A enfermeira de Gaspar há mais tempo em atividade

Aos 72 anos, Maria de Lurdes nem pensa em parar de trabalhar /// FOTO: ALEXANDRE MELO


Cinco minutos de conversa se percebe que a gasparense Maria de Lurdes Hostert Hames escolheu a profissão certa. Afinal, ser enfermeira, como ela diz, requer muita paciência e simpatia. Aos 72 anos, a enfermeira há mais tempo em atividade em Gaspar esbanja vitalidade, e nem pensa em parar de trabalhar. Já são 33 anos de profissão, 23 somente na unidade de saúde do Belchior e outros 10 como Técnica em Higiene Bucal, na Policlínica de Gaspar.
Nascida no Belchior, Maria de Lurdes, que criança ganhou o apelido de Muche, fez o caminho de todo o filho e filha da época: a roça. Trabalhou ao lado dos pais e de outros seis irmãos. Não conseguiu estudar. Foi somente muitos anos depois que fez o curso supletivo e se formou Técnica em Enfermagem. Antes disso, casou, teve dois filhos, trabalhou na indústria têxtil, foi diarista, deu aulas de Educação Religiosa e, aos 38 anos, ficou viúva. Algum tempo depois, casou novamente.
O trabalho na área da saúde começou na Pastoral da Saúde, da Paróquia Sagrado Coração de Jesus, onde Maria de Lurdes era Ministra da Eucaristia. Lá, aos 32 anos, ela aprendeu o básico da enfermagem: fazer curativo, dar injeção e preparar remédios caseiros. O suficiente para que as pessoas começassem a bater na porta da sua casa. Essa fama também chegou à Secretaria Municipal de Saúde. “Logo depois que fiquei viúva, apareceu lá em casa o Daniel Spengler, da prefeitura, e me convidou para trabalhar no posto de saúde já que a moça havia saído”, recorda Maria de Lurdes.
Ela não aceitou, e justificou pelo fato de não ter curso da área, apenas o da Pastoral da Saúde. “Não me sentia preparada para assumir a função”, relembra. Daniel, porém, insistiu mais três vezes. Na última delas, convidou Maria de Lurdes para uma conversa com o então secretário de Saúde, Luiz Buzzi. Eu fui, mas expliquei novamente que não poderia assumir a função por não ter curso específico, ele insistiu até que falou o salário. Era três vezes mais do que eu ganhava como diarista e dando aulas no Frei Policarpo. Aí, eu balancei e acabei aceitando”, recorda a enfermeira.
Em seguida, ela fez o curso de Auxiliar de Enfermagem e quando estava próximo de completar 60 anos, o Técnico de Enfermagem e de Higiene Bucal. “Fazia os cursos no centro de Gaspar e trabalhava e morava no Belchior, era muito difícil”, relembra.
Durante 23 anos, ela foi a Muche do posto de saúde do Belchior. No começo, ela era a única funcionária - o médico e o dentista não atendiam todos os dias - e quando recebia o chamado de um paciente deixava um bilhete na porta: “Volto logo!”. Muitas vezes, o paciente ligava para o posto de saúde, se a Maria não estava não ia, mesmo que o médico estivesse. “Eles queriam a minha presença, senão desistiam da consulta, acho que era porque tinham confiança em mim, eu sempre atendia a todos com muita atenção”.
Muito tempo depois, quando o posto de saúde foi transformado em ESF - Estratégia de Saúde da Família - é que outros funcionários foram contratados. Aos 60 anos, depois de perder um filho, Maria de Lurdes se aposentou, mas nunca pensou em parar de trabalhar. Apareceu então a oportunidade de um concurso público na Prefeitura. “Eu não queria fazer para Técnica de Enfermagem, porque achava que aos 60 anos não tinha chances contra os mais jovens, pensei em fazer para serviços gerais, pois eu sempre gostei muito de limpeza”, admite. Porém, na época, a secretária de Saúde, Márcia Cansian disse que seu passasse para limpeza não iria me chamar. Eu acabei fazendo para Técnica de Enfermagem e passei”. Em 3 de fevereiro de 1989, Maria de Lurdes assumiu a função.
Hoje, ela diz que é uma mulher profissionalmente realizada. “Eu amo trabalhar na saúde, para mim o trabalho dignifica”. Mas, lá no começo, nem tudo foram flores. A técnica de enfermagem passou por dificuldades para se firmar. “Era um trabalho pesado, eu vinha lá do Belchior aqui na Prefeitura buscar material de limpeza, porque eles não levavam para mim no posto”, relembra.
Hoje, ela vê a mulher muito mais valorizada no mercado de trabalho. “As mulheres conseguem alcançar mais fácil os objetivos do que na época que eu comecei. O meu sonho e das minhas outras cinco irmãs era ter estudado, mas a gente não conseguiu porque nossos pais não tinham condições financeiras, hoje tem até ônibus de graça para a escola, por isso se a mulher quiser ir atrás dos sonhos dela, vai conseguir mais fácil”. Maria de Lurdes admite que o fato de ter ficado viúva aos 38 anos também a tornou uma mulher mais independente, pois precisou cuidar dos dois filhos antes de casar novamente.

“Mudança para Gaspar”
Em 2013, Maria de Lurdes recebeu o convite para trabalhar em Gaspar (como dizem lá no Belchior). Ela admite que relutou bastante, deixar pacientes de muitos anos não foi fácil. Mas, enfim, ela veio e para atuar como Técnica em Higiene Bucal, tarefa que já exercia na unidade do Belchior. Trabalhou dois anos no Posto de Saúde Central e, em 2015, quando a Policlínica foi inaugurada, foi transferida para lá. Parar de trabalhar? Nem pensar. “Enquanto eles me deixarem aqui, eu fico”, brinca a simpática senhora.
Maria de Lurdes tem alguns ensinamentos. Ela costuma dizer: “Se você não tem a capacidade de amar e perdoar, não vai saber lidar com as pessoas no trabalho”. A paciência é outra virtude que ela exerce todos os dias no trabalho. “A paciência nos leva a sabedoria, que nos leva a ter fé e saber perdoar, entender o outro, e, no final, tudo nos leva ao amor a Deus e aos nossos irmãos”. Por fim, fala da escala de importância na sua vida. “Em primeiro lugar Deus, segundo lugar meu esposo e minha família e em terceiro a minha comunidade, eu amo de paixão o Belchior, nasci, me criei e trabalhei lá por 23 anos. Como não amar?”, finaliza.