Ataque a casal francês expõe a dura realidade de obras inacabadas
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Parque é um antigo projeto que nunca saiu do papel (Fotos: )
Caso ocorreu na cidade de Palhoça, na Grande Florianópolis
Em meio aos detalhes de um crime hediondo, a atitude de um policial serve como exemplo de solidariedade. O soldado PM V.M.R. atendeu um casal de franceses, vítima de agressão e roubo - a mulher ainda foi estuprada - na madrugada do dia 12 de outubro. O casal chegou ao Brasil no dia 11 de setembro, em São Paulo, e deu início a uma viagem de bicicleta pela América do Sul, que deveria durar cerca de um ano. O homem, de 38 anos, e a mulher, de 31, chegaram a Palhoça no começo da noite do dia 11 de outubro, uma terça-feira, véspera de feriado. Tiveram a ideia de montar acampamento na área interna do Estádio Renato Silveira, do Guarani, no Centro da cidade.
Tentaram conversar com o vigia do campo, que não permitiu a entrada do casal. Eles então pesquisaram na internet, no Google Maps, um lugar alternativo. Visualizaram, uma rua adiante, uma área verde, onde supostamente funcionaria um "parque ecológico". "Eles foram acampar justamente naquela área ali sem saber que ali era uma área de risco", comenta o policial. Os franceses montaram a barraca e começaram a ver uma movimentação de usuários de drogas no local. Um dos usuários chegou até eles, de forma aparentemente amigável. Tentou puxar assunto e, provavelmente, ao ver que eram estrangeiros, percebeu uma situação de vulnerabilidade. Mais tarde, por volta de 1h, três homens apareceram junto à barraca e espancaram violentamente o casal. Dois deles saíram com as bicicletas e alguns pertences, como notebook e roupas. O terceiro retornou, mandou que a mulher amarrasse o companheiro e os levou até o meio de uma mata. O bandido levou a moça até um local mais afastado, longe da visão do companheiro, e ali cometeu o estupro. Em seguida, deixou o local, levando mais alguns pertences das vítimas.Machucados e assustados, o homem e a mulher recolheram um pouco do que sobrou dos seus pertences e voltaram a tentar contato com o vigia do Estádio Renato Silveira para explicar o que havia acontecido e pedir ajuda. Ali ficaram, com o vigia, até amanhecer. Ele não acionou a polícia. Ao amanhecer, o casal foi até a Praça Sete de Setembro em busca de auxílio. Encontrou populares, que tentaram explicar onde ficava a delegacia de polícia. Os franceses acabaram chegando até a Policlínica Municipal, e em razão da dificuldade com a língua (eles falam francês e inglês e "arranham" no espanhol), pensaram que ali era a delegacia de polícia. A policlínica estava fechada. Eles retornaram então até a praça, onde encontraram agentes de trânsito, que os conduziram até a base da PM na Avenida Rio Branco. "Como eles arranhavam um espanhol, os policiais que estavam também na base perceberam se tratar de estrangeiros e me chamaram, sabendo que eu era o único que podia me comunicar em outro idioma. Como eu domino o inglês, conversei com eles em inglês e assim se deu a comunicação a partir de então", relata V.M.R.. O soldado acompanhou o casal durante todo o restante do procedimento. No registro da ocorrência, a mulher, constrangida, não informou que havia sido estuprada; falou apenas em "tentativa de estupro". Como os dois estavam muito machucados, o policial decidiu, por conta própria, levá-los até a unidade de pronto atendimento (UPA) do bairro Bela Vista.
Uma hora depois, um médico ligou para ele e disse que a francesa admitiu que o estupro foi consumado. "A partir daí, fui liberado pelo comando para continuar no acompanhamento desta ocorrência, por ser o único que conseguia me comunicar com eles. O pessoal da Polícia Civil nos auxiliou também, cedendo um agente para fazer a condução até o Hospital Regional de São José, onde a moça foi atendida pela equipe que trata desse tipo de violência sexual. Fez exames, coleta de sangue, tomou coquetel, protocolo básico para atendimento deste tipo de ocorrência e foi liberada horas depois", relata. "Como eles estavam nesta situação vulnerável, eu me ofereci para hospedá-los", conta. O casal ficou hospedado na casa do policial até o sábado (15). "Essa decisão de acolhê-los na nossa casa, se tu pudesse estar ali naquele momento em que eles chegaram na base, ouvir o que eu ouvi, imaginar tudo o que eles passaram, ver a situação física deles naquele momento, sujos, com escoriações pelo corpo, olha, foi triste. Eu não conseguiria fazer outra coisa que não fosse isso que eu fiz. Realmente eles ficaram muito surpresos, depois daquele primeiro atendimento eu perguntei para eles: o que vocês estão precisando agora? Eles começaram a relatar o que eles precisariam. Ela, principalmente, ficou sem nada de roupa, ficou com um mínimo, falei: pode ficar tranquila que a minha esposa vai conseguir umas roupas pra ti. Ele também tinha algumas coisas que foram levadas e eu consegui algumas roupas minhas pra ele também. Falei para eles: se vocês quiserem, eu gostaria muito de acolhê-los na minha casa e continuar prestando auxílio no que for necessário. Eles toparam, em nenhum momento ficaram receosos, até porque talvez pelo fato de eu ter sido o primeiro contato, acabou criando esse laço e eles confiaram, realmente acabou surgindo aí um laço de amizade entre nós", relata o policial. "Outra coisa que eu falei pra eles é que eu estava fazendo por eles o que eu gostaria que fizessem por mim. Quando tu pensa desta forma, se coloca no lugar da pessoa, não tem o que fazer a não ser dar todo o apoio necessário. Tu te imagina em outro país que não é o teu, sem falar o idioma, ter passado por uma situação dessas. Acho que o que eu fiz foi o mínimo", emenda. As vítimas foram ouvidas na Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso (DPCami) na quinta-feira (13), com a ajuda de um intérprete. Em seguida, foram até o Instituto Geral de Perícias (IGP) para realizar exame de corpo de delito. A delegada Eliane Chaves assumiu o caso e instaurou inquérito para encontrar os três homens responsáveis pelo crime.
