Alta de preços em alguns produtos e serviços poderão ser sentidos com o fim do benefício

A desoneração da folha de pagamento, implementada em 2011 e modificada várias vezes ao longo dos anos, está com os dias contados. Para ser mais preciso, o benefício a 17 setores da economia encerra no dia 31 de dezembro deste ano. A tentativa de ampliar até 2027 esbarrou no presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que vetou a prorrogação. A expectativa é que o Congresso Nacional derrube o veto presidencial. Enquanto isso não acontece, especulações, incertezas e cálculos são feitos pelas empresas impactadas com a medida. Os consumidores certamente vão ser afetados com alta de preços de alguns produtos, assim como o mercado de trabalho que poderá ver o fechamento de milhares de postos de trabalho.

Para entender melhor essa situação, é importante explicar que as empresas precisam pagar determinados tributos ao poder público. Entre eles, está a contribuição com a previdência social, conhecida informalmente como INSS patronal. Em 2011, o governo instituiu a desoneração da folha de pagamento por meio da Lei 12.546/11, beneficiando empresas de setores como hotelaria, vestuário, tecnologia da informação e construção civil. 

Tradicionalmente, uma empresa deve recolher 20% de sua folha de pagamento para a previdência. O valor é calculado segundo o regime tributário escolhido para o negócio. A desoneração da folha de pagamento foi introduzida como uma forma de impulsionar a economia por meio de medidas que reduzissem a carga tributária de alguns setores. A partir dessa medida, as empresas poderiam optar por pagar os tributos previdenciários de acordo com a receita bruta, o que é financeiramente vantajoso para alguns setores, como o do transporte. 

Em 2015, com a Lei 13.161, a legislação passou por modificações que ampliaram o seu alcance, já que mais segmentos de mercado passaram a ser contemplados. Além disso, foram feitos ajustes nas alíquotas.

Em 2021, a Lei 14.288 prorrogou a vigência da contribuição previdenciária sobre a receita bruta (CPRB) até 31 de dezembro de 2023. Ou seja, este é o último ano em que a medida será válida. A proposta de prorrogar o prazo foi rejeitada pelo presidente Lula, o que vem causando apreensão em empresas dos segmentos até então beneficiados, que são:

  • Calçados;
  • Call center;
  • Comunicação;
  • Confecção/vestuário;
  • Construção civil;
  • Couro;
  • Empresas de construção e obras de infraestrutura;
  • Fabricação de veículos e carrocerias;
  • Máquinas e equipamentos;
  • Proteína animal;
  • Têxtil;
  • Tecnologia da informação (TI);
  • Tecnologia de comunicação (TIC);
  • Projeto de circuitos integrados;
  • Transporte metroferroviário de passageiros;
  • Transporte rodoviário coletivo;
  • Transporte rodoviário de cargas.

Consequências negativas

De acordo com Alberto Procópio, sócio líder de trabalhista e previdenciário da Grant Thornton, "as empresas dos 17 setores afetados pela desoneração enfrentarão um grande desafio para planejar o seu futuro, pois não sabem qual será o seu custo com a previdência social. Essa incerteza pode afetar os investimentos, a competitividade e a manutenção dos empregos nessas indústrias."

Além disso, acredita o consultor, o fim da desoneração pode impactar os consumidores finais, que podem ter que arcar com o aumento dos preços de alguns serviços, como o transporte rodoviário de passageiros. Esse setor é um dos que mais se beneficiam da desoneração e que podem ter dificuldades para absorver o aumento do custo trabalhista.

Por outro lado, há quem defenda que a desoneração da folha de pagamento não é uma política eficaz para estimular o emprego e que beneficia setores que não são prioritários ou que reduziram suas vagas nos últimos anos. Nesse sentido, seria necessário rever os critérios para definir quais setores devem ser desonerados e qual é o impacto dessa medida na arrecadação e no equilíbrio das contas públicas.

Para Procópio, o ideal seria que houvesse um amplo debate entre o governo, o congresso, as empresas e a sociedade para encontrar uma solução que atenda às necessidades do país.

O ministro da Economia, Fernando Haddad, disse que, apesar do veto, o governo apresentará uma solução mais adequada, e que a questão será pacificada junto ao mercado.

Ele reiterou que o tema deve ser discutido após a aprovação da reforma tributária, com a definição das mudanças a serem aplicadas no Imposto de Renda e na Contribuição Social sobre Lucro Líquido. "Quando a desoneração foi feita, esperávamos contratação. Mas isso não aconteceu”, enfatizou Haddad. 

