Finados em Gaspar: tradição e saudade florescem entre os jazigos, mesmo sem as flores
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Euclides Raulino estava limpando os túmulos da esposa e sogro (Fotos: Daniel Nogueira)
Normas municipais visam saúde pública, mas dividem opiniões ao alterar a tradição de homenagens nos cemitérios
Daniel Nogueira
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O Dia de Finados, celebrado em 2 de novembro, é uma data marcada pela saudade e pelo afeto das famílias que visitam cemitérios em memória dos entes queridos que já partiram. Em Gaspar, como em muitas cidades do Brasil, a tradição vai além da lembrança: é um dia de zelo, de preparativos, de reviver o vínculo familiar e cuidar dos jazigos onde aqueles que amamos repousam. Mas, enquanto os gasparenses mantêm a prática de limpeza e decoração dos túmulos, as normas impostas pela Prefeitura Municipal trouxeram novas questões ao costume: com o objetivo de evitar a proliferação do mosquito Aedes aegypti, a colocação de vasos e flores nos cemitérios municipais foi proibida.

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Cemitério Municipal do Bairro Santa Teresinha é o maior de Gaspar (Fotos: Daniel Nogueira)
Para famílias como a de Maria Salete Zendron, o Dia de Finados é uma oportunidade única de demonstrar o carinho que resta para os que já se foram. Salete visita o cemitério regularmente, carregando consigo não apenas as memórias, mas também o compromisso de manter o túmulo de sua família limpo e bem cuidado. “É o único carinho que podemos dar para quem já não está aqui. Limpar, deixar bonito, é uma forma de manter o respeito e o amor”. Salete lamenta a proibição de vasos e flores, uma decisão da qual discorda. “Tenho tantas flores guardadas, mas não posso colocá-las. O cemitério fica muito frio e vazio sem elas. Parece uma ‘selva de pedra’. Em outras cidades, como Blumenau e Joinville, isso é permitido; aqui, temos que nos privar de algo que traz vida para esse momento”, desabafa.
A questão da proibição, no entanto, gera opiniões divergentes. Miguel Cardoso, que também dedica-se a limpar o túmulo da família e manter viva a memória de seus parentes, acredita que as medidas da prefeitura são necessárias. Para ele, o cuidado com a saúde deve vir em primeiro lugar. “É claro que a saudade é grande, e essa data traz muitas lembranças. Mas se a proibição das flores é uma questão de saúde pública, acho que devemos respeitar. Já perdi todos os meus 11 irmãos e sou o único que sobrou para manter essa tradição de família. É meu dever, minha homenagem a eles”, efantiza.

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Com a proibição, familiares inovam nos vasos e flores (Fotos: Daniel Nogueira)
A Prefeitura Municipal reforçou, neste ano, não apenas a proibição de vasos e flores, mas também a orientação sobre o uso consciente da água. Lava-jatos estão vetados, e o uso de mangueiras deve ser restrito, em consideração ao uso coletivo dos pontos de água do cemitério. A recomendação é que as famílias utilizem baldes para a limpeza, contribuindo para o bom aproveitamento dos recursos e evitando disputas por água. A prefeitura disponibilizou também um horário especial de funcionamento do Cemitério Municipal no Dia de Finados, que estará aberto das 6h às 19h, com uma equipe de limpeza e roçada já mobilizada para o atendimento da data. Mais informações sobre normas e horários podem ser obtidas com a Diretoria do Cemitério Municipal pelo telefone (47) 3091-2024.
Missão familiar
Viviane da Trindade Silva é outra cidadã que mantém essa tradição. Ela, que herdou a tarefa dos pais, encara o cuidado com os túmulos como uma verdadeira missão familiar. “Sempre foi nossa responsabilidade deixar tudo limpo e bonito. Com as flores, o cemitério parecia mais alegre, mais vivo. Agora restam apenas as lembranças”. Viviane compartilha a mesma opinião de Salete sobre as restrições: acredita que, com os cuidados devidos, as flores poderiam ser mantidas no local sem prejudicar a saúde pública. “Minha família sempre tomou precauções. A dengue pode estar em qualquer lugar; basta nos protegermos”, alerta.
Para Euclides Raulino, que há 10 anos cuida do jazigo da família, as restrições são bem-vindas, desde que estejam ali para proteger a população. “Se é para o bem da nossa saúde, não vejo problemas. Estamos aqui para cuidar dos nossos, vivos ou mortos”, comenta. Ele lembra de quando ainda era acompanhado pela filha na tarefa, mas, com o tempo, passou a cumprir essa responsabilidade sozinho, como forma de honrar aqueles que já partiram.
Outro testemunho é de Lidia Zermiani, que desde 1965 visita o cemitério para cuidar dos túmulos dos pais e avós. Para ela, o carinho familiar transparece nessa dedicação ao espaço que abrigará, eternamente, as lembranças de quem se foi. Lidia expressa saudades das flores e acredita que a ausência delas tem afastado algumas pessoas da tradição de Finados. “Antes, o cemitério ficava colorido e cheio de vida. Agora, com as novas regras, muitos deixam de vir, pois parece que falta algo”, reflete.
O cemitério também conta com o trabalho de profissionais que garantem que tudo esteja limpo e organizado. Daniel Arrazão, que atua há 24 anos na manutenção dos jazigos para diversas famílias de Gaspar, descreve o impacto das restrições sobre seu trabalho: “Ao longo dos anos, senti uma grande melhora no atendimento no local. Mas, com a proibição das flores, o cemitério perdeu um pouco do que o tornava especial nessa época. Mesmo assim, faço meu trabalho com carinho, cuidando da memória dessas famílias”.

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Daniel limpa túmulos há 24 anos (Fotos: Daniel Nogueira)
Para aqueles que desejam, Gaspar também realizará missas em memória dos falecidos. As celebrações ocorrerão na Igreja Matriz São Pedro Apóstolo, às 8h e às 19h, e na comunidade Santo Antônio, às 9h30. A comunidade é convidada a participar das missas, em um momento de oração e reflexão, que visa aproximar os familiares das lembranças de quem se foi.
Em meio às lembranças e rituais de Finados, o ato de preservar os túmulos e honrar a memória daqueles que se foram ganha novas formas. Entre restrições e costumes, as famílias de Gaspar seguem fiéis à tradição, mostrando que, mesmo sem as flores, o respeito e a saudade florescem entre os jazigos.
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Cemitério Municipal do Bairro Santa Teresinha é o maior de Gaspar (Daniel Nogueira)
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Com a proibição, familiares inovam nos vasos e flores (Daniel Nogueira)
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Daniel limpa túmulos há 24 anos (Daniel Nogueira)
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