A carta é de Trump, mas o recado é dos EUA

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18/07/2025 15:01
ARTIGO

A carta é de Trump, mas o recado é dos EUA

Por Kassiani Borges

 Publicado 18/07/2025 15:01  – Atualizado 18/07/2025 15:01

Confira a coluna da edição desta semana 17/07/2025
  • Confira a coluna da edição desta semana 17/07/2025 (Fotos: Jornal Metas)

Vinicius Lumertz
  • Vinicius Lumertz (Fotos: Divulgação)

O aumento de 50% nas tarifas americanas sobre diversas exportações brasileiras provocou fortes reações ideológicas tão supérfluas quanto utilitárias na política interna do Brasil — e muita análise de “futebol político” pela grande imprensa. A carta de Trump fala da perseguição ao presidente Jair Bolsonaro, fala das liberdades de expressão etc., como as razões da ação tarifária. Porém, isso é muito pouco diante da racional estratégica por trás da decisão. Confundir razão e racional é um erro muito básico de análise em relações internacionais.

A medida do presidente Trump veio um dia após o discurso do presidente Lula na cúpula do BRICS, no Rio. Ali, mais uma vez, Lula defendeu abertamente a substituição do dólar nas transações globais. A fala, somada a gestos diplomáticos ambíguos em relação ao Irã, Rússia, Hamas e Hezbollah, é vista em Washington como um afastamento simbólico do Brasil do campo ocidental. O presidente da grande China, Xi Jinping, não veio ao encontro do BRICS — cuidadosamente. Mas a mensagem brasileira foi clara — e entendida como provocativa.

Para os EUA, o Brasil sempre fez parte de sua esfera de influência. Em especial desde a Segunda Guerra Mundial até a Aliança para o Progresso de John F. Kennedy, o país era visto como parceiro natural. Agora, a Casa Branca observa um governo que se alinha retoricamente a um eixo geopolítico rival, sem oferecer, em troca, um projeto econômico coerente.

No pano de fundo, está a disputa com a China. Em 2023, o Brasil exportou US$ 104 bilhões para os chineses, com superávit de US$ 51 bilhões. Já com os EUA, o saldo foi positivo para os EUA: US$ 7,8 bilhões de superavit. No acumulado da década, o déficit brasileiro com os EUA supera os US$ 75 bilhões.

Na prática, ganhamos com a China e gastamos com os EUA. Então, não é comercial.

Além disso, os americanos seguem como o maior investidor no país: mais de US$ 150 bilhões em estoque.

E as empresas americanas no Brasil remetem bilhões anualmente em lucros para suas matrizes — foram US$ 10,6 bilhões apenas em 2023. Ou seja, apesar da retórica, a dependência bilateral continua — e é profunda.

As tarifas não são um gesto isolado de protecionismo. São um aviso. O Brasil está sendo interpretado como ambíguo. Depende da China no comércio e dos EUA no capital, mas flerta com discursos que desagradam os dois lados. E a racional americana, como a chinesa, ao contrário da brasileira, não opera por afetos. Eles operam por interesses nacionais — algo que está ausente nos nossos fundamentos.

O debate no Brasil se prendeu à carta de Trump, cujo conteúdo reflete uma camada superficial. A racional por trás da decisão é clara: os EUA não aceitam discursos de enfrentamento vindos de um país que sempre esteve sob sua influência — e que, agora, dá sinais de mudança sem oferecer clareza sobre onde quer chegar.

O maior risco não está nas tarifas anunciadas. Está nas que podem vir: nas decisões de crédito, nos investimentos futuros, na confiança estratégica. O Brasil precisa entender que política externa é feita de escolhas. E que, para ter protagonismo, precisa primeiro ter direção. Finalmente, entregar ao Itamaraty o que ele sabe fazer: política de Estado.

Vinicius Lumertz
Atualmente preside o Conselho de Administração do Grupo Wish e é sócio proprietário da LG17 Consultoria.

  • Vinicius Lumertz (Divulgação)

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