Não é o que pensam os representantes dos setores impactados com a desoneração da folha de pagamento. A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), por exemplo, afirmou que vai trabalhar junto aos deputados e senadores para a derrubada do veto, e que “não poupará esforços” para manter a alíquota diferenciada para o setor que representa.

“A desoneração da folha de pagamentos é de vital importância para a radiodifusão, setor que contribui de modo expressivo para a geração de empregos no Brasil. A Abert não poupará esforços para que o rádio e a TV tenham uma alíquota diferenciada, que garanta a preservação de vagas do setor”, afirmou o presidente da Abert, Flávio Lara Resende.

Veículos e construção civil

A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) disse que, para o setor automotivo, a desoneração da folha de pagamento é uma “medida de baixo impacto”. No entanto, acrescenta que “defende e apoia todas as medidas que combatam os elementos do Custo Brasil, que tanto prejudica o crescimento do nosso mercado interno, quanto a competitividade de nossas exportações”.

Já o setor de construção civil reclama que será diretamente afetado pelo veto presidencial. O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Renato Correia, disse “lamentar” o veto, que “implicará diretamente na redução de postos de trabalho”, indo na contramão da necessidade do país de geração de emprego.

A CBIC avalia que há uma expectativa de que o Congresso Nacional derrube o veto, diante da importância e do impacto da medida para a geração de emprego. “Nosso setor trabalha com ciclos de produção e planejamento de longo prazo. É danoso para o setor que uma obra seja iniciada considerando uma forma de contribuição e no meio do processo precise considerar um novo formato”.

Ao contrário do que afirmou o ministro Haddad, o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso, disse que os setores que se beneficiavam da desoneração foram os que mais aumentaram salários no período da vigência da medida, e que mais mantiveram os empregados com carteira assinada. “Já está demonstrado que foi um projeto bom, e que tem sido ao longo dos anos um projeto bom”, acrescentou.

CUT

A Central Única dos Trabalhadores (CUT) tem questionado se a desoneração da folha de pagamentos tem, de fato, gerado empregos. A entidade argumenta que “não há mecanismos oficiais para medir o impacto da medida na geração de empregos, principal argumento dos setores para a desoneração”, em especial com relação à contrapartida social exigida em 2011.

De acordo com o presidente da CUT, Sérgio Nobre, “a desoneração da folha, da forma como foi aprovada pelo Congresso, não estabeleceu nenhum tipo de garantias ou contrapartidas que empregos e direitos seriam mantidos enquanto o incentivo fiscal vigorasse”.

Ele disse que o argumento da proteção de empregos apresentado pelos setores beneficiados “não se sustenta”, e significa a retirada de recursos que financiam a Previdência Social, “que passou por profunda reforma, em 2019, sob o argumento de que faltavam recursos para o seu financiamento”.

ABIT

A Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) disse lamentar “profundamente” o veto, e alertou sobre os riscos para a indústria e para a economia. Na avaliação da entidade, a decisão “contraria a agenda de industrialização do país e o melhor programa social que existe, que é a geração de postos formais de trabalho”.

A ABIT lembrou que o setor mantém 1,5 milhão de postos de trabalho formais, e que os 17 setores contemplados são responsáveis por empregar diretamente mais de 8,5 milhões de pessoas. “O risco do veto é sistêmico. Isso porque o aumento da carga tributária sobrecarregará os custos, o que, provavelmente, gerará aumento de preços, impactando a capacidade de consumo da sociedade”, argumentou a entidade. Também contrária ao veto, a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) disse prever aumento de até R$ 0,31 na tarifa média nacional de ônibus urbanos, e um aumento de 6,78% nos custos totais do serviço.

Parlamentares

Os mais de 200 deputados federais e senadores que integram a Frente Parlamentar do Comércio, Serviços e Empreendedorismo garantem que vão trabalhar para derrubar o veto durante a análise do Congresso Nacional, por entenderem que trabalhadores e empreendedores serão os mais prejudicados. Segundo a Frente, a política de desoneração aumentou em 15% o número de empregos gerados por estes setores.

Na avaliação da frente, um País que deseja aumentar o ritmo de crescimento econômico e social não pode aceitar uma medida que “caminha na contramão no desenvolvimento”. 

Contribuiu para essa reportagem jornalista Fernando Fraga (Agência Brasil)

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