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A questão do aquecimento global acabou ficando de fora do documento final (Fotos: FREEPIK)
As questões econômicas seguem se sobrepondo à nessidade urgente de se encontrar energias limpas e renováveis
Depois de 13 dias de negociação, a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30) terminou no sábado (22), em Belém, com uma série de avanços e discussões que prosseguirão pelos próximos meses. Porém, o principal tema acabou não avançando por falta de consenso. Ficou de fora da lista de prioridades a busca de alternativas para se substituir os combustíveis fósseis - os principais vilões do efeito estufa - por energias limpas e renováveis.
Houve uma clara divisão entre países que defendem a eliminação progressiva (ou "phased out") dos combustíveis fósseis e algumas nações e blocos econômicos com interessantes divergentes, já que suas economias dependem fortemente da produção e exportação de petróleo, gás e carvão.
Aquecimento global
O Brasil teria supostamente retirado menções diretas aos combustíveis fósseis do texto final da conferência, o que gerou impasse nas negociações. Organizações ambientais e superintendentes de gestão ambiental lamentaram a exclusão do texto final, o que significou que o evento não conseguiu dar uma solução para a principal causa de 80% das emissões de gases que provocam o aquecimento global.
Embora a comunidade científica alerte que os combustíveis fósseis são a raiz da crise climática, os países-membros colocaram suas necessidades e prioridades econômicas nacionais à frente de um compromisso global vinculativo para uma transição energética rápida. No fim das contas, o documento final da COP 30 terminou sem um consenso sobre este ponto crítico, embora tenha avançado em outras áreas, como a da adaptação climática.
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Drought land (Fotos: Galyna Andrushko)
29 documento aprovados
A presidência brasileira da COP30 teve como conquista a aprovação de 29 documentos de forma unânime pelos 195 países que participaram do encontro na capital paraense. Esse conjunto de textos ficou conhecido como “Pacote de Belém”, e está publicado no site da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC, da sigla em inglês), âmbito sob o qual se realizam as edições da COP. De acordo com a presidência brasileira da conferência, as 29 decisões incluem avanços em temas como transição justa, financiamento da adaptação, comércio, gênero e tecnologia.
Fundo Florestas Tropicais
Entre as maiores conquistas da COP30, está o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, do inglês Tropical Forest Forever Facility), que cria uma forma inédita de recompensa financeira, por meio de um fundo de investimento global, aos países que preservarem as florestas tropicais. A ideia teve a aprovação inicial de 63 nações. O fundo já mobilizou, segundo a presidência da COP30, US$ 6,7 bilhões. O dinheiro não é uma doação. A proposta é que os investidores recuperem os recursos investidos com remuneração compatível com as taxas médias de mercado, ao mesmo tempo em que contribuem para a preservação florestal e a redução de emissões de carbono. A ideia é que as florestas sejam vistas como fonte de desenvolvimento social e econômico.
Financiamento triplicado
Os países incluíram ainda no Pacote de Belém o compromisso de triplicar o financiamento da adaptação às mudanças climáticas até 2035 e a dar ênfase à necessidade de os países desenvolvidos aumentarem o financiamento para nações em desenvolvimento. O documento Mutirão, classificado pela presidência brasileira da COP30 como um “método contínuo de mobilização que começa antes, atravessa e segue além da COP30”, cita a ampliação do financiamento para os países em desenvolvimento para ação climática, de todas as fontes públicas e privadas, para pelo menos US$ 1,3 trilhãonois próximos dez anos.
Contribuições Nacionalmente Determinada (CND)
A COP30 terminou com 122 países tendo apresentado Contribuições Nacionalmente Determinada, as NDCs, sigla em inglês para Nationally Determined Contributions.São as metas e os compromissos assumidos pelas partes para a redução de emissões de gases do efeito estufa. Os países devem apresentar a cada cinco anos uma nova versão de NDC, com as ambições atualizadas em relação ao Acordo Paris, lançado na COP21, em 2015, que reúne ações globais em resposta à ameaça da mudança climática, como a redução das emissões de gases de efeito estufa. Entre as metas está a de limitar o teto máximo de aquecimento global de 1,5ºC, até 2035, na comparação com os atuais patamares. Para muitos cientistas, essa meta está próxima de ser superada.
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(Fotos: mathias11)
Meta Global de Adaptação
A COP30 recebeu 59 indicadores voluntários para monitorar o progresso sob a Meta Global de Adaptação. São indicadores que envolvem setores como água, alimentação, saúde, ecossistemas, infraestrutura e meios de subsistência. Todos integram questões transversais como finanças, tecnologia e capacitação.
