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Violência contra a mulher (Fotos: Freepik)
Embora novas iniciativas governamentais venham sendo implantadas, a sociedade ainda não encara com a devida relevância um cenário que vem apresentando aumento no número de casos
O feminicídio e a violência contra a mulher são problemas que continuam a crescer no Brasil e no mundo, deixando um rastro de dor, indignação e vidas interrompidas. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), 140 mulheres e meninas são assassinadas todos os dias no planeta — uma morte a cada dez minutos. Apenas em 2023, 3.897 mulheres foram vítimas de femicídio ou feminicídio em 27 países e territórios da América Latina e do Caribe. Isso representa, na região, ao menos 11 mortes violentas de mulheres por razões de gênero todos os dias.
No Brasil, a realidade é igualmente devastadora. Segundo o Mapa da Segurança Pública de 2025, quatro mulheres são assassinadas por dia no Brasil. Em 2024, o número de vítimas chegou a 1.459 - um aumento de 0,69% em relação a 2023, quando houve 1.449 casos. A taxa, de 1,34 feminicídio para cada 100 mil mulheres se mantém pelo segundo ano consecutivo. Desde 2020, os números mostram uma tendência preocupante: 1.355 casos naquele ano, 1.359 em 2021, 1.451 em 2022, 1.449 em 2023 e 1.459 em 2024.
Mesmo em estados onde houve queda, o cenário ainda é grave. Santa Catarina registrou uma redução de aproximadamente 12% entre 2019 e 2024, segundo a Secretaria de Segurança Pública. No período, foram 335 feminicídios - uma média de 56 por ano, ou praticamente um por semana. Joinville lidera o ranking com 19 casos, seguida por Chapecó (16), Florianópolis (14) e Blumenau (13). Mas o feminicídio é apenas a face mais extrema da violência contra a mulher. Entre 2019 e 2024, o Observatório da Violência Contra a Mulher de Santa Catarina registrou cerca de 364 mil ocorrências - média de 199,64 casos por dia, ou 8,31 por hora. Nesse mesmo intervalo, foram contabilizados 2.812 estupros e 80.905 casos de lesão corporal dolosa, quando há intenção de ferir.
Os números mostram que o perigo, muitas vezes, vem de dentro do próprio lar. Pesquisa do Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgada em março de 2025, revela que mais de 21 milhões de brasileiras — 37,5% das mulheres do país - sofreram algum tipo de agressão nos últimos 12 meses, o maior índice desde o início da série histórica em 2017 e 8,6 pontos percentuais acima do levantamento anterior, em 2023. O estudo aponta ainda que 5,3 milhões de mulheres (10,7% da população feminina) relataram ter sofrido abuso sexual ou terem sido forçadas a manter relações contra a própria vontade no último ano - ou seja, uma a cada dez brasileiras. O percentual de mulheres que sofreram violência ao longo da vida por parceiro ou ex-parceiro no Brasil é de 32,4%, acima da média global, de 27%, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Avanços e mudanças

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No último dia 12, o Governo de SC lançou o Plano Estadual de Combate à Violência contra a Mulher (Fotos: Richard Casa/GVG)
Desde 2006, as brasileiras contam com a Lei Maria da Penha, marco no combate à violência doméstica e familiar, que estabelece mecanismos de proteção e punição aos agressores, incluindo medidas protetivas de urgência. A lei leva o nome de Maria da Penha Maia Fernandes, farmacêutica que ficou paraplégica após ser baleada pelo marido e que se tornou símbolo de luta contra esse tipo de violência. Em 2024, o texto legal passou por mudanças significativas com a entrada em vigor da Lei nº 14.994, conhecida como Lei Anti-Feminicídio, que tornou mais rigorosa a punição aos criminosos.
Principais alterações:
Feminicídio como crime autônomo — Antes uma qualificadora do homicídio, agora é considerado crime independente, com pena de 20 a 40 anos (antes, 12 a 30).
Aumento da pena para lesão corporal — Passou de 1 a 4 anos para 2 a 5 anos de reclusão.
Crimes contra a honra com pena agravada — Injúria, calúnia e difamação contra mulheres em contexto de violência doméstica têm penas dobradas.
Ameaça sem necessidade de representação — A vítima não precisa mais formalizar queixa para que o agressor seja processado, e a pena é agravada.
Descumprimento de medida protetiva — Pena ampliada de 3 meses a 2 anos para 2 a 5 anos de reclusão, além de multa.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também consolidou o entendimento de que a lei se aplica a mulheres transexuais, reforçando a proteção a todas, independentemente da identidade de gênero.
Novas iniciativas

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Agosto Lilás (Fotos: Divulgação/CVG)
Em 2021, a Câmara de Vereadores de Gaspar criou a Procuradoria da Mulher, com o objetivo de orientar e encaminhar denúncias. As vereadoras Alyne Serafim, Elisete Antunes, Mara Lúcia e Sandra Hostins, atual presidente, fazem o acolhimento inicial e dão seguimento aos casos.
Diante do aumento das ocorrências, a bancada feminina protocolou o Projeto de Lei nº 58/2025, que cria o Programa Municipal de Acompanhamento Psicossocial de Agressores em Contexto de Violência Doméstica e Familiar, com base na Lei Maria da Penha. “O objetivo é ir à raiz do problema, buscando mudança de comportamento para prevenir novos crimes e proteger mulheres e famílias da violência”, explica Sandra.
No âmbito estadual, o governo lançou nesta terça-feira, 12, em Florianópolis, o Plano Estadual de Combate à Violência contra a Mulher, com ações previstas de 2025 a 2035. A medida marca um compromisso de longo prazo com a ampliação e qualificação das políticas públicas de enfrentamento à violência de gênero no estado.
Gaspar será um dos 26 municípios a receber uma nova Unidade de Polícia da Criança, Adolescente e Proteção à Mulher, anunciada pelo governador. A unidade funcionará na Delegacia de Polícia, e visa oferecer um atendimento mais humanizado. O Delegado Filipe Martins explica que ter esta unidade em Gaspar vai facilitar o atendiment. “Vai propiciar celeridade muito maior aos processos de resolução dos casos e trazer um conforto ainda maior para que as mulheres nos procurem e façam as denúncias, pois as vítimas estarão sendo atendidas diretamente por policias mulheres. Hoje nós atuamos como clínicos gerais, atuando em todo tipo de caso. Então ter essa separação vai trazer muitos benefícios para Gaspar”.
Casos recentes em Gaspar

