Por conta do autismo dos filhos, a moradora do Bateias se tornou se tornou uma mulher mais forte

“O autismo me amadureceu muito como ser humano, como mulher e como mãe, porque é totalmente diferente de você ter um filho que não tem autismo”. A frase é da gasparense Maria Aparecida da Silva, 50 anos, moradora do bairro Bateias. Ela é mãe de quatro filhos: Bianca da Silva, de 23 anos; Nicole Paulo, de 14 anos; Amanda Paulo, de 13 anos; e Lorenzo Paulo, de 11 anos. Os três últimos possuem Transtorno do Espectro Autista (TEA), sendo que Nicole tem grau severo, não verbal e possui também síndrome de Rett. Amanda é autista leve e Lorenzo tem grau moderado, com dislexia e atraso mental leve.
A gasparense conta que após o nascimento dos três filhos, a vida mudou completamente e que ela teve que se tornar uma mulher mais forte para proporcionar o melhor aos filhos. “Posso dizer que eu não sou a mesma pessoa de há 14 anos atrás. Eu tinha vários sonhos, queria fazer faculdade de Moda, porque eu gosto de trabalhar com moda, com facção, com malharia e eu tive que abrir mão disso para cuidar deles, tive que abrir mão de trabalhar por um tempo, mas eu sou uma pessoa que, mesmo com os três, sou muito ativa, se eu ficar parada eu fico desanimada, então eu tenho sempre que estar fazendo alguma coisa, acabo trabalhando em casa mesmo, tenho facção em casa”, relata.
Para fazer coisas como ir à manicure ou ao cabelereiro, ela dribla as dificuldades do dia a dia. “Para marcar o cabelo, marcar unha eu tenho que ver qual é a manicure que pode me atender, não tenho uma fixa, porque eu tenho que ir sempre naquela que tem horário disponível no momento em que eu posso ir, porque não é algo que dá pra se programar, o autismo não tem programação. Você acorda de amanhã e tá um dia lindo, pensa em lavar roupa, arrumar a casa, mas a criança acaba tendo uma crise, acontece algo no percurso e você acaba mudando totalmente o dia. A gente procura seguir uma rotina, mas nem sempre dá certo e agora que eles estão na adolescência fica mais complicado ainda, porque eles têm os pensamentos próprios, eles têm a personalidade formada e às vezes o que eu planejo para eles não é o que eles querem naquele momento”, revela.
A vivência com os filhos autistas trouxe uma lição importante para Maria: não planejar o futuro. “Eu vivo o hoje. Eu não planejo o amanhã, eu não penso no passado, o que eu poderia ter feito, o que eu não poderia ter feito, eu fiz o meu melhor dentro das condições que eu tinha naquele momento”.
A filha Nicole, por exemplo, que é autista severa, começou a andar apenas com 7 anos. “Quando eu recebi o diagnóstico da Nicole ela tinha um ano e meio, mas eu já estava na correria com ela desde os seis meses de idade por causa de uma convulsão seguida de uma parada cardíaca que ela teve e afetou a coordenação motora, a visão, tudo. A Nicole foi cadeirante até os 7 anos. Eu fui comemorar o primeiro passo dela aos 7 anos e é uma coisa que eu vinha batalhando com terapias, equoterapia, mas é algo que eu tinha certeza que viria com 7 anos, com 15, com 20... eu batalhei naqueles 2% de chance que o médico deu e quando aconteceu foi uma alegria imensa”, relembra Maria.
Depois vieram Amanda e Lorenzo, com pouco tempo de diferença. Amanda era uma criança muito evoluída para a idade dela, só que, conforme as palavras da própria mãe, era muito birrenta. “Se jogava no chão por qualquer coisa, gritava por horas, tinha preferência por uma roupa, tinha que ser sempre aquela mesma roupa para ir ao CDI, tinha que lavar e secar pra ela usar a mesma no dia seguinte”, conta. Logo após veio o Lorenzo, que nasceu prematuro, com apenas sete meses e meio. “Depois disso a gente seguiu em frente, sempre buscando tratamento para os três”. Hoje, Gaspar é referência quando se fala em autismo, mas naquela época, há 14 anos, não havia tratamento adequado na cidade.
E assim, junto com outras mães, Maria Aparecida ainda teve forças para ajudar a fundar a Associação de Pais e Amigos do Autista (AMA) de Gaspar, em 2017. “Naquele tempo eu achava que só tinha eu com filho autista em Gaspar, mas a gente procurou se organizar e fundar uma associação para levar conhecimento, informação para a sociedade e buscar recursos, mesmo que os meus filhos não venham mais a usar, mas tem muita criança autista vindo, as estatísticas hoje só aumentam. A Nicole e o Lorenzo frequentaram a APAE até os 6 anos. A Nicole não conseguiu ser incluída na escola, eu tentei, mas ela teve que ser retirada com uma ação judicial por conta de a escola não estar preparada para ela. Ela tem epilepsia grave, muitas convulsões, a escola não estava adequada e até hoje não está preparada para os autistas moderados para cima”, afirma, destacando que as coisas já evoluíram muito.
“Hoje a gente já pode dizer que temos um bom caminho percorrido e que as coisas deram uma boa melhorada aqui na cidade. A gente sempre buscou lutar por atendimento e sempre tivemos a porta aberta com o poder público, tanto na secretaria de Educação como Saúde, a prefeitura sempre aberta ao diálogo, eles querendo aprender, vendo o que poderia ser feito. Hoje a gente tem a parceria com o Projeto Integrar, temos a AMA, um grupo de mães que se uniu pra buscar mais qualidade de vida pros filhos”, destaca.


Mais do que mães 

Maria Aparecida destaca o trabalho feito na AMA no acolhimento não apenas das crianças com autismo, mas também das famílias. “Hoje a gente faz também esse trabalho de acolhimento das famílias, das mães, da aceitação, do luto que algumas mães têm, porque querendo ou não acaba frustrando. Você está grávida e idealiza um filho que vai andar, vai falar, vai fazer tudo normal e, de repente, não é assim e nisso pode vir depressão, crises de ansiedade, muitas mulheres são abandonadas pelos maridos, porque eles não aguentam essa carga e acaba afetando o relacionamento porque você não tem mais tempo para se dedicar ao marido. Muitas mães não tem uma vida social, são mulheres, mas que não têm amigas, não tem um companheiro. Por isso esse trabalho que a gente começou com os pais é importante, para mostrar para essas mães que antes de mãe de autista elas são mulheres, elas têm valor, porque a mãe acaba ficando sobrecarregada e ela acaba deixando de lado a parte da autoestima, do cuidado com ela”, observa Maria.



Presente de dia da mulher 

Apesar de levar como bandeira o autismo, Maria Aparecida lembra que é mãe também de Bianca. “Ela às vezes me cobra, porque eu só falo dos outros, mas eu digo que foi ela quem me tornou mãe pela primeira vez, a Bianca que me mostrou o amor de mãe e ela ainda foi um presentão de Dia da Mulher, porque hoje é aniversário dela, ela nasceu em 8 de março”, finaliza Maria.