Em coletiva de imprensa, Polícia Civil também informou que o laudo pericial indicou que o homem estava em plena consciência dos seus atos, embora o exame toxicológico tenha dado positivo para uso de cocaína
O homem de 25 anos que matou quatro crianças e feriu outras cinco na manhã do último dia 5, na Creche Cantinho Bom Pastor, no bairro Velha, em Blumenau, agiu sozinho e tinha a intenção de matar um número ainda maior de crianças. Ele também era usuário de drogas e o teste toxicológico feito logo após a sua prisão indicou a presença de cocaína no sangue, porém não foi possível confirmar se ele fez uso de entorpecentes antes do crime ou no dia anterior e nem a quantidade.
Essa foi a conclusão que a Polícia Civil chegou ao final da investigação do crime que comoveu Santa Catarina e o Brasil. Em coletiva de imprensa, na tarde desta segunda-feira (17), o delegado-geral da Polícia Civil de Santa Catarina, Ulisses Gabriel, acompanhado da equipe que trabalhou no caso, confirmou que o homem agiu em plena consciência, como também de livre e espontânea vontade.
O autor dos crimes foi indiciado por quatro homicídios e cinco tentativas de homicídios, todas elas com as qualificadoras de motivo torpe, meio cruel, impossibilidade de defesa das vítimas e por serem menores de 14 anos.
Como foi a investigação
A Polícia Civil analisou imagens, documentos eletrônicos, conversas em grupos na internet, além de ouvir testemunhas. A equipe da Delegacia de Repressão aos Crimes Informáticos (DRCI), da Diretoria Estadual de Investigações Criminais (Deic), periciou ainda o aparelho telefônico do investigado. De acordo com o delegado e coordenador da Divisão de Investigação Criminal (DIC) de Blumenau, Ronnie Esteves, a investigação foi dividida em duas partes: oitivas com o acusado e as testemunhas e a dinâmica do crime.
Oitivas com o acusado
O delegado Ronnie Esteves relatou que durante o registro do auto de prisão em flagrante em momento algum o investigado se recusou a dar informações. Além disso, 21 pessoas foram ouvidas durante todo o inquérito policial, entre elas, a mãe do autor, que contou que o filho se transformou em outra pessoa quando começou a usar cocaína. “No depoimento, a mãe disse que ele era uma pessoa normal até começar a usar drogas e vender drogas para sustentar o vício. Ela só se deu conta de que ele estava usando drogas quando percebeu alteração no comportamento do filho”, disse o delegado.
O delegado Esteves fez um breve resumo de quem era o autor até o momento do crime. Segundo as investigações, a mãe e o filho são naturais do Paraná e se mudaram para Blumenau quando o homem ainda era criança. “A mãe disse que ele era uma pessoa muito calma. A mãe sempre foi mãe e pai desde o início, ele não foi criado pelo pai, mas isso, segundo ela, não o teria afetado. Ele sempre foi uma criança respeitável, respeitava a mãe e ela sempre trabalhou. Até que em determinado momento a mãe passou a ter um relacionamento. O padrasto se tornou uma pessoa muito próxima, muito amiga e que o ajudou muito. Em um momento ele queria comprar uma moto, o padrasto ajudou. Após um tempo ele quis virar Uber, o padrasto também o ajudou com isso, porque o padrasto era Uber e, de repente, assim que ele começou essa atividade, passou a ter contato com as drogas. Ele passou a usar cocaína e o seu comportamento mudou”, destaca o delegado.
A mãe também relatou em depoimento como começou a perceber mudanças no comportamento do filho. “Um dia ele chamou a mãe no quarto e disse que estava ouvindo um barulho no forro. A mãe foi até o cômodo e ele disse: ‘escutou?’ ela disse que não escutou, mas disse ao filho que no dia seguinte iria ao quarto dele novamente para ouvir o barulho. Foi ali que ela começou a perceber que o filho estava diferente”, revelou Esteves.
Agressão ao padrasto e uso de drogas
Conforme divulgado durante a investigação, o autor do crime, em um momento passado, chegou a dar uma facada no padrasto. O delegado Ronnie Esteves contou como este momento aconteceu. “As atitudes do filho começaram a atrapalhar o relacionamento da mãe e, quase no fim do relacionamento, o autor falou para a mãe que o padrasto havia entrado em seu quarto e implantado um chip em seu olho”.
O delegado conta que já sabendo que ele estava fazendo uso de drogas, o padrasto disse que não queria mais ele morando ali. Ele saiu de casa e ficou um mês morando com um tio. Porém, um dia ele voltou para casa, o padrasto estava na cozinha e em posse de um objeto perfurante, possivelmente um canivete, ele desferiu um golpe no pescoço do padrasto sem ele ver. Quando o padrasto caiu desfalecido, ele desferiu mais dois golpes. Depois desse episódio, ele foi internado, tentou se recuperar, mas a mãe e o padrasto já haviam se separado. As investigações mostraram ainda que o autor continuou fazendo uso de drogas e que já estava tendo alucinações, com alvos principais: o padrasto e a polícia. “Na cabeça dele, ele não podia ter contato com o padrasto, que era uma pessoa que o perseguia, e a polícia também o incomodava bastante. Ele passou a vender drogas para sustentar o vício e, na cabeça dele, eram pessoas, forças contrárias a vontade dele”, explica Esteves.
