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A decisão, publicada no Diário Oficial, aponta improbidade e infrações disciplinares do Delegado (Fotos: Rádio Maristela)
Rafael Gomes de Chiara foi demitido por improbidade e infrações disciplinares; defesa alega retaliação política após conclusão de inquérito que terminou sem indiciamentos
O delegado Rafael Gomes de Chiara, responsável pelo inquérito que investigou o acidente com balão em Praia Grande, no Sul de Santa Catarina, foi exonerado pelo Governo do Estado. A decisão foi publicada no Diário Oficial na última sexta-feira (7) e determinou ainda sua inabilitação para cargos públicos pelos próximos seis anos. Rafael atuava na Delegacia de Santa Rosa do Sul e havia encerrado a investigação sobre o caso sem indiciamentos no início de outubro. Com a mudança, o delegado André Coltro assume a unidade.
Segundo o Governo do Estado, a exoneração ocorreu por infrações disciplinares e por ato de improbidade administrativa. O processo cita, entre outros pontos, o uso irregular de um veículo apreendido em 2021, autorizado judicialmente para operações contra o tráfico de drogas, mas supostamente empregado para fins pessoais e fora da área de atuação. A decisão também menciona publicações consideradas ofensivas à Corregedoria da Polícia Civil e a recusa do delegado em participar de sindicância interna.
Investigação do acidente foi finalizada sem apontar responsáveis
A investigação sobre a queda do balão que deixou oito mortos em Praia Grande, no Sul de Santa Catarina, foi concluída pelo então Delegado Rafael Gomes de Chiara no dia 8 de outubro de 2025. Na época, o relatório divulgado pela Polícia Civil apontou que "O conjunto das provas não comprovou a existência de conduta humana dolosa ou culposa que tenha dado causa ao incêndio em voo. Diante das conclusões periciais e da ausência de elementos que caracterizem crime, o inquérito policial foi concluído sem indiciamento".
Para defesa do delegado, que se pronunciou após a decisão de exoneração do cargo ter sido publicado no Diário Oficial na última sexta-feira (7), o fato das investigações lideradas por Rafael não terem apontado culpados no acidente em Praia Grande, é um dos fortes motivos para a tomada de decisão do Estado.
Defesa fala em perseguição política após fim do inquérito
Em nota oficial, a defesa do delegado Rafael afirma que a exoneração foi motivada por retaliação política, alegando que ele teria sofrido pressão para indiciar pessoas no caso do acidente com balão, mesmo sem base jurídica. A defesa sustenta que procedimentos administrativos antigos foram “ressuscitados” logo após a divulgação do relatório final do inquérito à imprensa.
“É inadmissível que um delegado seja ameaçado de demissão por cumprir seu dever legal”, diz a nota assinada pela advogada Francine Kuhnen, que afirma que o processo disciplinar estava parado desde 2023 e só avançou após o fim das investigações. A defesa promete medidas judiciais contra o que considera perseguição institucional.
Veja a nota completa:
"NOTA À IMPRENSA
A defesa do Delegado de Polícia Rafael vem a público denunciar a grave distorção institucional que se instalou após a conclusão do inquérito referente ao acidente com balão em Praia Grande.
Logo após a entrega do relatório final — construído com rigor técnico, independência e absoluta fidelidade às provas — o Delegado passou a sofrer ataques públicos e privados, inclusive uma ligação direta do Delegado-Geral afirmando que levaria ao Governador pedido de demissão, baseado em fatos administrativos antigos que jamais justificaram punição extrema em toda a história da Polícia Civil.
A súbita movimentação de procedimentos administrativos paralisados há anos, coincidente com a divulgação do relatório à imprensa, revela uma dinâmica que não pode ser ignorada: uso político da máquina pública e tentativa de retaliação contra um delegado que apenas cumpriu a lei e recusou-se a fabricar indiciamentos sem justa causa.
