Ela terá que ressarcir a proprietária do outro cão em R$ 4,6 mil


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A raça Lulu da Pomerânia / IMAGEM MERAMENTE ILUSTRATIVA


No início dos anos 1990, o então ministro do trabalho, Antônio Magri, pronunciou uma frase que entrou para a história: "cachorro também é gente". O ministro usou a frase para se defender das críticas por ter autorizado que um carro oficial, pago com dinheiro público, levasse seu cão ao veterinário. Mais de 30 anos depois, a frase do ministro, que virou piada na época, torna-se cada vez mais séria e verdadeira. Se não fosse assim, o judiciário catarinense não teria julgado um ação civil envolvendo uma briga de cães. Recentemente, a briga pela guarda de um gato também foi parar na justiça depois que o casal se separou. O juiz acabou determinando que uma das partes ficasse com a guarda, mas autorizou que a outra tivesse o direito de ficar com o bichano em determinados dias.Os tempos são outros e até os animais passam a merecer tal atenção jurídica, principalmente quando existiu de fato um risco contra a vida do animal e sequelas, que foi o entendimento do magistrado para a sua decisão no caso do ataque ao indefeso e dócil cãozinho. 

O caso envolveu um cachorro da raça Lulu da Pomerânia, de pequeno porte, e o cão de uma vizinha, cuja raça não foi informada, no bairro dos Ingleses, norte da Ilha, em Florianópolis, onde ambos residem com seus donos. O Lulu da Pomerânia, cujo nome foi preservado, segundo sua dona, precisou ser submetido a cirurgia após o confronto com o ensandecido cão do vizinho. A desavença animalesca aconteceu defronte ao condomínio onde a dona do cãozinho residia, no final da tarde do dia 4 de dezembro de 2016, quando ela saía com o seu animal para o tradicional passeio vespertino. Lula da Pomerânia e sua dona foram surpreendidos pelo raivoso cão do vizinho. 

"Ele correu risco de vida e passou por forte sofrimento com os ferimentos causados pelo ataque", ressaltou a proprietária em seu argumento para requerer a indenização. A informação também foi confirmada pelo veterinário que cuidou do coitado do Lulu da Pomerânia. Ele lembra que o cachorro chegou no início do seu plantão, totalmente ensanguentado e com lesões compatíveis com mordedura de outro cão. Disse que limpou suas feridas, aplicou antibiótico e anti-inflamatório e precisou suturar os cortes mais profundos. "Além do risco de vida, ele poderia ter sofrido uma infecção generalizada com a espécie de ferimentos", atestou. O sofrimento, confirma a dona, foi muito grande. 

Por outro lado, a proprietária do outro cão classificou a acusação de injusta e imputou o ataque a um terceiro animal. Esses terceiro suspeito de quatro patas nunca foi localizado, tampouco seu dono. A dona do animal acusado pelo crime, contou que conheceu Bali em julho de 2016, após ele sofrer um atropelamento e ser abandonado em via pública. Diz que tratou do bicho por quatro meses, mas mesmo assim ele teve sequelas do acidente, tanto que é manco de uma das patas e, por isso mesmo, tem dificuldade de locomoção e de promover ataques contra rivais. Garantiu ainda que o cão é dócil e amável e vive no cercado de seu terreno. Juntou, inclusive, fotos aos autos. 

O juiz Alexandre Morais da Rosa, titular do Juizado Especial Cível do Norte da Ilha, no entanto, valeu-se das provas contidas nos autos da ação de reparação de danos morais e materiais, entre elas vídeos e depoimentos testemunhais, para chegar à conclusão de que Bali de fato atacou o cãozinho indefeso. Disse não ter dúvida sobre a autoria do ataque e a proprietária do agressor. Minimizou o fato do animal agressor ter sido adotado. "Mesmo sob a alegação que o animal não era seu e que apenas o adotou, a requerida tem o dever de guarda e vigilância, (...) pois (...) é a pessoa responsável pelos danos que o animal eventualmente venha a causar", explicou. 

Também relativizou a fama de "bonzinho" de Bali, sustentada por sua dona. "Não foi isso que as provas trazidas aos autos demonstraram. Os vídeos juntados aos autos demonstram que o cachorro transita pela (...) rua solto e sozinho, sendo que o fato de ser carinhoso e amável com as pessoas (...) não garante que tenha a mesma reação com outros animais", argumentou. 

O comentário tomou por base depoimentos de outros donos de cães da região, já atacados por Bali, e do próprio veterinário do bairro. "Já realizei muitos outros atendimentos em cachorros vítimas de ataques do Bali aqui nos Ingleses", garantiu. Lembrou que, embora manco, o animal é de porte médio, entroncado, capaz sim de provocar ferimentos em outros cães, inclusive em Lulu. 

Como não houve provas de que Lulu ou sua dona tenham concorrido culposamente para a ocorrência do dano, analisou Morais da Rosa, restou claro o nexo de causalidade entre o ataque de Bali e os danos sofridos pelas vítimas. O magistrado arbitrou os danos indenizáveis em R$ 4,6 mil. Foram R$ 1,6 mil pelos danos materiais, valor despendido no tratamento veterinário do cão atacado; e mais R$ 3 mil pelos danos morais. 

"Não houve apenas gastos pecuniários, mas gasto emocional com a preocupação da possibilidade de perda ou morte do animal, e ainda foi gasto tempo e energia com o tratamento médico veterinário, curativos, medicamentos, cuidados e consultas até a sua recuperação; desgaste esse que não poderá ser recuperado, mas apenas recompensado com uma condenação para compensar o dano moral sofrido pela autora", resumiu o juiz. 

Ele também levou em conta o comportamento da dona de Bali ao condená-la ao ressarcimento dos prejuízos. "(Ela) não demonstrou nem mesmo o mínimo de solidariedade com a autora e com o estado grave que ficou o seu animal de estimação. (Que sirva) de caráter pedagógico à requerida para que seja mais diligente e responsável na guarda do seu animal, assim como mais solidária com as vítimas que seu animal venha a atacar futuramente", concluiu. Da decisão ainda cabe recurso.