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A limpeza de valas junto às plantações é um dos trabalhos executados pela Patrulha Mecanizada (Fotos: ARQUIVO PREFEITURA DE GASPAR)
Débitos foram identificados após interferência do Ministério Público por informações não prestadas pela administração anterior
Desde o mês passado, a Prefeitura de Gaspar, por meio da Secretaria Municipal de Agricultura e Aquicultura, vem chamando alguns produtores rurais do município para comunicá-los de pagamentos em aberto pelos serviços executados em suas propriedades, conhecido também como Patrulha Mecanizada, durante o governo anterior.
Segundo o que apurou o Jornal Metas, os serviços eram executados nas propriedades rurais com máquinas e equipamentos públicos, porém, a Secretaria Municipal de Agricultura e Aquicultura deixou de emitir os boletos de cobrança. Intimada pelo Ministério Público de Santa Catarina em junho deste ano, a Secretaria realizou uma revisão de valores e verificou que haviam débitos.
Somente no período de 2019 a 2024, num cálculo aproximado, deixaram de entrar nos cofres da Prefeitura mais de R$ 800 mil relativos aos serviços de Patrulha Mecanizada. Em valores atualizados, segundo a Prefeitura de Gaspar, a dívida hoje está em R$ 537.711,49, isto porque alguns agricultores já quitaram seus débitos.
Outros, porém, questionam valores, que inclui multa, juros e até a falta de um desconto de 0,5% sobre o serviço devido, previsto no inciso 1º do Artigo 2º da lei, para os agricultores que emitem nota fiscal tendo como base as notas e contranotas do ano anterior.
A Patrulha Mecanizada é regulamentada em Gaspar pela Lei Municipal Complementar número 50, de 2 de Maio de 2011. Os serviços rurais prestados pelo município a terceiros são aqueles realizados com máquinas e equipamentos agrícolas da Secretaria Municipal de Agricultura e Aquicultura. Esses serviços vão desde a limpeza de valas, lagoas, patrolamento de estradas particulares, transporte de calcário até inseminação artificial. Os produtores pagam por esse serviço.
A cobrança de dívida de anos anteriores, porém, pegou muitos agricultores de surpresa, que buscaram mais informações junto à Secretaria Municipal de Agricultura e Aquicultura e Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural (CMDR). Na última reunião do CMDR, no dia 7 de julho, o assunto foi pauta, trazido pelo vice-presidente, Mathieu Putallaz, rizicultor no Bairro Santa Terezinha, o que gerou uma carta divulgada pelo Conselho no começo desta semana. Nela, o CMDR esclarece que a Secretaria da Agricultura e Aquicultura tem por obrigação apresentar as contas anualmente ao Conselho, mas nada foi apresentado nos dois últimos anos do governo anterior. O Conselho afirmou ainda que nenhum agricultor ou aquicultor se negou a pagar os serviços prestados. “Muito pelo contrário, buscaram na Secretaria da Agricultura e Aquicultura informações sobre suas pendências e as informações recebidas, até o final de 2024, eram que estava tudo certo”, revelou.
O curioso é que a lei determina que nenhum agricultor com débito junto à Prefeitura pode receber os serviços da Patrulha Mecanizada enquanto não quitar a pendência. Mesmo assim, os agricultores continuaram recebendo os serviços municipais, o que comprova a afirmação do Conselho de que até o final do ano passado não havia nenhum agricultor com pendências financeiras relativas a Patrulha Mecanizada.
Outra questão levantada que precisa ser melhor esclarecida é o fato de alguns produtores rurais teriam feito acordos com a Secretaria de Agricultura e Aquicultura, para que os serviços executados de Patrulha Mecanizada fossem pagos por serviços ou produtos fornecidos pelos agricultores à Prefeitura. “Acordos feitos deveriam ser respeitados (gera incredibilidade)”, pontua a carta do CMDR. Há, ainda, uma série de comprovantes de serviços executados pela Patrulha Mecanizada, mas sem a assinatura do produtor rural, o que juridicamente não tem valor. Mesmo assim, a Prefeitura estaria cobrando esses valores, bem como não estaria concedendo o desconto de 0,5% sobre o valor total da nota fiscal emitida.
O Conselho lembrou ainda que de acordo com a lei, a Secretaria de Agricultura e Aquicultura tem o prazo máximo de 30 dias para emitir os boletos, e as dívidas datam de mais de um ano. “Temos de fazer um levantamento de quanto é realmente este valor que está sendo cobrado. Quem são os devedores e o que juntos podemos fazer para resolver da melhor forma possível essa situação”, encerra a carta do CMDR.
A reportagem conversou com a presidente do CMDR, a piscicultora Ofélia Campigotto, que preferiu manter como única manifestação a carta emitida pelo Conselho. No entanto, ela lamentou a situação e disse que, como presidente do Conselho, gostaria de estar discutindo outras questões. Ela revelou que o CMDR aguarda a confirmação de um pedido de audiência com área jurídica da Prefeitura para que, juntos, encontrem uma solução para a quitação dos débitos. “Talvez, um REFIS, uma renegociação de dívida, seja uma boa saída”, sugeriu.