Apesar de o local estar escuro e as vítimas não conseguirem repassar muitos detalhes com relação ao perfil dos criminosos, a mulher reconheceu um dos autores entre fotografias mostradas ao casal na delegacia. Investigadores também encontraram a câmera fotográfica dos franceses. Na sexta-feira (14), o cônsul francês em Florianópolis visitou o casal para oferecer auxílio. O casal permanece por alguns dias na região, até para auxiliar no que for possível na investigação, e depois, deve seguir viagem. "Questionei se eles teriam em condições de prosseguir a viagem, devido aos acontecimentos, e eles disseram que procurariam bicicletas de segunda mão para continuar", diz o policial. O soldado revela que os franceses têm uma consciência ecológica muito refinada e não consomem nada além do necessário, mas podem ter ficado constrangidos em falar sobre sua situação financeira. "Muita gente se dispôs a ajudar e estamos conseguindo doações para repor esse material que foi roubado deles", informa. Quem quiser ajudar pode depositar qualquer quantia na conta 3268-9, agência 1348, do Bradesco (código do banco: 237); as doações são recebidas por Leandro Puttkammer, CPF 037334647-23. Voluntários também tentam conseguir pra eles acompanhamento médico e psicológico, para que eles passem por uma avaliação profissional minuciosa. "Quanto ao crime, eles pareceram resignados, tristes por terem passado por isso, mas como eles mesmo falaram, foi algo ruim que acabou trazendo muito mais coisa boa. Eles falaram que se surpreenderam como os brasileiros têm um coração grande, como as pessoas se mobilizaram para ajudá-los, pessoas também mandando mensagens positivas. Eles se surpreenderam com a forma com a qual eles foram acolhidos, como se fossem da nossa terra. Eles querem deixar isso registrado, de como eles estão surpresos e agradecidos por tudo o que todos têm feito até então", descreve o policial. V.M.R. vai seguir acompanhando o casal, aqui ou durante o restante da viagem, e aconselhou: "Faltou realmente foi o conhecimento dessa questão da criminalidade dos locais por onde eles passariam, das áreas de risco, faltou um pouco no planejamento. Até conversei com eles que a partir de agora, no seguir da viagem, que eles, ao pararem em algum local, procurem primeiro a polícia, para saber de algum local em que eles possam acampar sem correr esses riscos".
Parque, só no papel
A área verde de mais 9 mil metros quadrados no Centro de Palhoça deveria ser um espaço de visitação, e ali também deveria funcionar uma Escola Ambiental. Porém, o local é povoado por usuários de drogas, à mercê de vândalos e descarte de lixo. O tal "parque ecológico" é uma obra inacabada que nunca saiu do papel.O projeto de criação do parque surgiu em 1996. Deveria ser um espaço de educação ambiental, onde os estudantes (e a população em geral) pudessem ter contato com o mangue e as árvores nativas de Palhoça. A Escola Verde deveria ter sido entregue em 2012. Já foram elaborados vários projetos para a ocupação do espaço; nenhum saiu do papel. A Prefeitura, em nota, informa que, por ser uma unidade de conservação, o local deveria ficar fechado à noite, mas, ainda que estivesse revitalizado, não seria permitido acampar ali. "Trata-se de uma área de uso especial de unidade de conservação do município, para a qual existem acordos de compensação ambiental firmados para a revitalização do parque. As compensações ambientais referem-se às obras de duplicação da BR-101 e reforço das linhas de transmissão de energia da Eletrosul, que utilizaram uma parte do parque.
O projeto está pronto há mais de um ano. No entanto, a liberação do recurso depende de aval do Ministério do Meio Ambiente. A Prefeitura anseia que essa situação seja sanada até o final do ano", traz a nota. A Prefeitura ainda argumenta que depredações impediram que fosse instalado no local um centro de visitantes em 2014. A ideia é recuperar a estrutura de educação ambiental e ter mais infraestrutura de lazer. "A Prefeitura lamenta o ocorrido com o casal. É sabido pelos munícipes que não há segurança naquele local à noite, onde a estrutura foi toda depredada. Quando for revitalizado, precisará de um sistema de segurança, inclusive, através de convênio com órgãos de segurança do estado ou entre a fundação e a Prefeitura", completa.
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