Os documentos aprovados ressaltam que a transição justa deve se atentar às pessoas, tanto como protagonistas de ações quanto em termos de igualdade entre elas, de forma que populações vulnerabilizadas recebem atenção maior no cenário de mudança do clima. Pela primeira vez, afrodescendentes foram mencionados nos documentos da conferência sobre o clima.
Os países aprovaram um Plano de Ação de Gênero, que amplia o orçamento e o financiamento sensíveis ao gênero e promove a liderança de mulheres indígenas, afrodescendentes e rurais.
Ambição coletiva
O documento Mutirão reafirma a determinação em aumentar a ambição coletiva ao longo do tempo. Para isso, há dois mecanismos de implementação:
Acelerador Global de Implementação: iniciativa colaborativa e voluntária lançada sob a liderança das presidências da COP30 e COP31 para apoiar os países na implementação de NDC e Planos Nacionais de Adaptação.
"Missão Belém para 1,5 °C: plataforma orientada para a ação sob a liderança da COP29-COP31, para promover maior ambição e cooperação internacional em mitigação, adaptação e investimento.
" – COP30
O Brasil tem defendido que uma série de anúncios e iniciativas de impacto já está em curso, fazendo dessa COP a conferência de implementação das medidas. São exemplos: Iniciativa Fini (Fostering Investible National Implementation), que reúne países, bancos de desenvolvimento, seguradoras e investidores privados com a intenção de desbloquear US$ 1 trilhão em projetos de adaptação dentro de três anos, com 20% mobilizados pelo setor privado. A Fundação Gates prometeu US$ 1,4 bilhão para apoiar pequenos agricultores.
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A low angle shot of a factory with smoke and steam coming out of the chimneys captured at sunset (Fotos: )
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A low angle shot of a factory with smoke and steam coming out of the chimneys captured at sunset (Fotos: )
Saúde prioridade
Plano de Ação de Saúde de Belém, endossado por mais de 30 países e 50 organizações, elevou a saúde como prioridade climática. Recebeu US$ 300 milhões do Fundo de Financiadores do Clima e Saúde (Climate and Health Funders Coalition), uma rede de organizações filantrópicas. Os recursos são destinados a fortalecer sistemas de saúde, hospitais, vigilância e prevenção de doenças resilientes ao clima, especialmente nos países emergentes;
Dez países anunciaram apoio ao Acelerador Raiz, iniciativa para restaurar terras agrícolas degradadas e mobilizar capital privado.
Mapa do Caminho
Prioridade do governo brasileiro, inclusive tendo sido objeto de discursos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos últimos dias, o Mapa do Caminho, um roteiro para o afastamento dos combustíveis fósseis – emissores de gases do efeito estufa, causadores do aquecimento global – ficou de fora dos documentos.
Na COP, questões precisam ser aprovadas por unanimidade, mas o Mapa do Caminho teve apoio de 80 a 85 países. De acordo com a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, e do presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago, o Mapa do Caminho não foi descartado. Pelo contrário, fará parte dos próximos meses de discussão entre os países. O Brasil segue na presidência da COP até novembro de 2026.
“O Mapa do Caminho já não é mais uma proposta apresentada pelo Brasil, pelo presidente Lula, mas por dezenas de países e por milhares e milhares de pessoas em todo mundo, chancelada pela comunidade científica”, disse Marina.
A ministra disse acreditar que cada país deverá ter o seu próprio Mapa do Caminho, assim como acontece com as NDC. “Um país rico, eu imagino que todos já têm seus mapas do caminho, já têm suas trajetórias muito bem planejadas. Agora países em desenvolvimento, países pobres, dependentes inclusive de petróleo em suas economias, não têm essas trajetórias. É por isso que é muito importante o esforço que será feito”, acrescentou. Além do afastamento dos combustíveis fósseis, lembrou Marina, haverá outro mapa referente ao fim do desmatamento.
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drought land (Fotos: Galyna Andrushko)
Dificuldade de consenso
O embaixador Corrêa do Lago admitiu que imaginava ser difícil ter consenso sobre o Mapa do Caminho na COP30. “Há uma resistência sobre o tema e havia uma outra possibilidade, que era a de transformar isso em uma agenda importante da COP”, relativiza ele, prometendo estudos pelos próximos 11 meses e meio da presidência brasileira na COP. “Vamos juntar a maior inteligência possível sobre energia fóssil”, disse.
COP foi marcado por protestos, incêndio e críticas
Os protestos que ecoaram nos pavilhões da COP 30 refletiram a pressão da sociedade civil global e dos povos tradicionais por uma ação climática mais radical, justa e centrada nos direitos humanos e territoriais, em contraposição ao que eles percebiam como lentidão e falta de ambição das negociações diplomáticas.
