Dia da Consciência Negra convida sociedade à reflexão

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20/11/2025 09:30
DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA

Dia da Consciência Negra convida sociedade à reflexão

Por Kassiani Borges

 Publicado 20/11/2025 09:30

Mais de 50% dos estudantes da Honório Miranda são negros e pardos
  • Mais de 50% dos estudantes da Honório Miranda são negros e pardos (Fotos: Daniel Norgueira/Jornal Metas)

Em Gaspar, diversos eventos públicos vêm acontecendo para chamar atenção de todos para o debate sobre o racismo estrutural que ainda permeia em nosso país

O Brasil celebra, neste 20 de novembro, apenas o segundo ano do Dia da Consciência Negra como feriado nacional, mas a data carrega mais de cinco décadas de construção política, social e simbólica. Instituído oficialmente no final de 2023, o feriado rompeu uma longa trajetória em que a data era lembrada apenas por iniciativas regionais ou facultativas, antes, pouco mais de mil municípios a reconheciam formalmente. Agora, a data assume caráter definitivo no calendário brasileiro, ampliando o debate sobre racismo estrutural, memória e representatividade.

A origem da data remete a 1971, em Porto Alegre, quando quatro jovens universitários negros - Oliveira Silveira, Antônio Carlos Côrtes, Ilmo da Silva e Vilmar Nunes, do recém-formado Grupo Palmares - passaram a contestar a narrativa oficial da abolição da escravatura, centrada na figura paternalista da princesa Isabel. Eles decidiram resgatar a luta de líderes negros apagados da história, especialmente Zumbi dos Palmares, morto em 20 de novembro de 1695. Um símbolo de resistência que enfrentou, por mais de um século, as tropas coloniais no maior quilombo das Américas.

O primeiro ato público em 20 de novembro ocorreu também naquele ano, reunindo duas dúzias de estudantes negros em Porto Alegre. A ideia se espalhou, foi abraçada pelo Movimento Negro Unificado (MNU) nos anos 1970 e, ao longo das décadas, ganhou força até ser reconhecida nacionalmente pela Lei sancionada pelo presidente Lula em 2023.

Mais que memória, a data tem sido um convite à reflexão sobre a realidade atual. De cada 100 pessoas pretas no Brasil, 84 afirmam já ter sofrido discriminação racial, segundo pesquisa divulgada neste ano com apoio do Ministério da Igualdade Racial. Pretos são 2,7 vezes mais vítimas de homicídio do que não negros.

Pardos e pretos ocupam a maior parte das favelas e lideram estatísticas de desemprego. Os números mostram que a abolição incompleta denunciada pelo MNU em 1988 ecoa até hoje.

E é justamente nesse cenário que iniciativas locais ganham ainda mais relevância.

Painel cita características fundamentais para a inclusão na sociedade
  • Painel cita características fundamentais para a inclusão na sociedade (Fotos: Daniel Nogueira/Jornal Metas)

Afroconsciência

Índice de tratamento

  • Tratado com menos respeito: Pretos - 49,5%, Pardos - 32,1% e Brancos - 9,7%
  • Recebe atendimento pior: Pretos - 57%, Pardos - 28,6% e Brancos - 7,7%
  • Seguido em lojas: Pretos - 21,3%, Pardos - 8,5% e Brancos - 8,5%
  • 2.458 pessoas foram ouvidas na pesquisa

Em Gaspar, uma das ações de maior impacto em 2025 aconteceu na EEB Professor Honório Miranda, que realizou a segunda edição do Afroconsciência Honório, no dia 18 de novembro, movimentando os três turnos da escola. O evento ocupou as salas de aula e corredores com debates, exposições, apresentações e atividades interativas voltadas à história, arte e cultura afro-brasileira. Além disso, O Afroconsciência Honório deste ano homenageou dois gigantes da literatura brasileira: Carolina Maria de Jesus (1914–1977), uma das primeiras escritoras negras do país a ter sua voz amplamente ouvida, autora de Quarto de Despejo, obra que escancarou o cotidiano das favelas e a desigualdade social, e João da Cruz e Sousa (1861–1898), poeta simbolista catarinense, conhecido como Cisne Negro e Dante Negro, pioneiro da poesia em prosa no Brasil e figura fundamental na luta abolicionista.

A diretora da instituição, Ana Luísa Fantini Schmitt, explica que o projeto nasceu do desejo de ampliar discussões que antes se limitavam a apresentações pontuais. “Este é o nosso terceiro evento pedagógico do ano. Os alunos circulam, assistem aos trabalhos, escrevem relatórios e são avaliados por isso. Isso movimenta, envolve e conscientiza”, destaca.

