O Projeto das Fakes News (2.630/2020) vem dividindo opiniões entre aqueles que o defendem como uma forma de disciplinar a circulação de informação na internet e os seus opositores, que entendem que limita a liberdade de expressão

Raquel Bauer
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Desde junho de 2020, quando foi aprovado no Senado Federal, o Brasil discute o Projeto de Lei (PL) 2.630/2020, chamado de PL Fake News. O projeto tem objetivo de criar a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Na prática, a proposta é estabelecer regras, diretrizes e mecanismos de transparência para redes sociais, como o Facebook, Instagram, TikTok e Twitter, além de ferramentas de busca, como o Google e serviços de mensagens como WhatsApp e Telegram.

O assunto, que já está em discussão há quase dois anos, se intensificou após o assassinato de uma professora em uma escola de São Paulo, no final de março, e o ataque à creche Cantinho Bom Pastor, em Blumenau, no dia 5 de abril, quando quatro crianças foram mortas e outras cinco ficaram feridas após um homem invadir o educandário. Após os ataques, milhares de notícias falsas se propagaram pelas redes sociais, além de conteúdos de ódio, incentivando mais ataques e mostrando que situações como a de São Paulo e Blumenau passam pelas redes sociais e são compartilhadas com a complacência das empresas donas das plataformas de conteúdo.

Tramitação
Desengavetado, o PL das Fake News tramita em caráter de urgência na Câmara dos Deputados. A primeira votação estava prevista para a última terça-feira (2), mas o texto foi retirado da pauta pelo presidente da Casa, deputado Arthur Lira, a pedido do relator, deputado Orlando Silva (PCdoB), sob alegação de incorporar as sugestões apresentadas por deputados ao novo parecer.

Cercada de polêmicas, o PL tem sido chamado de “PL da censura” pela turma do contra, já que prevê a regulamentação das redes sociais e responsabilização pelos conteúdos que forem comparilhados.

O deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) entende que a proposta limita a liberdade de expressão e a disseminação de notícias falsas e verdades. “Para evitar que as notícias falsas sejam disseminadas, as vítimas serão as informações verdadeiras”, criticou. Ele comparou o Projeto de Lei à estrutura “soviética” de censura de conteúdo.

O texto também recebeu críticas do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ). “Eu fui preso inconstitucionalmente com base nesse inquérito ilegal das fake news. É impossível que esse texto seja aprovado”, enfatizou. Silveira é réu no Supremo Tribunal Federal por denúncia apresentada contra ele após a divulgação de vídeos contra ministros da Corte em redes sociais. Ele foi preso e agora está usando tornozeleira eletrônica. “Será usado para prejudicar qualquer tipo de oponente político”, afirmou.

O secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, João Brant, discorda. Em audiência pública na Comissão de Comunicação da Câmara dos Deputados , ele defendeu que o projeto garante a liberdade de expressão em equilíbrio com outros direitos.

“A sociedade brasileira vive sob o impacto de redes sociais completamente desreguladas. Oitenta por cento da população é a favor da regulação das plataformas, e a Câmara está com a oportunidade de votar um projeto equilibrado, construído a partir de debates realizados nos últimos três anos, que trata direitos de maneira sofisticada, protegendo ao mesmo tempo a liberdade de expressão individual e a coletiva”, argumenta Brant. Ele ainda ressaltou que a Câmara não pode perder a oportunidade de votar o projeto “caindo em lorota tanto das plataformas, como de deputados muitas vezes oportunistas, que utilizam um discurso como se estivessem defendendo a liberdade de expressão para mentir e atacar o projeto”, acrescentou.

Qual o objetivo da PL?
O PL das Fake News, prevê, entre outras coisas, novas diretrizes para as redes sociais em relação a crianças e adolescentes (veja imagem na página ao lado), veiculação de notícias, divulgação de conteúdo falso e impulsionamento de propaganda eleitoral e de conteúdos políticos.

Entre os objetivos está o fortalecimento da democracia, transparência dos provedores, coibir a difusão de notícias falsas e discursos de ódio em ambiente virtual.


“O Projeto de Lei nº 2630, de 2020, classifica as diversas aplicações das redes sociais, obriga maior transparência e impõe responsabilidades às empresas de tecnologia (big techs).”

César Augusto Wolff
Advogado

Opinião/Advogado diz que lei vai permitir identificar quem comete atos ilícitos

Advogado, professor do curso de Direito da Universidade Regional de Blumenau (Furb) e ex-presidente da OAB Blumenau, César Augusto Wolff, vê como principal vantagem do PL 2630/2020 a garantia de identificação de pessoas que usam as redes para promoverem atos ilícitos. “O Projeto de Lei nº 2630, de 2020, classifica as diversas aplicações das redes sociais, obriga maior transparência e impõe responsabilidades às empresas de tecnologia (big techs). Se aprovado, proporcionará a identificação de autores de atos ilícitos cometidos por meio das redes sociais, assim como a eficácia de decisões administrativas impostas pelo órgão regulador que será criado e também pelo Poder Judiciário”, avalia.

Entre os principais pontos, o PL prevê que conteúdo eleitoral terá que disponibilizar publicamente todo o conjunto de anúncios, com valor e tempo de veiculação. Além disso, os aplicativos de mensagens devem limitar a distribuição massiva de conteúdos e mídias. Outro ponto são os perfis em redes sociais de interesse público, como, por exemplo, de políticos. Esses perfis não poderão mais bloquear usuários. Conteúdos jornalísticos usados pelas plataformas vão permitir remuneração para as empresas jornalísticas.

O PL também prevê que as plataformas terão que criar formas para impedir o uso dos serviços por crianças e adolescentes, quando o serviço não for direcionado para a faixa etária. Além disso, na versão mais recente do relator Orlando Silva, as redes sociais acessíveis às crianças precisarão ter um nível elevado de privacidade, protegendo dados e segurança. Além disso, as redes sociais ficarão proibidas de monitorar o comportamento das crianças e adolescentes para direcionar anúncios publicitários para esse público.

O advogado César Wolff destaca que com a aprovação do PL, o cidadão terá maior autonomia em relação à atuação das plataformas digitais, como, por exemplo, condicionar o seu prévio consentimento para adição da conta de usuário ao grupo de mensagens. “Facilitará o bloqueio de interações indesejadas e permitirá que se possa responsabilizar o autor de ofensas mediante identificação da autoria e do conteúdo da publicação, que a depender das características de envio, deverá ser armazenado pelo provedor por três meses”, explica.

O PL das Fake News tem gerado bastante polêmica, principalmente com plataformas como o Google e Twitter, que lançaram campanhas contra o projeto de lei. As empresas estão retirando de suas plataformas artigos e reportagens favoráveis ao PL e patrocinaram conteúdo contestando a proposta.

Isso acontece porque, segundo o professor, como toda atividade empresarial, os provedores de redes sociais e de serviços de mensagens privadas serão obrigados a seguir o regramento legal do Brasil, mesmo que sediados no exterior. “A grande novidade é que se exigirá dessas empresas uma atuação proativa no combate a possíveis ilícitos praticados por meio dos serviços que disponibilizam, mediante procedimentos de moderação sobre conteúdo e contas em operação, sob pena de responsabilidade e sanções, incluindo multas”, observa. Wolff chama atenção que, de certa forma, essas empresas já monitoram o conteúdo publicado pelos usuários em suas redes sociais, porém, a Lei das Fake News vai dar mais transparência nas ações, de todas as ocorrências e, especialmente, irá sujeitá-las ao controle da autoridade estatal brasileira.