Por Estemir Vilhena da Silva, professor aposentado
Eis que mais um ano está no calendário para indicar uma nova mudança de ciclo. Dividiu-se o calendário cristão a partir da data presumível do nascimento de Jesus Cristo e desde então, com algumas alterações, temos o que se pode chamar de uma divisão temporária correta. Mas desde que se iniciou a contagem do tempo nem sempre foi assim. Quem primeiro dividiu o dia em vinte e quatro horas, o mês em 30 dias e o ano em 360 dias foram os egípcios que depois se deram conta de que deveriam acrescentar mais cinco dias. Estiveram bem próximos da perfeição, não fosse aquele dia que acaba acoplado de quatro em quatro anos no mês de fevereiro estaria tudo perfeito.
Somos pessoas extremamente preocupadas com o decorrer do tempo. Contamo-lo numa ordem crescente, quando, como bem disse João Cabral de Melo Neto, cada minuto que passa não é a mais, é a menos. Considere tal assertiva do poeta pernambucano como uma preocupação com a morte e não com a vida; sim, porque desde o momento em que nascemos já começamos a morrer. Assim, em vez de promessas para o ano seguinte de emagrecer, ou parar de fumar, ou ainda de se embriagar com cachaça e outras, deveríamos nos preocupar não só conosco, mas com o nosso semelhante. Por que no dia de hoje não prometermos dar mais atenção a quem precisa, a lares carentes, às crianças pedintes nas ruas, às associações que buscam minorar o sofrimento dessa gente toda? Em nossa casa da classe média alta sempre nos sobra muita coisa após Natal e Ano Novo porque consumimos demais e sem medida; queremos ver sobrar, botar fora após encher a pança nem sequer por um minuto nos lembramos dos necessitados, do menos afortunados, dos meninos debilitados e dos sofredores em geral. Nada disso, nós em primeiro lugar, nossa família, nossos amigos e fica por aí.
Pessoas desconhecidas, crianças andrajosas não entram no nosso universo egoístico. Parece que o mundo em que vivemos somos nós. Os outros são os estranhos os sem-teto, os sem-comida, os sem-trabalho; enfim, os que não tiveram a oportunidade na vida que tivemos e por isso quer nos parecer que somos os abençoados. Somos os que estão dentro do templo, os outros são os que ficam fora, aqueles que, segundo nosso conceito, não têm o devido merecimento. Por que, neste dia faustoso, não chamamos o nosso irmão para partilhar da nossa ceia? Por que não escolhemos, dentre tatos necessitados, uma família para dividirmos o nosso pão? Por que não oferecer uma cesta básica para determinada família carente para que ela possa, pelo menos nestes dias, se alimentar como se alimentam tantos de nós? Será que nossa condição não permite que estejamos sentados, todos, ricos e pobres, ao redor de uma mesa? Nosso egoísmo é tão grande assim? A minha doutrina prega "que fora da caridade não há salvação", então a finalidade de todos não estar no céu? Se for, como não praticar a caridade, como se empavonar de tanto orgulho que não permite que uma pessoa pobre sente-se à sua mesa? Será que não atentaram para o exemplo do Mestre quando lavou os pés de outros para dar exemplo de humildade?
Que os senhores não façam tanto, mas que pelo menos façam o possível para dar condições a pessoas viverem um pouco melhor neste dia de tanta fartura em nossa casa. Meu ecumenismo levou-me a ouvir o sermão de um padre que com toda a força de seus pulmões gritava: "Irmãos, façais hoje pelo próximo e não esperai o amanhã; quem sabe, amanhã mesmo Deus vos chamará para que vós presteis contas do que fizestes aqui na terra"? Só o nosso espírito é perene, nosso corpo, isto que Deus nos deu, é apenas um invólucro que se perderá, e que o espírito está ansioso para se livrar de carga tão pesada. Tornemos a nossa vida mais leve, façamos que a nossa consciência possa viver ligadas ao dever cumprido para que sejamos realmente felizes quando daqui partirmos para uma vida mais profícua e mais digna.
Estemir Vilhena da Silva
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