Durante o depoimento, o criminoso chegou a dizer que um policial militar, que de fato existe, teria sido o mandante do massacre, porém, o próprio autor se desmentiu. “Durante um pico de estresse, ao ser provocado, ele admitiu que não houve ameaça nenhuma por parte desse policial, mas que teria feito aquilo para mostrar ao policial que também era corajoso. Na cabeça dele foi um ato de coragem o que ele fez. E ele disse, inclusive, que o que ele fez poucas pessoas fariam”, finalizou Esteves.
Quem é o policial?
O policial militar mencionado pelo autor dos crimes existe e foi chamado a depor. Ele foi descrito pelo delegado Ronnie Esteves como sendo uma pessoa do bem, íntegra e um competidor.
“Ele é lutador de jiu-jitsu e e fez com o autor, durante um período muito curto, academia no mesmo lugar. Esse policial militar nunca teve contato com
ele, mas segundo um conhecido do criminoso, ele tinha uma admiração por esse policial, só que a partir do momento que ele começou a usar droga, afastou-se das pessoas que poderiam impedir que ele desse sequência a essa atividade ilícita, que ele virou essa chave na cabeça dele, e começou a achar que esse policial poderia fazer algo contra ele”, relatou Esteves.
Revelações chocantes
Dois amigos do criminoso também foram chamados a depor. Eles contaram à polícia que ele realmente tinha alucinações e uma cisma muito grande com o padrasto e com a polícia. “Um deles chegou a relatar que duas semanas antes do fato, ele se reuniu com um dos amigos em uma praça e teria conversado sobre isso, sobre a machadinha, sobre o padrasto, sobre o policial militar, essa perseguição e teria dito ainda que faria algo grande”, revela Esteves.
Um dos momentos mais chocantes da coletiva de imprensa foi quando o delegado e coordenador da DIC contou que questionou o homem sobre qual o sentimento dele com relação ao que ele havia feito. “Ele continuou frio, disse como fez, disse também que não se arrependia e que faria de novo. Eu o questionei também o porquê ele teria escolhido crianças, ele disse que as crianças eram mais fáceis porque elas correm devagar e ele teria condições de alcança-las. Ele narra, inclusive, uma situação em que uma das crianças corre dele, ri para ele achando que era uma brincadeira e ele a atinge fatalmente. É uma pessoa que de fato não tem nenhuma condição de viver em sociedade, nenhuma punição será suficiente para o que ele fez, ele não tinha motivo nenhum para fazer o que fez e de fato ele era uma pessoa antes do uso das drogas e depois se transformou neste monstro que todos nós conhecemos”, finalizou o delegado.
Dinâmica do crime
O delegado da DIC de Blumenau, Rodrigo Raitz, explicou que foi feito um passo a passo do trajeto percorrido pelo criminoso, desde o momento que ele saiu de casa, no bairro Escola Agrícola até se entregar no 10° Batalhão de Polícia Militar, na rua Almirante Tamandaré, bairro Vila Nova.
O homem saiu de casa às 8h03 e foi na direção de duas escolas localizadas no mesmo bairro, na rua José Fischer. “As duas escolas não tinham câmeras, mas através de um trabalho de inteligência nós conseguimos determinar que ele entrou na rua, que é sem saída; ele não teria motivo para entrar ali, e logo em seguida saiu. Segundo o agressor informou, a intenção dele seriam essas duas escolas, mas chegando lá, ele viu que o muro era alto e não conseguiria entrar, então desistiu da ideia”, revelou Raitz. O delegado ainda demonstrou, por meio de imagens de câmeras de monitoramento, que após sair da rua, o criminoso foi até a academia, onde permaneceu por 23 minutos. Depois, ele percorreu diversas ruas até chegar à creche Cantinho Bom Pastor. Elee pulou o muro, que tinha 1,65cm de altura, matou quatro crianças e feriu outras cinco em apenas 20 segundos. Pulou novamente o muro e se dirigiu até um posto de combustíveis em frente ao 10° Batalhão de Polícia Militar, ondee comprou água e cigarro, após três minutos atravessou a rua e se entregou à polícia.
Outros detalhes da investigação

A polícia também descobriu que o homem pesquisava na internet sobre ocultismos, seitas e magias. Após analisar as pesquisas feitas em navegadores de internet, a Polícia Civil comprovou que, no dia 15 de março, ou seja, 21 dias antes do ataque à creche, o investigado procurou por modelos de machados.
A psicóloga Policial Civil, Larissa Canali, disse que no decorrer das investigações não apareceu nenhum diagnóstico oficial de que o criminoso tenha algum transtorno mental. “O histórico é de surtos possivelmente psicóticos, talvez potencializados pelo uso de drogas”, comentou.
A perita-geral da Polícia Científica, Andressa Boer Fronza, explicou que a análise do celular apreendido do criminoso, do qual foram extraídos até mesmo os dados já apagados para análise e investigação foram feitos na maior celeridade possível. A maior parte dos laudos periciais solicitados foi emitido no mesmo dia ou no máximo em 24 horas. “Nesse momento, os mais de 20 laudos periciais requisitados já foram entregues à Polícia Civil”, informou a perita.
Fake news
O delegado-geral da Polícia Civil de Santa Catarina, Ulisses Gabriel, ainda fez um apelo à sociedade para que as pessoas não divulguem fake news e que, ao tomar conhecimento de uma informação, por meio de qualquer rede social, consultem os canais oficiais do governo. “É preciso ter cuidado com as informações que se repassa. Estamos enfrentando uma enxurrada de fake news que causam pânico na população, que já está estressada”. O delegado-geral disse ainda que a mesma força que se usa para investigar uma informação verdadeira é igualmente empregada para investigar a fake news.
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