"O cuidado precisa ser diário. Racismo é crime. E Gaspar tem caminhado, mas a gente não pode restringir o tema ao mês de novembro: precisa ser pauta o ano inteiro" – Ana Luísa Fantini Schmitt: diretora da instituição

Ana Luísa afirma que mais da metade dos estudantes da escola é negra ou parda e que, embora casos de racismo ainda ocorram, o trabalho pedagógico tem surtido efeito: “A gente corta o mal pela raiz. Chamamos as famílias, conversamos, trabalhamos com a turma. Este ano tivemos casos resolvidos internamente, e o mais bonito é que os próprios envolvidos hoje estão aqui, apresentando trabalhos sobre antirracismo”. Segundo a diretora, a educação municipal e estadual têm avançado, mas o desafio é permanente: “O cuidado precisa ser diário. Racismo é crime. E Gaspar tem caminhado, mas a gente não pode restringir o tema ao mês de novembro: precisa ser pauta o ano inteiro”, observa.

Entre as novidades mais celebradas pelos alunos estava a presença da trancista Taís de Oliveira Ribeiro, de 33 anos, tia de um estudante. Voluntária no evento, ela ensinou diferentes técnicas de trançar os cabelos e conversou com os estudantes sobre ancestralidade e autoestima. “Representa a minha cor, a minha história. É algo que amo e faço com paixão. Na minha adolescência não existia nada disso na escola. É emocionante ver o tema sendo tratado com tanta naturalidade hoje”, conta.

Moradora de Gaspar há quase uma década, Taís afirma ter encontrado acolhimento na cidade. “Sou de São Paulo e já vivi situações de racismo lá. Aqui, não. Fui bem recebida e hoje me sinto em casa.”

Para a professora de Sociologia Lindair Maria Lanz Favero, que há 15 anos leciona na escola, eventos como o Afroconsciência têm papel ainda mais urgente diante do cenário nacional.

“Quando a gente olha as redes sociais, parece que estamos retrocedendo. Ainda há casos graves de injúria racial e violência. Por isso, mais do que nunca, precisamos resgatar a história e entender que foram 388 anos de escravidão no Brasil. Isso deixou marcas profundas”. Ela reforça que trabalhar a empatia é essencial. “Não basta tratar o outro como eu gostaria de ser tratado. Preciso tratá-lo como ele deseja ser tratado. Aluno do primeiro ano do ensino médio, Murilo Gabriel Calazans de Lisboa, diz que o evento reforça o sentimento de pertencimento e responsabilidade social.

“O Brasil é um país misto: 57% da população é negra. Não faz sentido existir preconceito racial. Aqui na escola, precisamos nos conscientizar e combater tanto o racismo velado quanto o escancarado”, afirma.

Taís Ribeiro: "na minha adolescência não existia nada disso"
  • Taís Ribeiro: "na minha adolescência não existia nada disso" (Fotos: Daniel Nogueira/Jornal Metas)

Celebrações

Lista de homenageados em Sessão:

  • Allan Antônio Maria
  • Allan Santiago
  • Andrei Tonson da Silva
  • Cecília Adriana do Nascimento Custódio
  • Cícero Geovani Amaro
  • Djalma João dos Anjos
  • Edvilson dos Anjos
  • Marciano João Custódio
  • Gilberto Gonçalves Filho
  • Ivan Carlos França Coelho
  • Jacson Heleno da Conceição
  • José Caetano
  • Luiz Carlos Rodrigues dos Santos
  • Luiz Herculano de Sousa Guilherme
  • Marcos Vinícius da Silva
  • Maria do Rócio da Silva
  • Michelle Tatiane Caetano
  • Pastor Paulo Gomes Ferreira
  • Raymundo Aparecido Quirino da Silva
  • Samira Pâmela Tavares
  • Samuel Ribeiro
  • Angela Maria Rosa Custódio
  • Marcinho Vieira

As ações na cidade não se limitaram ao ambiente escolar. Gaspar preparou uma agenda especial para esta semana em celebração ao 20 de novembro. Na quarta-feira (19), a comunidade participou da 8ª edição do Negritude em Foco, no Salão Cristo Rei, com apresentações de dança, teatro e canto. A Câmara de Vereadores também realizou Sessão Solene de homenagem a personalidades negras do município. A vereadora Mara Lúcia Xavier da Costa dos Santos (PP), primeira mulher negra da história do Legislativo gasparense, destacou: “Celebrar o Dia da Consciência Negra é reafirmar nosso compromisso com a igualdade, o respeito e a valorização da diversidade.”

Nesta quinta-feira (20), as atividades seguem na Casa das Oficinas Culturais Dagobert Günther, com oficina e apresentação de maracatu pelo grupo Maracatu Capivara, além das peças teatrais “Anansi, o Homem-Aranha” e “Aquelas que Moram Nela”.

O coordenador de eventos do Movimento Afro Raízes do Vale, Marciano João Custódio, avalia que o país ainda está aprendendo a compreender o significado profundo do feriado. “Tudo que é novo assusta. O sul do Brasil, por sua história, ainda tem dificuldade de entender a importância da data. Vai levar tempo para que todos vejam o feriado não como um dia de folga, mas como um momento de reflexão.”

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