A reportagem também entrou em contato com a Prefeitura, que se manifestou por meio de nota publicada no site oficial do governo na tarde desta terça-feira (12). Nela, explica que foi acionada pela 4ª Promotoria de Justiça da Comarca de Gaspar em junho de 2025, visando atender a um requerimento de informação protocolado na Promotoria no ano de 2024. “O pedido buscava esclarecimentos junto ao município acerca da Secretaria de Agricultura e Aquicultura, especificamente quanto ao atendimento da Patrulha Mecanizada no período de 2019 a 2024".
A Prefeitura esclarece ainda que as informações foram encaminhadas ao Ministério Público de Santa Catarina (MPSC),porém, durante a análise da documentação foram constatados débitos em aberto e, conforme determina a legislação vigente, estão sendo adotadas as medidas cabíveis para a regularização. A nota finaliza informando que a Procuradoria Municipal continuará adotando todas as medidas cabíveis para apurar eventuais responsabilidades, assegurando o pleno cumprimento da lei.
Entenda o caso
Em janeiro de 2024, um pedido de informações à Secretaria de Agricultura e Aquicultura do município foi feito pelo ex-prefeito e hoje veterinário Adilson Luís Schmitt. Na condição de cidadão, ele solicitou, via ouvidoria, cópias dos protocolos de todas as solicitações de equipamentos/implementos e serviços de patrulha mecanizada de 2019 a 2024; além da relação das horas trabalhadas, com os devidos comprovantes preenchidos pelo servidor público que realizou o serviço; relação de produtores rurais atendidos; valores devidos e comprovação dos pagamentos na referida conta bancária da Secretaria, ou então que fosse indicada qual conta bancária ocorreu a arrecadação destes valores e quais despesas ou investimentos foram realizados.
Adilson requereu ainda a relação dos produtores rurais inadimplentes com a Patrulha Mecanizada e cópia do decreto de nomeação dos membros do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural, bem como das atas das referidas reuniões e listas de presença; relação dos produtores rurais que foram beneficiados pelo desconto de 0,5%, quando da utilização dos serviços de patrulha mecanizada.
A Secretaria de Agricultura e Aquicultura não respondeu a nenhum dos questionamentos. Em abril de 2024, Adilson procurou então a 4ª Promotoria do Ministério Público da Comarca de Gaspar, onde fez uma denúncia pelo fato de não ter sido atendido pela Prefeitura no seu pedido de informações. O MP intimou o então prefeito, Kleber Wan-Dall, a apresentar a documentação, responder aos questionamentos e explicar o motivo da administração municipal não ter respondido aos questionamentos. No final de agosto, o MP instaurou um inquérito civil e novamente intimou o prefeito Kleber. A resposta veio somente em outubro.
Em junho deste ano, em novo despacho, o MP considerou insuficientes as respostas dadas pelo governo anterior. A promotora Rafaela Viera Bergamnn escreveu: “Analisando a resposta apresentada pelo Município de Gaspar, verifica-se que somente encaminhou a documentação requerida pelo munícipe, cuja omissão em fornecer deu origem ao presente procedimento. Todavia, nada mencionou sobre o fornecimento de tais documentos ao requerente ou justificativa para assim não fazer... Em razão disso, determino a expedição de ofício ao Município de Gaspar para que, no prazo de 30 (trinta) dias, preste informações acerca do encaminhamento dado ao Protocolo Externo 2024/4105, bem como comprove que a documentação requerida pelo munícipe Adilson Luís Schmitt lhe foi disponibilizada, indicando a(s) justificativa(s) em caso de não fornecimento”.
Ao receber a intimação, a atual administração procurou se inteirar do assunto e se deparou com os débitos em aberto dos produtores rurais, passando então a realizar a cobrança.
A reportagem procurou os três secretários que ocuparam a pasta da Secretaria de Agricultura e Aquicultura no período de 2019 a 2024: André Waltrick, Cleverson Ferreira e Djontathan Gonçalves Custódio. Apenas Djontathan, que ficou pouco tempo à frente da pasta, respondeu aos questionamentos. “Todos os serviços de Patrulha Mecanizada que foram realizados seguiam o fluxo padrão de atendimento que já estava funcionando, que basicamente era o seguinte: eram realizados os serviços, o operador de máquina anotava quantas horas foram gastas, faziam um papel o qual o agricultor assinava e chamávamos o agricultor na secretaria para emitir o boleto de cobrança”, afirmou. Djontathan também comentou que por ter uma equipe, o secretário não está encarregado de realizar esse processo. “Se alguma coisa deixou de ser cobrada foge do meu conhecimento”, admitiu. Cleverson disse que iria se inteirar melhor do assunto e Waltrick não se manifestou. Adilson Luis Schmitt também foi procurado, mas preferiu não se manifestar nesta reportagem. O espaço segue aberto para os citados.
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