Impostos, adição de outros combustíveis e preços de distribuição acabam sendo repassados para o consumidor
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Nas últimas semanas, os brasileiros têm sido surpreendidos com aumentos sucessivos nos preços dos combustíveis - gasolina, óleo diesel e gás de cozinha. A combinação de dólar alto e aumento da cotação internacional do barril do petróleo tem elevado os custos da Petrobras, que detém o monopólio da extração e refino do produto no país. Os reajustes são inevitáveis para que a estatal não tenha um rombo ainda maior nas suas contas. O problema é que a conta é paga pelo consumidor.
Para entender como de fato esses aumentos ocorrem, é preciso conhecer melhor a cadeia produtiva e também a tributação - estadual e federal - que incidem sobre os combustíveis. A diferença de preço de um estado para outro, por exemplo, é justamente na alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS), já que os impostos federais, a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide); o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) são iguais para todos.
O preço dos combustíveis é livre na bomba - ou na revenda, no caso do gás de cozinha, ou seja, não existe uma tabela fixa de preço único ou um teto máximo. Vale a lei da oferta e da procura. Porém, grande parte do que o consumidor desembolsa reflete o preço cobrado pela Petrobras na refinaria. Como num efeito cascata, alterações nos preços da Petrobras, que seguem a cotação internacional do petróleo e o câmbio, incidem diretamente nos demais componentes do preço até chegar ao valor final na bomba, no caso da gasolina e do óleo diesel.
Explicando melhor: Impostos, adição de outros combustíveis à mistura e preços de distribuição e de revenda somam-se ao valor cobrado nas refinarias. Ao sair da Petrobras, o combustível tem o seu valor do produto mais os tributos federais. Há duas semanas, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que pretende zerar esses tributos, mas a medida depende de um decreto para entrar em vigor. Ao chegar às distribuidoras, o preço sobre o combustível passa a sofrer a incidência do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Cobrado pelos estados, o ICMS incide como um percentual sobre uma tabela de preços revisada a cada 15 dias pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), órgão formado pelas secretarias estaduais de Fazenda.
Quando o preço sofre reajuste na refinaria, o Confaz atualiza a tabela de preços. Dessa forma, alguns dias após o primeiro aumento, o preço sobe novamente porque os postos repassam o aumento do ICMS ao consumidor. O projeto de lei do Governo Federal pretende mudar o modelo de cobrança do ICMS e introduzir valores fixos por litro, como ocorre com os tributos federais. Dessa forma, o imposto estadual não seria afetado pelos reajustes nas refinarias, reduzindo o impacto no bolso do consumidor. O presidente Bolsonaro também pretende obrigar os estabelecimentos a detalharem os preços promocionais dos chamados cartões de fidelidade, ofertados por meio de aplicativos.
Composição
No caso da gasolina e do diesel, a adição de outros combustíveis à mistura eleva os preços. À gasolina que sai pura da refinaria é acrescentado álcool anidro, na proporção de 27% para a gasolina comum e aditivada e 25% para a gasolina premium. Já o diesel sofre a adição de 12% de biodiesel. Esses custos são incorporados ao preço dos combustíveis que vai para as revendedoras, onde o preço final é definido com o custo de manutenção dos postos de gasolina e as margens de lucro das revendedoras. A Petrobras pesquisa periodicamente os preços ao consumidor nas principais capitais. Segundo o levantamento mais recente, de 14 a 20 de fevereiro, a composição média dos preços dos combustíveis dá-se na seguinte forma:
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Guerra sem fim e privatização
Os governos estaduais são contra a proposta do presidente Jair Bolsonaro de zerar os tributos. Segundo eles, o aumento do preço dos combustíveis não tem relação com a política tributária dos Estados, e ainda culpam a Petrobras pelos sucessivos reajustes que tem deixando algumas categorias bastante descontentes. É o caso dos caminhoneiros e transportadoras que já ameaçaram uma nova greve nacional para protestar contra os frequentes reajustes nos preços. Por enquanto, a categoria ainda consegue repassar os aumentos para o frete, mas neste ritmo a tendência é isto ocorrer cada vez em menor escala até se chegar ao limite. A Petrobras se defende e diz que segue a política determinada pelo preço do barril do petróleo no mercado internacional. Neste momento, existe muita procura, parte em função do frio nos Estados Unidos, o maior produtor de petróleo do mundo, que baixou a produção em quase 6 milhões de barris, além da pouca oferta por causa da queda na produção de outros países.
