Irene Demmer celebra nove décadas, boa parte dedicada a ensinar

Alexandre Melo

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Ela é pequena no tamanho, mas o coração é enorme. Irene Demmer nasceu em Nova Trento em 4 de março de 1934, duas semanas antes da emancipação política e administrativa de Gaspar. Portanto, na próxima segunda-feira, ela completa 90 anos, e bem vividos como costuma dizer. Irene foi testemunha das transformações não apenas do seu bairro, o Bela Vista, onde mora há 43 anos, mas de Gaspar, cidade que passou a morar aos quatro anos de idade. Ela é a quinta de oito filhos do casal Oscar Deichmann e Marta Kormann Deichmann.

Batizado, crisma, eucaristia e matrimônio tiveram como cenário o altar da Igreja Matriz São Pedro Apóstolo. Toda vez que subia o morro, Irene descia com fé e certeza de que havia feito as escolhas certas.

Walmor José Demmer foi uma delas. Irene foi casada por 52 anos. “Era um homem muito bom e trabalhador”, afirma.

Na enchente de 1983, um vereador do bairro a convidou a ajudar na cozinha do abrigo, instalado na igreja do Bela Vista. Irene não pensou duas vezes, colocou o avental e passou 28 dias cozinhando para mais de mil pessoas.

Em meio à tragédia, ela teve a ideia de fazer o natal das crianças do bairro. “O momento era difícil, o bairro todo ficou debaixo d´água”, recorda. Ela comprou do próprio bolso brinquedos e distribuiu para as crianças mais carentes. Já no ano seguinte passou a contar com a ajuda de outras pessoas, entre elas o ex-prefeito Bernardo Leonardo Spengler, o Nadinho. E foi assim por 14 anos consecutivos. Não satisfeita, Irene ainda fundou e presidiu o Grupo da Terceira Idade e a Associação de Moradores do Bela Vista. Já foi candidata a vereadora, mas prefere passar uma borracha neste episódio. “Eu nem queria, fui mais para completar a cota das mulheres”, confidencia. O negócio dela era participar da comunidade sem querer nada em troca, muito menos votos.

O marido morreu em 2007, e Irene não se entregou à saudade nem à solidão. Diz, com orgulho, não saber o que é depressão. Um santo remédio contra essa doença, ela diz que “é ocupar a mente, continuar ajudando as pessoas e ensinar”. Esses sempre foram propósitos na sua vida.

Dona Irene revela um dos segredos que a mantém lúcida, com boa visão e mãos ágeis: tricô e crochê. Não é exagero afirmar que foi com agulhas, linhas e lãs que ela, entreleçando pontos, construiu uma bela história de dedicação e amor ao trabalho manual. E tudo começou quando ela tinha 20 anos e viu, pela primeira vez, a sogra tricotando. “Eu pensei: vou aprender a fazer isso”. E foi desmanchando e refazendo peças que aprendeu. E não parou mais, há 60 anos Irene vive cercada de agulhas, linhas e lãs.

“Na época, o meu marido trabalhava numa empresa têxtil, ganhava muito pouco e ainda o salário atrasava, passei a fazer peças e enxovais de tricô e crochê para reforçar a nossa renda familiar”, conta. Irene ganhou dinheiro e fama pela qualidade do seu trabalho. A inspiração, no entanto, não caiu do céu. Ela também estudou muito em livros e criou seus próprios pontos. Irene nunca quis guardar para si o que aprendeu. “O que adianta levar para o túmulo o conhecimento”, afirma. Por isso, passou a ensinar outras mulheres a tricotar e fazer crochê. Começou dando aulas para os empregados da Sulfabril, depois passou pela Círculo, Hering/Gaspar, Ceval, escolas, comércio e casas particulares. Doou peças de tricô e crochê para instituições de cidades como Camboriú, Itajaí, Navegantes, Blumenau, Barra Velha, Brusque e Luiz Alves. Pelas suas contas, ensinou mais de duas mil mulheres.

Dona Irene chegou a fundar o Grupo Fios da Meada, onde reunia donas de casa para ensinar tricô e crochê, numa verdadeira terapia do bem viver. Foi também professora contratada pela prefeitura e, até completar 80 anos, artesã da Círculo, empresa gasparense mundialmente conhecida pela produção de fios e linhas. Em 2018, Irene representou as artesãs da Círculo na homenagem prestada pela Assembleia Legislativa do Estado por ocasião dos 80 anos de fundação da empresa. Há cinco anos, conseguiu, por meio da Círculo, que a Altenburg, de Blumenau, doasse dezenas de cobertores, lençóis, fronhas e travesseiros para o Hospital Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, num momento que ela define como um dos mais felizes da sua vida. “Quando ligaram para a minha casa, eu não acreditei, depois fechei as portas e janelas e passei a gritar de alegria”, relembra.

Nos últimos anos, reduziu o ritmo de trabalho. Não dá mais aulas para grupos, mas se alguém bate à sua porta querendo aprender tricô e crochê, Irene nunca diz não. “Muitas das minhas alunas não tinham nada para fazer em casa e aprenderam algo novo, outras perderam o emprego e conseguiram recuperar a renda fazendo e vendendo peças em tricô e crochê. Eu me sinto feliz por ter proporcionado a tantas mulheres essa oportunidade”, emociona-se.

Dona Irene ainda confecciona toucas, sapatinhos e mantas que doa para abrigos, casas de idosos e hospitais. “Eu sempre peço que eles deem para os mais pobres”, revela. A matéria-prima, ela ganha de familiares, amigos, lojas e empresas. Se vai um dia se aposentar? Ela garante que não: “Espero não parar, só quando morrer”, avisa.

A celebração de 90 anos é no sábado, dia 2, na companhia da filha, Maria Aparecida Demmer Pereira, do genro Rubens Pereira, dos netos Rubens Junior e José Henrique, além de irmãos, sobrinhos e amigos. Uma merecida festa a essa cidadã que orgulha a cidade de Gaspar.