Foram mais de 4 mil partos e 50 mil consultas em 53 anos de profissão

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Dr. João e a foto de formatura / ARQUIVO JORNAL METAS

ATUALIZADA ÀS 11H DE 19/10/2022

Quem mora ou morou em Gaspar pode até não ter sido paciente, mas certamente conheceu ou já ouviu falar do "Dr. João". O clínico geral, João Leopoldino Spengler, que morreu nesta terça-feira aos 80 anos de idade, exerceu a profissão por mais de 50 anos no município. O destino quis que a morte ocorresse justamente no Dia do Médico (18 de outubro). Há quatro anos, quando completou o Jubileu de Ouro da Medicina, Dr. João nem pensava em parar de trabalhar. "Enquanto tiver saúde, continuarei atendendo e exercendo a profissão que amo", costumava repetir nas muitas entrevistas que concedeu ao Jornal Metas. Em 2021 descobriu um câncer no pulmão. Passou por cirurgia e pelo tratamento de quimioterapia, recebendo a solidariedade da comunidade por meio da doação de plaquetas no momento em que os estoques do Hemosc estavam baixos. Em março deste ano, agradeceu a comunidade e disse estar novamente pronto para voltar ao exercício da profissão. "Gosto de trabalhar e a medicina é a minha vida. É muito gratificante ajudar as pessoas, ver o doente melhorar", afirmou Dr. João. Mais tarde acabou decidindo pela aposentaria. Nos últimos meses, o médico estava em casa aos cuidados da esposa Maria Helena, que é formada em enfermagem.

Dr. João dizia que o atendimento ao paciente não se resume a uma receita médica. "Ele precisa de atenção e carinho". E são estes cuidados que fizeram o médico gasparense ser tão requisitado pela comunidade. Em seu consultório, ele atendia em média 30 pacientes por dia, entre consultas e retornos. Todos os dias surgiam novos pacientes, pessoas que vinham de outras cidades. Com tantos anos de profissão, o clínico geral se tornou o médico de mais de uma geração de famílias. "Tem pessoas que me procuram e falam: doutor, você já me atendeu, atendeu a minha filha, atende agora a minha neta?", recordava o médico com orgulho.

Dr. João se formou na Universidade Federal do Paraná, em Curitiba. Logo após a formatura, retornou a Gaspar. Corria nas veias do jovem médico o desejo de poder trabalhar pela sua comunidade. O primeiro consultório, ainda em 1969, ficava em um casarão na Rua Coronel Aristiliano Ramos, no Centro da cidade, onde hoje está o prédio do Luizinho Alfaiate, porém, o médico também realizava muitos atendimentos nas casas dos pacientes. Percorria longas distâncias, como por exemplo até o Complexo do Baú, em Ilhota, para levar a cura e conforto aos seus pacientes.

Com a abertura do Hospital de Gaspar, em 1970, veio a mudança de endereço. Como na época a maioria dos pacientes encaminhados para o hospital era atendido pelo médico, a direção da instituição o convidou a instalar seu consultório na nova casa de saúde. Dr. João quem encaminhou o primeiro paciente ao hospital e também realizou o primeiro parto, no dia 16 de agosto de 1970. A bebê era Terezinha Sansão Lessa, hoje com 52 anos. Ao longo dos mais de 50 anos de profissão, Dr. João fez mais de 4 mil partos.

Em 2007, quando o hospital fechou as portas (reabriu no final de 2009), a clínica mudou para a Rua Sete de Setembro, próximo à subida do morro do hospital. O médico ficou neste endereço até 2013, quando a casa foi atingida por um princípio de incêndio. Dr. João escolheu então o Atitude Centro Empresarial, no centro da cidade, para instalar o novo consultório. Tecnologia nunca foi o forte do médico gasparense. Somente em 2004 ele comprou seu primeiro computador. Até então, todas as informações dos pacientes ficavam registradas em fichários. Em todos estes anos foram mais de 50 mil consultas. Paralelamente aos atendimentos, o Dr. João também exerceu, até outubro de 2018, a medicina do trabalho na Bunge Alimentos (atual JBS), no bairro Poço Grande. "Uma coisa importante frisar é que se estou até hoje na ativa é porque recebi muito apoio e incentivo da minha família, principalmente da minha esposa, Maria Helena. Até hoje, tenho hora para sair, mas não para voltar para casa", contou o médico em outra entrevista ao JM. Com dona Maria Helena, João teve quatro filhos e cinco netos. Apenas um deles, Juliana, seguiu a profissão do pai: é cardiopata. Dr. João também tentou a política. Foi candidato a prefeito nos anos 1990, mas não se elegeu. Depois dessa experiência nunca mais tentou outro  cargo eletivo.

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Joao e Maria Helena no baile de formatura / ARQUIVO PESSOAL

Sonho de infância

João nasceu e passou a infância em um sítio, no bairro Pocinho, com os pais Maria Elza e Carlos Adão Spengler, e 10 irmãos. A família de agricultores nem imaginava que seria possível formar um dos filhos em uma universidade. Porém, aos 11 anos de idade, João manifestou o sonho de se tornar médico. Ele não sabe exatamente o que o motivou à profissão, mas lembra que naquela época era muito difícil conseguir atendimento médico na cidade. "Não havia médicos em Gaspar, somente em Blumenau. E naquele tempo o transporte era complicado", recordou. Muitos foram os sacrifícios dos pais para que ele realizasse o sonho. João foi o único dos filhos a conquistar um diploma. Na época, recebeu grande ajuda da família Beduschi. Ele prestou vestibular juntamente com o Dr. Augusto Fernando Beduschi (falecido em 2016), que tinha um irmão, Amadeu Beduschi, também médico e já residente em Curitiba (PR). "Foi ele (Amadeu) quem viabilizou minha ida para Curitiba", revelou Dr. João.

Entre os 1.200 candidatos, passou em 25º lugar. Durante a faculdade, Dr. João morou no Sanatório Médico do Portão onde prestava serviços em troca de casa e comida. Ele sempre fez questão de destacar o esforço do seu pai para que se tornasse médico, porém, ele não conseguiu vê-lo formado. Seu Adão morreu de infarto quando o filho estava terminando o terceiro ano da faculdade. Meses antes, ele chamou o filho mais velho, Raul Spengler, e pediu a ele que não deixasse de realizar uma grande festa de formatura para o futuro médico João. E, de fato, mais de 600 pessoas compareceram na festa de formatura do jovem médico.

Dr. João faleceu em casa, na noite desta terça-feira (18), Dia do Médico. O corpo está sendo velado no Salão Cristo Rei, da Igreja São Pedro Apóstolo. O velório encerra às 16h, com uma missa. Em seguida, o corpo será levado para o crematório São José, em Blumenau. Acima do profissional, Dr.João foi um médico dedicado a uma profissão que sempre exerceu com muito amor e respeito aos seus pacientes. Um legado que jamais será esquecido por Gaspar.