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Monopólio
Há, ainda, uma discussão longa e que retorna toda vez que o preço do barril de petróleo pressiona os preços dos combustíveis: o monopólio da Petrobras. Para especialistas, se a estatal não fosse dona de 13 das 17 refinarias em operação no país, poderia haver uma concorrência mas leal com reflexos positivos no preço final do produto. A Lei nº 9.748/1997 definiu que qualquer empresa, ou consórcio de empresas, pode submeter à ANP (Agência Nacional de Petróleo) uma proposta para a construção e operação de refinarias no Brasil, bem como para a ampliação de sua capacidade. No entanto, a Petrobras e suas 13 refinarias refinam 98% do petróleo extraído no Brasil ou importado (algo em torno de 2,4 milhões de barris por dia).
Este monopólio, no entanto, já poderia ter acabado se os governos dos últimos 20 anos - de Fernando Henrique Cardosos a Jair Bolsonaro - não venham sistematicamente intervindo no setor, com por exemplo, concedendo subsídios à gasolina e ao diesel. Portanto, mesmo sem barreiras legais, tecnológicas ou financeiras para a entrada de novos players no mercado de refino de Petróleo no Brasil, o negócio é bastante arriscado, pois a concorrência seria desleal frente à gigante estatal brasileira, que no ano passado registrou um lucro de R$ 7,1 bilhões e é uma das maiores do mundo no setor. Por isso, a proposta de privatizar a Petrobras, se não de toda, mas de parte, entregando ao capital estrangeiro algumas das refinarias voltou ao centro das discussões no atual governo. Esse desinvestimento na estatal seria de 49% da capacidade de refino. A venda de parte dos ativos poderia sustentar as finanças da companhia e blindá-la das intervenções do governo nos preços dos combustíveis. No entanto, o segmento é permeado de risco regulatório e político, o que afasta o investidor privado. Para mudar esse cenário, é preciso eliminar a permanente perspectiva de ingerência política sobre o preço dos combustíveis, o que não é fácil. Além disso, e Petrobras esteve envolvida em escândalos de corrupção nos governos anteriores, o que fez também despencar o valor das suas ações. As ameaças políticas que faz o atual governo à estatal - algumas delas cumpridas, como a recente demissão do presidente da empresa - também derrubam o preço das suas ações e a torna ainda menos atrativa ao capital estrangeiro.
Importação e exportação
Pode parecer contraditório, mas o Brasil é autossuficiente em petróleo, ou seja, extrai em seu próprio território tudo o que precisa. Mas, então por que importamos óleo e até gasolina e diesel? Porque as nossas refinarias não tem capacidade de refinar todo o petróleo que o país precisa. Ou seja, exportamos o óleo e depois importamos combustíveis. O Brasil também importa petróleo porque boa parte do produto extraído em nosso território não pode ser processado nas refinarias da Petrobras por uma simples razão. Quando elas foram construídas, lá nas décadas de 1950 e 1960, foram ajustadas para outro tipo de petróleo, já que o país, naquela época, importava praticamente todo o óleo que precisava. Trocando em miúdos, existe autossuficiência em extração do produto in natura, mas não de refino.
O petróleo que vem do Oriente Médio é leve e mais caro, sendo possível produzir grande quantidade de derivados leves. Nosso parque industrial ainda não é capaz de refinar grande parte do óleo extraído nem de suprir a demanda interna por outros derivados. Para conseguir refinar o petróleo extraído no Brasil, ele precisa ser misturado ao petróleo vindo do exterior, de preferência da Nigéria ou da Arábia Saudita. Em 2018, segundo dados da ANP (Agência Nacional de Petróleo), o Brasil exportou 410 milhões de barris de petróleo, a maior parte para a China. No mesmo ano, importou cerca de 68 milhões de barris, na maior parte de países da África e do Oriente Médio. O Brasil também importou derivados de petróleo, como gasolina e, principalmente, diesel.
Política tributária equivocada
É também fundamental que se reveja a politica tributária tanto em relação ao segmento de refino quanto dos combustíveis. No refino é preciso rever a legislação onde as refinarias exercem o papel de substituta tributária. Num momento de privatização das refinarias é preciso estar atento para alterar essa politica. A sugestão é de que as refinarias sejam substitutas tributárias somente dos barris de petróleo que elas processam e não das correntes utilizadas para produzir derivados. A proposta é evitar incentivo à sonegação. Em relação aos derivados seria importante criar um Fundo de Estabilização do preço do diesel usando as receitas extras dos royalties. Ou criar um imposto flex que seria alto quando o barril estiver com preço baixo e baixo quando o barril estiver alto. Enquanto nada disso acontece, os preços dos combustíveis no Brasil vão continuar dependendo de uma única e grande estatal e do mercado internacional.
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