É inadmissível que uma autoridade máxima da instituição trate decisões técnicas de forma política. É inadmissível que um delegado seja ameaçado de demissão por cumprir seu dever legal. É inadmissível que a máquina pública seja instrumentalizada para atender ambições individuais.
A defesa reforça: o procedimento disciplinar que deu origem à decisão de demissão foi instaurado em 11 de março de 2022, remetido ao Governador em 04 de setembro de 2023, e somente foi ressuscitado após o delegado não ceder às pressões e se recusar a indiciar pessoas sem fundamento jurídico. A coincidência não é ingênua. É evidente. É perigosa.
O país assiste, em diversas instituições, a tentativas de transformar cargos públicos em palanques eleitorais. Esse episódio é mais um alerta: quando a independência funcional é violada, não é apenas um delegado que sofre; é a sociedade que perde.
A defesa tomará todas as medidas judiciais necessárias — inclusive para responsabilização individual de quem se valeu do cargo para perseguição política — a fim de restaurar a legalidade e proteger a integridade de um servidor que sempre atuou com técnica, dignidade e respeito ao Estado de Direito.
A verdade não se curva à conveniência política. E não será agora.
Atenciosamente,
Francine Kuhnen"
O que diz o governo
O Diário Oficial traz duas decisões distintas que aplicam penalidades ao delegado, baseadas em diferentes processos administrativos. Em um deles, Rafael é acusado de improbidade — ato descrito como “qualquer ação que manifesta desvio no exercício da função pública” — e, em outro, de se eximir de obrigações legais inerentes ao cargo. Apesar das duas decisões, apenas a primeira teve efeito prático, já que a demissão qualificada já havia sido aplicada.
Veja o que foi publicado no Diário Oficial:
Ato nº 2423 / 2025
O GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA, no uso de suas atribuições, com fundamento nos documentos contidos no processo PCSC 30057/2022: relatório Final, da Comissão processante (p 341-363); parecer nº 188-ASJUR/DGPC, da polícia Civil do Estado de santa Catarina (PCSC) (p 369-372); e no despacho, da procuradoria-Geral do Estado (p 376-377), DECIDE, per relationem:
1) pela aplicação da penalidade de demissão qualificada ao servidor Rafael Gomes de Chiara, mat 0983898-8-01, ocupante do cargo de delegado de polícia substituto, por infração ao artigo 211, inciso III, da lei nº 6843, de 28 de julho de 1986 (qualquer ato que manifesta improbidade no exercício da função pública)
2) pela sua consequente incompatibilização para o exercício de cargo ou de emprego público pelo período de 6 (seis) anos, nos termos do parágrafo único do artigo 211, também da lei nº 6843/1986.
Ato nº 2425 / 2025
O GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA, no uso de suas atribuições, com fundamento nos documentos contidos no processo PCSC 38896/2022: relatório Final, da Comissão processante (p 486-501); parecer nº 142-ASJUR/DGPC, da polícia Civil (PCSC) (p 514-518); e no despacho, da procuradoria-Geral do Estado (p 522 e 523), DECIDE, per relationem:
1) pela aplicação da penalidade de dEmissÃo ao servidor Rafael Gomes de Chiara, mat 0983898-8-01, ocupante do cargo de delegado de polícia substituto, por infração ao artigo 210, inciso XVII c/c art 204, da lei nº 6843/1986 (eximir-se do cumprimento do dever de policial).
2) considerando a inaplicabilidade prática da demissão, visto que já foi aplicada a penalidade nos autos do processo pCsC 30057/2022, far-se-á constar registro da decisão em seus assentamentos funcionais.
Polícia Civil se manifesta sobre a exoneração
Na manhã desta terça-feira (11), a Polícia Civil de Santa Catarina divulgou uma nota à imprensa para esclarecer os motivos da demissão do delegado de polícia Rafael Gomes de Chiara. A corporação afirma que o desligamento foi resultado de dois processos administrativos disciplinares, instaurados em gestões anteriores, e não tem relação com suposta perseguição nem com o episódio da apreensão de um balão em Praia Grande, ocorrido neste ano.
