Eulina Ladewig Silveira: Legado e exemplo de paixão pela música

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07/11/2025 15:53
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Eulina Ladewig Silveira: Legado e exemplo de paixão pela música

Por Alexandre Melo

 Publicado 07/11/2025 14:46  – Atualizado 07/11/2025 15:53

  • Eulina deixa um legado de realizações no campo da cultura (Fotos: FOTOS: ARQUIVO PESSOAL)

Gasparense de coração e criação, a intérprete oficial do Hino de Gaspar nos deixou aos 95 anos de idade

É impossível não relacionar um dos símbolos mais importantes de Gaspar à voz de Eulina Ladewig Silveira. A “Dama da Seresta Catarinense”, como era conhecida, nos deixou na noite de quarta-feira, dia 5, aos 95 anos de idade, mas sua voz ficará imortalizada no Hino da cidade de Gaspar.

Com os seresteiros em Blumenau
  • Com os seresteiros em Blumenau (Fotos: FOTOS: ARQUIVO PESSOAL)

Nascida em Tijucas, mas gasparense de criação e coração, Eulina foi um ícone na música catarinense. Com sua voz afinada e melodiosa, interpretou músicas dos maiores cantores de serestas do Brasil. Ela costumava dizer que sua presença na música nunca foi profissional, já que sua profissão era cartorária – trabalhou por muitos anos no Poder Judiciário e se aposentou como funcionária do Fórum da Comarca de Gaspar. “Não tenho essa pretensão; ao cantar satisfaço um desejo próprio, me divirto e alegro outras pessoas. Mas, já cantei tanto que me considero uma cantora”.

Trajetória

Foram 30 anos como cantora, pois Eulinaconsiderava o lançamento do seu primeiro CD, aos 65 anos, como vértice da sua trajetória musical, mas pode-se afirmar, sem medo de errar, que ela nasceu com a veia de cantora. A filha de Afonso Ladewig, descendente de alemães, e Maria Orsi Ladewig, de família italiana, ensaiou suas primeiras apresentações musicais e coreografias antes dos oito anos no Colégio das irmãs Franciscanas, em Gaspar, onde passou a morar com os pais e irmãos aos três anos de idade. As coreografias eram ensaiadas por Maria Cândida Höeschel, a conhecida Dona Mimi, exímia pianista na cidade de Gaspar.

Estudo e arte

Com amigos, após mais um dia de cantorias
  • Com amigos, após mais um dia de cantorias (Fotos: FOTOS: ARQUIVO PESSOAL)

No Colégio Honório Miranda, onde cursou o Primeiro Grau, sempre que aparecia uma oportunidade, Eulina soltava a voz. Mais tarde, ingressou no Coral Santa Cecília, onde foi soprano e mostrava seus dotes, em saraus e festas, onde era assídua frequentadora

Ao lado do marido Celso, na celebração de Bodas de Ouro
  • Ao lado do marido Celso, na celebração de Bodas de Ouro (Fotos: FOTOS: ARQUIVO PESSOAL)

Quando completou 12 anos, o pai se dedicava à extração de minério no bairro Arraial D´Ouro. Era a Segunda Guerra Mundial, e a família mudou-se para Blumenau, onde Eulina continuou seus estudos no Grupo Escolar Delfino. Quando havia festa na escola, era convidada a cantar, juntamente com sua colega Nilza. O dueto fazia o maior sucesso interpretando músicas de Vicente Celestino e Gilda Abreu. Aos 15 anos, e de volta a Gaspar, Eulina e as amigas passaram a frequentar os bailes sociais da cidade, como no Clube Alvorada. 

"Eu encantava-me com as orquestras que abrilhantavam os bailes e também gostava de ouvir rádio." – Eulina no livro Trajetória e Conquista de uma Aposentada (2010)

E foi numa dessas domingueiras que ela conheceu Celso Raphael Silveira, com que se casou em 1949, aos 19 anos, passando a residir novamente em Blumenau. Vieram então os filhos, primeiro Afonso César e dois anos depois Antônio Carlos. Mais dois anos e nasceu José Alexandre, quando a família havia retornado de Trombudo Central, onde Afonso trabalhou na construção da estrada de ferro. O casamento a afastou da música por muitos anos. “Eu sempre gostei muito de cantar, mas tive que criar meus filhos e isto acabou deixando a música em segundo plano”, relembrou em entrevista em 2005.

