Reportagem conversou com a vítima, que deu mais detalhes da abordagem policial

A Polícia Militar de Santa Catarina emitiu nesta segunda-feira, dia 1º, uma nota onde informa que será aberto um Inquérito Policial Militar (IPM) para apurar as circunstâncias da abordagem a um casal e uma criança na cidade de Lages, na noite de quinta-feira, dia 28. A mulher, de 43 anos, que trabalha como Neuropsicopedagoga, estava acompanhada do namorado e do filho, de 10 anos, portador do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Em um post, em sua rede social, a mãe afirma que sem motivo aparente ela e as pessoas que a acompanhavam foram vítimas de uma “abordagem policial extremamente violenta e desumana”.

Segundo ela, a sua única preocupação era com o filho que não conseguia entender o que estava ocorrendo. “Como explicar a ele que deveria descer do carro com as mãos na cabeça?”, questiona. Ela afirmou que o veículo que eles estavam tem o adesivo de autista. Mesmo assim, os policiais não teriam aceitado o argumento. “Eu implorei e expliquei a situação dele (filho), e os policiais me falando que isso não interessava”, relembra a mãe.

Na nota, a PM de Santa Catarina esclarece que desde 2021 adota o protocolo específico que trata procedimentos para abordagem de pessoas com TEA. Confira, abaixo, a nota na íntegra:

"O Centro de Comunicação Social da Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC) vem através desta, esclarecer que em face das circunstâncias relatadas o Comando-Geral tomou conhecimento da ocorrência de abordagem à veículo automotor no bairro Santa Monica, cidade de Lages, ocorrida na noite de quinta-feira, 28, por volta das 20h30, envolvendo um casal e um adolescente com Transtorno do Espectro Autista (TEA), durante policiamento ostensivo, e determinou a instauração de Inquérito Policial Militar para esclarecimento dos fatos.
Oportunamente, a PMSC desde 2021, adota protocolo específico que trata procedimentos para abordagem de pessoas com TEA, Nota de Instrução n° 003/PMSC/2021, a fim de preservar a segurança de todos os envolvidos, bem como capacitar e conscientizar seus integrantes sobre a temática.

" – Polícia Militar de Santa Catarina

Os fatos

A reportagem do Jornal Metas conversou, por telefone, com a mãe e preferiu não revelar o seu nome para preservar a criança de qualquer identificação.

Ela conta que ainda sente algumas dores físicas, consequência da forma como ocorreu a abordagem dos policiais que fazem parte do grupamento da ROCAM de Lages. De acordo com a mãe, eram cinco policiais em quatro motos e realizaram a abordagem na BR-116, que é uma rodovia federal. Dois deles fizeram a abordagem e os demais ficaram apenas observando. “Me machucaram muito no pescoço, minha língua ainda está toda machucada”, revela.

Segundo a versão da mãe, tudo começou quando os policiais abordaram o veículo que eles estavam. Com armas nas mãos, os PMs determinaram que ela, o namorado e o filho descessem do veículo com as mãos na cabeça. Ela então teria tentado explicar a condição de autista do menino, porém, os policiais foram irredutíveis.

Daí para frente teria se estabelecido um clima de animosidade entre os PMs e a mãe, que tentou fazer uma ligação telefônica. “Eles arrancaram o celular da minha mão, me deram um mata-leão, quase morri, pois fiquei sem ar, quando o policial percebeu que eu estava quase desmaiando me soltou, mas depois me pegou pelo pescoço, me jogou no chão de bruços e ficou com os joelhos nas minhas costas, por fim, me algemou”, descreve a mãe, ainda bastante abalada emocionalemente. "Eu perguntei a eles porque estavam agindo daquela maneira", acrescenta.

Ela relata ainda que o namorado pediu aos policiais que se acalmassem, porém, eles mandaram que calasse a boca porque a mulher estava recebendo o que merecia. Os policiais ainda a teriam chamado de “idiota” e outras palavras ofensivas. “Neste momento eu respondi e disse que idiota eram eles. Eu estava no chão e algemada, mesmo assim recebi spray de pimenta no rosto; o meu namorado foi dizer para eles não fazerem isso e também levou spray de pimenta”, recorda a mãe. Os policiais ainda teriam dito que tudo aquilo estava ocorrendo era por culpa dela.

“Eles nos coagiram a dizer que a abordagem havia sido correta, meu namorado teve que admitir senão eles não iriam tirar a algema de mim e nos liberar”, denuncia a mulher. Os policiais então liberaram o casal e o menino e foram embora, sem antes mandar que mãe e namorado assinassem um Termo Circunstanciado (TC). Durante toda a abordagem, o menino permaneceu dentro do veículo da família.

Mais tarde, mãe e namorado foram até a delegacia para registrar a ocorrência, mas, segundo ela, o atendimento não foi o esperado. "Fomos muito mal tratados", aponta.  

No dia seguinte, o casal foi até o IML onde fez exame de corpo delito e depois ao Ministério Público de Lages, para denunciar os policiais. Eles já constituíram advogado e vão mover uma ação contra os policiais e a PMSC. “Vamos pedir uma investigação rigorosa pela Corregedoria da PMSC e o afastamento desses policiais”, diz o namorado.

No post, publicado em sua rede social, a mãe afirma:

“Tentei explicar a situação do meu filho, mas não fui ouvida. Em vez de compreensão, recebemos truculência”

“A polícia, que deveria nos proteger, nos tratou como inimigos. Isso não é normal, não é correto e não pode ser silenciado. Violência nunca será sinônimo de justiça”.


"Hoje falo em nome de tantas famílias que passam por situações semelhantes e sofrem caladas. Que haja treinamento, respeito, empatia e humanidade nas abordagens. Somos cidadãos, somos famílias, somos pessoas que merecem dignidade”.