Organizações e movimentos sociais criticaram os países por apresentarem soluções consideradas insuficientes ou se omitirem em relação à meta de limitar o aquecimento global a 1,5ºC, conforme o Acordo de Paris.
Ambientalistas criticam falta de roteiro claro
Uma das grandes críticas dos ambientalistas foi a ausência de um roteiro claro e mandatório para o fim do uso de combustíveis fósseis no texto final da conferência.
Manifestantes, frequentemente vindos do Sul Global, exigiram que os países ricos, historicamente responsáveis pela maior parte das emissões, pagassem a "dívida climática" e fornecessem acesso direto e adequado ao financiamento climático para as comunidades mais vulneráveis, incluindo um fundo robusto para perdas e danos.
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Derretimento do gelo nas extremidades do planeta é outro efeito do aquecimento global (Fotos: Sharon Housley - DejaVu Designs (freepik))
Povos indígenas ficam de fora das discussão
Já os os povos Indígenas da Amazônia e de outros locais criticaram a não participação de representantes nas principais discussões e lideraram marchas e atos pedindo a demarcação e homologação imediatas de todas as Terras Indígenas. Eles consideram o reconhecimento territorial uma política climática essencial.
Houve protestos contra a exploração de petróleo na Foz do Amazonas e outras regiões (como a Margem Equatorial), bem como oposição a projetos de mineração, hidrovias e outras atividades que ameaçam seus territórios e a floresta.
Foi ainda exigida a inclusão dos povos tradicionais e daqueles na "linha de frente" da crise climática nas discussões e decisões oficiais da COP.3.
Presença do agronegócio foi vista com reservas
E por fim, críticas ao agronegócio por parte do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e outros grupos. Eles criticaram o espaço da Agrizone, dentro da conferência, por considerá-lo uma tentativa de "lavar a imagem" do agronegócio e seus patrocinadores corporativos, denunciando o impacto da pecuária e do uso de agrotóxicos ao meio ambiente.
Os manifestantes denunciaram mecanismos como bônus de carbono, trocas de dívida e tecnologias de captura de carbono como "falsas soluções" que mantêm as desigualdades e não atacam a raiz da crise climática. O ápice dos protestos se deu no sábado, dia 15, quando cerca de 70 mil pessoas – cálculos da PM de Belém – tomaram conta das ruas na Marcha Global pelo Clima, em um percurso de quase 5km sob o escaldante sol de mais de 35ºC.
Incêndio, documento final e falhas na organização
No penúltimo dia da COP, um incêndio provocou tumulto, corre-corre e jogou mais combustível para a oposição intensificar as críticas à organização e, por consequência, ao governo brasileiro. Um estande na chamada zona azul, área do Parque Cidade, pegou fogo e as chamas rapidamente ganharam amplitude, assustando as pessoas que participavam das reuniões. Cerca de 20 pessoas foram atendidas no centro médico, todas elas por terem inalado fumaça.
Naquele momento, os conferencistas se preparavam para alinhavar o documento final da COP. Os trabalhos acabaram suspensos e somente foram retomados no dia seguinte, o que obrigou a organização a prolongar mais um dia de conferência, o que não impediu que, representantes de alguns países, com passagem aérea marcada e outros que estavam em navios hotéis partissem.
Uma semana antes do incêndio, a Organização das Nações Unidas (ONU) havia enviado uma carta ao governo brasileiro com duras críticas à segurança e infraestrutura do COP30. Entre as queixas estavam inundações de locais após chuva e infiltração de água pelo teto e luminárias. A mensagem de desagrado foi assinada por Simon Stiell, secretário-executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.
O que ficou da COP30
O resumo do que ficou da COP30 é que o planeta exige ações imediatas – quase urgentes – para garantir a própria sobrevivência, mas que pese os avanços conquistados, ainda o fator econômico é insistentemente usado como barreira para que se busque por soluções para uma transição energética mais limpa. É inegável a complexidade das decisões, mas que elas precisam ser tomadas não resta a menor dúvida, caso contrário caminhamos para um futuro
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Emissão de gases, furto da queima de combustíveis fósseis, é a principal causa do aquecimento global ( )
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Drought land ( Galyna Andrushko)
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O aumento da quantidade de áreas desérticas preocupam as autoridades ( Galyna Andrushko)
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A falta de consenso pode agravar o problema da desertificação ( mathias11)
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Derretimento do gelo nas extremidades do planeta é outro efeito do aquecimento global ( Sharon Housley - DejaVu Designs (freepik))
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