Na retomada da rotina, os limites físicos aproximaram ainda mais mãe e filhas

A maternidade é um desejo de grande parte das mulheres, seja pela vontade de constituir uma família e dar continuidade à linhagem ou pela experiência do tão comentado “amor incondicional de mãe”. Portanto, motivos não faltam.

Porém, o tema da maternidade vem acompanhada de outras questões polêmicas e que ainda geram tabus em relação a mulheres mães com deficiência, pois vira e mexe e tem sempre a pergunta no ar: “- Será que ela vai dar conta de cuidar de uma criança?”

Silvana e suas três Anas: Ana Carolina, Ana Clara e Ana Cecília
  • Silvana e suas três Anas: Ana Carolina, Ana Clara e Ana Cecília (Fotos: MALU MAFRA)

Agora, imagine de três filhas. É o caso da gasparense Silvana Santos, 37 anos, que em 2023 precisou amputar braços e pernas por conta de uma grave infecção generalizada. Hoje, recuperada ela vive um novo momento na sua vida. O dia a dia corrido, onde ela era dona de um petshop em Gaspar, ficou para trás. Silvana é agora mãe em tempo integral, vive para as suas três filhas. O marido a abandonou um mês depois dela deixar o hospital, por isso ainda precisou assumir o papel também de pai.

A primogênita, Ana Carolina, fruto do primeiro casamento, hoje com 20 anos, não mora mais com Silvana, mas nem por isso deixa de receber carinho, atenção e afeto. Já as outras duas Anas - Ana Clara, de 3 anos, e Ana Cecília, de 4 anos, precisam e muito ainda do amor de mãe, e Silvana faz de tudo para que essa relação seja a mais normal possível. “A gente precisa provar o tempo todo que consegue cuidar dos filhos”, admite Silvana. Ela conta que, no início, as dores eram muito fortes, consequência das amputações, mas aos poucos as dores foram passando e ela conseguiu se adaptar à falta dos membros. Hoje já consegue, por exemplo, trocar a fralda da filha.

Silvana com as três filhas e a mãe Raquel
  • Silvana com as três filhas e a mãe Raquel (Fotos: MALU MAFRA)

Silvana somente evita mexer em tarefas no fogão, como preparar uma mamadeira ou a comida, mas, em breve, quando colocar as próteses vai conseguir executar também essas e outras tarefas (Silvana está em campanha para arrecadar dinheiro para a compra das próteses). Ela também conta com a ajuda das próprias filhas, para que as tarefas possam ser executadas. “Elas se tornaram mais independentes apesar da pouca idade, e aprenderam muito cedo a comer sozinhas”, revela a mãe. Em contrapartida, Silvana faz coisas hoje para e com as filhas que antes lhe faltava tempo, como ler histórias infantis.

“Antes, eu dava um valor muito grande ao meu trabalho, hoje eu sou 100% mãe, focada nas minhas Anas. Poder acompanhá-las em tempo integral é fantástico. Essa é a minha maior motivação de viver”, diz Silvana, que faz questão de destacar que nunca deixou de ser mãe. “Eu amo ser mãe, curti muito todas as minhas gravidezes, mas precisava dividir essa dádiva de Deus com o trabalho no petshop, hoje não”.
Até 2023, a rotina de Silvana era acordar às 6 horas da manhã e uma hora depois já estava saindo de casa para levar as duas filhas menores para as creches, pois cada uma ficava num local diferente de Gaspar. Por volta das 11 horas, novamente pegava as crianças e as levava para outra creche, porque o CDI não era em tempo integral. Por volta das 17 horas, ela ia buscar as meninas e as levava para casa, muitas vezes retornava para o petshop e lá permanecia até às 22h. “Na época, a Ana Clara era um bebê e nem caminhava”, recorda Silvana. Algumas vezes, era preciso levar as meninas para o trabalho e aí era uma loucura. “Com um pé eu empurrava um carrinho, com uma das mãos o outro carrinho e com a outra escovava o pelo do cão”, relembra.

Silvana: "é preciso sempre provar que se é capaz de cuidar dos filhos"
  • Silvana: "é preciso sempre provar que se é capaz de cuidar dos filhos" (Fotos: MALU MAFRA)

Silvana acredita que somente sobreviveu por causa das filhas. “Eu pedia a Deus para não me levar, porque eu queria criar as minhas filhas, vê-las crescer, casar e ter filhos. Deus atendeu esse meu pedido”, revela. E quando teve as mãos e pernas amputados, ela nunca teve dúvida que conseguiria dar conta das filhas, embora todos os prognósticos contrários. “Claro que eu tenho a ajuda da minha família no cuidado com as minhas filhas, mas eu sou mãe e esse é hoje o meu propósito de vida”, acrescenta.

Enquanto Silvana esteve na UTI, entre a vida e a morte, a sua pressão arterial caia bastante. Um enfermeiro pediu então a uma pessoa da família que gravasse as meninas chamando pela mãe. “O relato é que quando eles colocavam a gravação no meu ouvido, a minha pressão normalizava”, revela Silvava. Por isso, ela credita às filhas o fato de estar viva. “Eu somente sobrevivi por causa delas e por elas. Eu queria muito continuar a ser mãe e sinto que elas precisam muito de mim”, observa.

Por coincidência, Silvana reencontrou as filhas no Dia das Mães de 2023, depois de vários dias de internação e incertezas. “A minha infecção ainda era generalizada e as visitas eram bastante restritas, mas naquele Dia das Mães o hospital permitiu a entrada das meninas. Foi uma visita surpresa. Eu estava toda coberta de ataduras, ainda não haviam amputado minhas pernas e mãos. Foi muito difícil para as minhas filhas me verem daquele jeito, elas evitavam chegar perto de mim e me abraçar com receio de me machucar mais ainda, porém, aos poucos elas foram se aproximando e foi realmente um momento incrível que eu nunca mais esquecerei”, recorda.

Hoje, Silvana entende que a limitação está de fato no emocional da pessoa, por isso aconselha as mães que têm alguma deficiência a manterem a calma, mente sã, paciência e evitar a ansiedade. “Assim, elas vão conseguir pensar em adaptações, como a munhequeira que eu uso para dar comida às minhas filhas. Na verdade, eu implorei aos médicos que não amputassem as minhas mãos, porque eu as queria para continuar abraçando as minhas filhas, mas não foi possível. Mas, eu me adaptei e hoje eu abraço as meninas com os braços. Por isso, eu digo, tudo é adaptação. Manter a calma, mente são, psicológico equilibrado, porque o resto a gente dá conta, afinal somos mulheres e, acima de tudo, mães”, finaliza, emocionada, Silvana.

O amor incondicional da mãe mesmo diante das dificuldades
  • O amor incondicional da mãe mesmo diante das dificuldades (Fotos: MALU MAFRA)