa etária dos 20 anos e cursando faculdade, passaram a se reunir para fazer o chamado rock de garagem.
Era um som despretensioso, ajudado pela tecnologia que começava a chegar ao Brasil e a inteligência de autores e produtores musicais. O cunho político não era o principal foco, mas ao falar a linguagem dos jovens da época as bandas de rock nacional acabavam por atingir a nova ordem social. A abertura política, lenta e gradual, olhava com desconfiança para o rock nacional nos seus primeiros anos. A fita demo gravada pelos Paralamas do Sucesso, em 1982, teve uma das quatro faixas censuradas. Outra música censurada foi “Bichos Escrotos”, do Titãs, em 1984, e nem o chamado “rei do rock” dos anos 1970, Raul Seixas, escapou dos sensores na música “Rock das Aranhas”, que compôs junto com Cláudio Roberto. O censor da época escreveu: “nunca encontrei nada semelhante em intenção explícita tão pornográfica” (o que diria então, o sisudo sensor, das músicas de hoje?). Mas, o caso mais emblemático de mudança de comportamento da sociedade brasileira sobre o que é moral ou imoral no campo das artes ocorreu com a música Faroeste Caboclo, escrita por Renato Russo em 1979, último ano do regime militar. A canção somente foi lançada oito anos depois, em 1987, no terceiro disco da banda: “Que País é Este?”, e ainda com algumas modificações em relação à canção original.
Diferente de hoje, as gravadoras da época pensavam, primeiro, na qualidade musical. Daí porque era muito grande o números de bandas que despontavam no cenário nacional. É lógico que esse fenômeno, aos poucos, foi perdendo espaço para o aspecto comercial e algumas bandas de rock nacional desapareceram ou nem chegaram a fazer o sucesso que mereciam. Outras, no entanto, se mantiveram na crista da onda e ainda hoje são referência em estilo e qualidade musical. É o caso da Paralamas do Sucesso, que mesmo diante da tragédia que quase matou o seu líder, Herbert Viana, ainda se mantém; a Titãs, bastante modificada em relação à sua formação original, é outra que segue fazendo sucesso, assim como a Engenheiros do Hawaii e a Barão Vermelho, que voltou depois de muito tempo da morte de Cazuza. E não por falta de talento, outras acabaram como a Blitz, cujo o seu líder Evandro Mesquita, seguiu carreira solo, e a Legão Urbana, com a morte do genial Renato Russo.
A verdade é que embora as gravadoras tenham optado por outras vertentes musicais, a partir de meados dos anos 1990, o rock nacional sobreviveu da criatividade de poucos e da nostalgia de muitos e prova que existe vida além de Michel Teló e Luan Santana.
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