Nota na íntegra:
A Polícia Civil de Santa Catarina esclarece que a demissão do delegado de polícia Rafael Gomes de Chiara, formalizada após regular processo administrativo disciplinar, não guarda qualquer relação com suposta perseguição ou com o episódio envolvendo a apreensão de um balão, como vem sendo divulgado por alguns veículos de imprensa.
O desligamento resultou de dois processos disciplinares, apurados em gestão anterior à atual. Além disso, o delegado já tinha respondido a outros processos administrativos anteriormente, evidenciando um histórico de condutas incompatíveis com o exercício do cargo público.
Uma das ocorrências que culminou na demissão foi a apurada pela Portaria nº 192/GAB/DGPC/PCSC, de 11 de março de 2022, que tratou do uso indevido de viatura oficial para fins particulares e em período de férias. As condutas configuraram, em tese, as infrações previstas nos artigos 208, inciso XII (uso indevido de bens da repartição), 209, inciso VI (falta à verdade, com má-fé) e 211, inciso III (qualquer ato que manifesta improbidade no exercício da função pública) todos da Lei nº 6.843/86 – Estatuto da Polícia Civil do Estado de Santa Catarina.
O outro caso foi o da Portaria nº 254/GAB/DGPC/PCSC, de 1º de abril de 2022, que apurou publicações ofensivas do servidor contra a Corregedoria da Polícia Civil, nas quais acusava o órgão de perseguição e assédio, bem como novas ausências injustificadas ao serviço.
Além disso, outras irregularidades foram apuradas em gestões anteriores, como as Portarias nº 658/PCSC/DGPC/CORPC, de 2019, e nº 245/PCSC/DGPC/CORPC, de 2022, que trataram de condutas inadequadas e de descumprimento de deveres funcionais.
Desde a origem, todos os procedimentos seguiram rigorosamente o trâmite previsto em lei. As sindicâncias investigativas foram instauradas a partir de provocações externas à Corregedoria da Polícia Civil — nada foi aberto de ofício ou sem origem formal. As autoridades sindicantes apontaram indícios de irregularidades graves, com violação de normas funcionais passíveis de demissão.
O Corregedor-Geral concluiu pela instauração de dois processos administrativos disciplinares, decisão acolhida pelo Delegado-Geral da Polícia Civil, após manifestação prévia da Procuradoria-Geral do Estado (PGE). Cada processo foi conduzido por comissão composta por três delegados de polícia, que, ao final das instruções, concluíram pela responsabilização do servidor e recomendaram a aplicação da penalidade de demissão.
Os dois processos foram posteriormente analisados pelo Conselho Superior da Polícia Civil (CSPC) e novamente pela PGE. O Governador do Estado acolheu as recomendações e aplicou a penalidade, conforme previsão legal.
Reduzir toda essa tramitação administrativa ao inquérito policial que investigou a queda de um balão em Praia Grande é adotar exclusivamente a versão de defesa, que tenta sustentar, de forma equivocada, a tese de perseguição funcional. Importante destacar que ambos os processos disciplinares foram instaurados e concluídos antes mesmo do incidente ocorrido em janeiro deste ano.
O interessado, como prevê a legislação, pode apresentar pedido de reconsideração ao Governador do Estado ou ingressar com ação judicial para revisar o ato administrativo. No entanto, eventual recurso deverá se ater ao mérito das infrações que motivaram a demissão, as quais não têm qualquer relação com o fato ocorrido na cidade de Praia Grande.
A Polícia Civil de Santa Catarina reafirma seu compromisso com a legalidade, a ética e a transparência, lembrando que todas as decisões disciplinares são tomadas com base em processos regulares, que asseguram ampla defesa e contraditório a todos os servidores. Inclusive, no mesmo dia que foi publicada a demissão do delegado Chiara, ocorreu mais uma demissão de outro delegado também por meio de processo administrativo, mostrando a imparcialidade da instituição e a aplicação da legislação em prol do interesse público, não tolerando desvios de conduta dos seus servidores.
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