Com o cantor Jair Rodrigues
  • Com o cantor Jair Rodrigues (Fotos: FOTOS: ARQUIVO PESSOAL)

Em Blumenau, Eulina ingressou no Coral da Igreja São Paulo Apóstolo (atual Catedral), onde cantou por muito tempo, mas a prioridade ainda era cuidar da casa e dos filhos. Foi somente ao completar 30 anos que a vida de Eulina começou a mudar. Primeiro, porque ela passou a dividir as tarefas do lar com o trabalho em um cartório cível de Blumenau. Ela construiu uma sólida carreira no Poder Judiciário, subindo de cargos ao longo dos anos até chegar a Oficial Maior em 1966. Cinco anos depois, foi nomeada, por concurso público, Escrivã Civil da recém-criada Comarca de Gaspar e a família mudou-se para a cidade “Coração do Vale”.

Vida de seresteira

A vida de “seresteira” começou alguns anos antes. Eulina e o marido conhecerem o músico Amadeu Luz,  que se apresentava, com seu violão, num bar chamado Bom Sucesso, no bairro Ponta Aguda, em Blumenau. O casal passou a frequentar o local nos fins de semana e, acompanhada de Amadeu, Eulina soltava a voz. Assim, ela começou a cantar em lugares públicos. Formou ainda um grupo de amigos cantores, sempre com a participação do seu irmão Osvaldo, o Vadinho, que tocava violão.

Com os seresteiros em Blumenau
  • Com os seresteiros em Blumenau (Fotos: FOTOS: ARQUIVO PESSOAL)

O grupo se reunia na casa de Eulina aos sábados e domingos para cantorias. Os músicos também frequentavam bares e restaurantes de Blumenau, que ficavam lotados nos dias de seresta. Entre esses cantores, havia Egon Fischer, de uma bela voz, e que deu o apelido a Eulina de “A Dama da Seresta Catarinense”. A maioria dos seresteiros eram amadores, exerciam outras atividades durante a semana e se reuniam apenas para tocar, cantar e se divertir.

Muitas das cantorias eram gravadas em fitas K7. Com o passar dos anos, Eulina foi se tornando conhecida pelo seu talento como intérprete. Ela se apresentou no palco do Teatro Carlos Gomes e em dezenas de outras cidades catarinense.

Endereço das serestas

A residência do casal se transformou no endereço da seresta e saraus em Blumenau e de presença de gente famosa, como Marino Galhardo, irmão do cantor argentino Carlos Galhardo, e Inezita Barroso.
Nos anos 1980, já morando em Gaspar, Eulina tentou criar o Grupo Seresteiros do Vale, que tinha entre os membros Pedro João de Souza, o seu Cobrinha, cantor e tocador de cavaquinho muito conhecido na cidade (faleceu em 2025, aos 105 anos de idade), além da filha Leni; a cantora Letícia, o tecladista João Matias, Alírio Alcântara, Antoninho, Anselmo e Lisa. Porém, houve apenas um encontro, o grupo acabou não indo para a frente.

Música em diversos países

Embora fosse também conhecida como “Cantora da Terceira Idade”, Eulina tinha um público diversificado. Ela cantou no Caribe, durante um Cruzeiro, lançou um dos seus CDs em Portugal e no México. Cantou na Argentina e no Paraguai, em dezenas de cidades brasileiras, em bares e restaurantes, clubes de serviço, associações, sociedades e eventos públicos.

Também se apresentou em diversos programas de rádio e televisão, e teve um programa só para ela em emissora de TV do Estado. Recebeu dezenas de homenagens e presidiu associações e clubes voltados`à Terceira Idade.

Aposentadoria e Balneário Camboriú

Em 2003, na Marejada, em Itajaí
  • Em 2003, na Marejada, em Itajaí (Fotos: FOTOS: ARQUIVO PESSOAL)

Em 1988, Eulina e Celso se aposentaram de suas atividades profissionais e quatro anos depois foram morar em Balneário Camboriú, no Litoral de SC.. Ao invés de ficar em frente à TV, Eulina decidiu não parar com a música, ao contrário, passou a viver ainda mais intensamente essa paixão. Passou a frequentar grupos da Terceira Idade, onde encontrou pessoas que estavam na mesma sintonia, e acabou criando grupos de dança e de seresta. Os “Seresteiros de Balneário Camboriú”, famoso grupo na cidade, reunia, uma vez por semana, mais de 20 cantores num repertório de músicas que ia de Pixinguinha a Chiquinha Gonzaga.