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Filipe Martis, Delegado da Polícia da Comarca de Gaspar/Ilhota (Fotos: Divulgação)
""Os números estatísticos demonstram estarmos diante de uma cidade extremamente segura, não só para mulheres, mas para todos os cidadãos.”" – Filipe Martis: Delegado da Polícia da Comarca de Gaspar/Ilhota
A cidade de Gaspar foi palco, em 4 de agosto, de um caso que chocou a comunidade. Dalva Paterno, de 56 anos, foi assassinada pelo ex-marido, Antônio Marcos da Silva, também de 56. Após anos de relacionamento abusivo e diversas ameaças, Dalva buscou medidas protetivas, registrou boletins de ocorrência e até ajudou o agressor a ter um local para morar, na tentativa de manter distância. Nada disso foi suficiente para impedir o crime.
Na tarde do assassinato, Dalva estava com a neta de 8 anos quando foi agredida com um utensílio doméstico e, em seguida, golpeada com uma picareta. Antônio Marcos fugiu, deixando a criança na casa. Foi a neta mais velha, de 15 anos, quem encontrou o corpo e chamou a polícia. “Eles sempre tiveram muitas brigas e discussões. Depois que crescemos, nós conseguíamos apartar e sempre incentivamos a nossa mãe pedir o divórcio e se afastar dele. Todos sabíamos que não era bom para ela”, relembra Tatiana Paterno da Silva, filha de Dalva.
Menos de uma semana depois, em 10 de agosto, outro episódio grave ocorreu: um homem tentou matar a companheira e o filho com facadas e arma de fogo. Ele foi preso no mesmo dia, após fuga para uma área de mata. Neste caso, houve desfecho positivo com a prisão, mas nem sempre é assim.
Segundo o Observatório da Violência Contra a Mulher, Gaspar registrou, em 2024, 546 ocorrências envolvendo violência contra mulheres — sendo 324 ameaças, cerca de 170 lesões corporais dolosas, 51 agressões físicas sem lesão e um estupro. Em 2025, até o momento, já são 304 casos: 169 ameaças, 110 lesões corporais, 20 agressões físicas sem lesão e cinco estupros. A idade média das vítimas é de 35,69 anos.
Segundo dados da Polícia Civil, até o dia 12 de agosto deste ano foram registrados 246 boletins de ocorrência envolvendo violência doméstica e 160 pedidos de medidas protetivas. Apesar dos números, o Delegado de Polícia Civil da Comarca de Gaspar e Ilhota, Filipe Martins, Gaspar é um lugar seguro para as mulheres. “Os números estatísticos demonstram estarmos diante de uma cidade extremamente segura, não só para as mulheres, mas para todos os cidadãos. Os fatos que aconteceram nos últimos dias envolvendo casos de feminicídio não retratam a maioria, eles retratam uma exceção. Na grande maioria dos casos, os instrumentos legais, como o inquérito, as medidas protetivas e depois a responsabilização judicial,, resolvem os problemas. Somente em casos excepcionalíssimos que lei, infelizmente não consegue proteger. Mas até nesses momentos a Polícia Civil atua de forma séria para devida responsabilização”, explica Filipe.
Segundo o Delegado, a Polícia Civil tem trabalhado cada vez mais na conscientização das mulheres no município para mostrar a importância da denúncia.“Nosso principal trabalho para reverter esses números é conscientizar as mulheres que eles precisam denunciar. Então nós temos ido em escolas, empresas, mostrando para as mulheres como funciona o atendimento primário, como os processos se desenvolvem, o que é feito após a denúncia. Tudo isso para mostrar que a Polícia Civil vai trabalhar pela segurança da mulher em cada etapa”, esclarece.
Como pedir ajuda
A Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 é um serviço de utilidade pública essencial para o enfrentamento à violência contra as mulheres. A ligação é gratuita e o serviço funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana.
O Ligue 180 presta os seguintes atendimentos:
Orientação sobre leis, direitos das mulheres e serviços da rede de atendimento (Casa da Mulher Brasileira, Centros de Referências, Delegacias de Atendimento à Mulher (Deam), Defensorias Públicas, Núcleos Integrados de Atendimento às Mulheres, entre outros.;
Informações sobre a localidade dos serviços especializados da rede de atendimento;
Registro e encaminhamento de denúncias aos órgãos competentes;
Registro de reclamações e elogios sobre os atendimentos prestados pelos serviços da rede de atendimento.
É possível fazer a ligação de qualquer lugar do Brasil ou acionar o canal via chat no Whatsapp (61) 9610-0180. Em casos de emergência, deve ser acionada a Polícia Militar, por meio do 190.

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Ligue 180 (Fotos: Divulgação)
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No último dia 12, o Governo de SC lançou o Plano Estadual de Combate à Violência contra a Mulher (Richard Casa/GVG)
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Agosto Lilás (Divulgação/CVG)
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Ligue 180 (Divulgação)
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Delegacia de Gaspar (Divulgação)
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Filipe Martis, Delegado da Polícia da Comarca de Gaspar/Ilhota (Divulgação)
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