Lançamento de CDs

Lançamento do quarto CD: Uma Seresta com Eulina &Convidados
  • Lançamento do quarto CD: Uma Seresta com Eulina &Convidados (Fotos: FOTOS: ARQUIVO PESSOAL)

Aos 68 anos, Eulina lançou seu primeiro CD, “Na Onda da Terceira Idade”; com seis músicas de um compositor local. Dois anos depois, gravou o segundo CD, “Eulina na Melhor Idade”, com 12 canções do estilo seresta. A partir daí, ela tomou gosto pelas gravações e, aos 72 anos, lançou seu terceiro CD: “Eulina Silveira – Talentos de Santa Catarina”, onde fez um resgate da sua história e da musicalidade do Estado, enaltecendo as cidades onde viveu, entre elas Gaspar.

Aos 75 anos, a “Dama da Seresta Catarinense” lançou seu quarto CD, com o título “Uma Seresta com Eulina & Convidados, cujo projeto foi financiado pelo Governo do Estado. O CD resgata a seresta e serenatas de grandes compositores brasileiros. Ao lado de outros músicos, Eulina montou um espetáculo musical e se apresentou em seis cidades do estado, entre elas Gaspar, caracterizada com roupas da década de 1930.

Sempre bem vestida e perfumada, assim era Eulina
  • Sempre bem vestida e perfumada, assim era Eulina (Fotos: FOTOS: ARQUIVO PESSOAL)

Saúde debilitada

Nos últimos anos, embora com a idade avançada e a saúde um pouco debilitada, Eulina nunca parou de cantar. Ela nos deixou fazendo o que mais gostava. Seguidamente era vista cantando, juntamente com outros seresteiros, nas manhãs de sábado na Praça da Bíblia, ao lado Shopping Atlântico, em Balneário Camboriú. Alegre, inquieta, sempre bem vestida e perfumada, Eulina personificou o dito popular: “Quem canta todos os seus males espanta”. A despedida à Dama da Seresta Catarinense foi no crematório Vaticano, em Balneário Camboriú. Eulina deixou três filhos, quatro netos e cinco bisnetos, e um legado cultural importante para Santa Catarina, provando que música é atemporal e que é possível recomeçar independente da idade. 

A diretoria do Jornal Metas e seus colaboradores se solidarizam com a família de Eulina Ladewig

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  • Com o cantor Jair Rodrigues (FOTOS: ARQUIVO PESSOAL)

  • Em apresentação no Ginásio João dos Santos, em Gaspar (FOTOS: ARQUIVO PESSOAL)

  • Em 2003, na Marejada, em Itajaí (FOTOS: ARQUIVO PESSOAL)

  • Em Córdoba, na Argentina, recebendo troféu ao lado da amiga Aureni (FOTOS: ARQUIVO PESSOAL)

  • Em 2009, seresta na Praça Higino Pio, em Balneário Camboriú (FOTOS: ARQUIVO PESSOAL)

  • Ao lado do marido Celso, na celebração de Bodas de Ouro (FOTOS: ARQUIVO PESSOAL)

  • Lançamento do quarto CD: Uma Seresta com Eulina & Convidados (FOTOS: ARQUIVO PESSOAL)

  • Endo, Fábio, Eulina e Adélio (FOTOS: ARQUIVO PESSOAL)

  • Capa de um dos seus CDs (FOTOS: ARQUIVO PESSOAL)

  • Com um grupo de cantores do RS (FOTOS: ARQUIVO PESSOAL)

  • Homenagem recebida (FOTOS: ARQUIVO PESSOAL)

  • Sempre bem vestida e perfumada, assim era Eulina (FOTOS: ARQUIVO PESSOAL)

  • Com amigos, após mais um dia de cantorias (FOTOS: ARQUIVO PESSOAL)

  • Com os seresteiros em Blumenau (FOTOS: ARQUIVO PESSOAL)

  • Em 1988, com o marido Celso logo após a aposentadoria (FOTOS: ARQUIVO PESSOAL)

  • Eulina viveu boa parte da vida para a música (ARQUIVO PESSOAL)

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