O maior desafio na vida religiosa de Frei João Fernandes
O maior desafio na vida religiosa de Frei João Fernandes
Uma cidade dentro de outra cidade. É assim que os sociólogos definem a maior favela da América do Sul, a Rocinha, no Rio de Janeiro (RJ). Violência e miséria, diferentes raças, concepções e culturas convivem nos estreitos becos e ruas do complexo de mais de 120 mil habitantes – mais que o dobro da população de Gaspar. Aproximar as pessoas da palavra de Deus em meio a um ambiente social hostil é a principal missão do frei franciscano João Fernandes Reinert, um filho de Gaspar nascido na Rua Brusque, no bairro Santa Terezinha, cuja infância foi vivida no Poço Grande. Desde março do ano passado, frei João Fernandes integra a Paróquia Nossa Senhora do Bom Jesus, que congrega oito capelas dentro do complexo da Rocinha.
João Fernandes teve uma infância como todos os outros meninos. Filho de João Francisco e Beatriz Reinert, vivia com seus cinco irmãos num ambiente rural onde gostava de soltar pipas, subir em árvores, andar de bicicleta e jogar futebol. Ele conta que o despertar para a vocação religiosa não acontece por acaso. “Quase sempre há um terreno fértil onde a semente da fé se desenvolve. Neste caso, o berço familiar foi fundamental para a minha vocação. Graças a Deus, sempre tive o apoio de meus pais e de minha família”. Obviamente, a saudade se fez e se faz presente, contudo ela jamais foi motivo de empecilho ou não para o apoio dos meus familiares. “Todos os dias agradeço a Deus pela família que tenho”, revela frei João Fernandes.
Semente da Fé
A semente da fé foi plantada em seu coração aos 13 anos de idade. De lá pra cá, João Fernandes percorreu uma estrada de 11 anos até a ordenação sacerdotal. O ensino fundamental foi concluído no seminário de Ituporanga (SC) e o médio em Agudos (SP). Em seguida, cursou dois anos voltados à espiritualidade religiosidade franciscana, etapas chamadas de Postulantado e Noviciado, respectivamente, em Guaratinguetá (SP) e Rodeio (SC).
Após esse período, cursou filosofia em Curitiba (PR) e Teologia em Petrópolis (RJ). Frei João Fernandes continuou no mundo acadêmico, mesmo depois de ordenado, concluindo este ano o mestrado em Teologia, na Puc-RJ.
“Temos vida social como todo o ser humano”
Tabus não faltam na vida sacerdotal. Frei João Fernandes lamenta que muitas pessoas pensem que o padre é uma pessoa diferente. “A mentalidade social distancia muito o padre do ser humano. Antes de sermos padres, somos humanos, com todas as consequências que essa palavra carrega. Temos vida social como todo o ser humano, limitações e virtudes”, explica o padre.
Segundo Frei João Fernandes, o que diferencia o padre das pessoas é, sem dúvida, a consagração, o compromisso assumido e os votos religiosos professados. Ele mora no Rio de Janeiro desde 2003, quando iniciou a faculdade de Teologia, em Petrópolis. Durantes esses anos, viveu nas cidades de Duque de Caxias, Niterói e Petrópolis. Desde março do ano passado, está na favela da Rocinha.
Ruptura
O frei franciscano conta que a ruptura e a adaptação entre mundo rural de Gaspar e o urbano da segunda maior cidade do país aconteceram naturalmente e aos poucos.
“Em nossa etapa de formação, passamos por vários lugares e estados, uns mais urbanos outros menos urbanizados. Portanto, diria que a adaptação foi natural e progressiva”.
Mídia faz sensacionalismo e cria uma imagem ruim da vida no morro
Frei João Fernandes conta que, infelizmente, a vida na Rocinha é exatamente como a mídia a expõe, com uma pitada de sensacionalismo. “Todavia, as vezes a mídia esquece de noticiar as coisas boas. A favela tem talentos, um povo humilde, na sua maioria vindo do nordeste, criatividade, o calor das pessoas, trabalhos sociais, que são muitos e poucos divulgados, a religiosidade das pessoas, entre outros”, enumera o padre.
Segundo ele, há muito consumo de drogas, tanto pelos moradores daqui como pelos que vem de fora. As ‘bocas de fumo’ são quase que uma espécie de feira livre. “Há muita ostentação de armas, dinheiro e do poder paralelo do crime, porém sabemos que a mídia vive de sensacionalismo. Ao mesmo tempo em que há tudo isso, há uma ‘segurança’ no dia a dia, ou seja, ninguém mexe com os moradores, não existe roubo aqui dentro”. A Rocinha, observa o padre, é uma comunidade que se diferencia das outras do Rio de Janeiro. “Apesar da presença do crime organizado, o trânsito é livre, ou seja, ninguém é abordado ou revistado pelo tráfico ao entrar na comunidade”.
Para Frei João Fernandes, há um preconceito muito grande da parte dos moradores do Rio de Janeiro e do Brasil em geral. “Não tenho dúvida de que a mídia tem sua parcela de culpa para essa situação”.
Contato fora do ambiente da Igreja
Exercer o sacerdócio na Rocinha tem sido o maior desafio na vida de frei João Fernandes. “Muitos são os desafios, a começar pela complexidade da Rocinha, que já não é mais uma favela. É uma cidade complexa e frenética”, conta o padre. Segundo ele, a grande dificuldade está na realidade do tráfico que dita suas regras e impõe suas leis. “Isso exige constante vigilância, ou seja, cuidado no falar, onde falar e como falar”. Para frei João Fernandes, “é difícil e doloroso ver que toda uma população é refém do poder paralelo, ou seja, do crime organizado, e ao mesmo tempo saber que pouco ou quase nada podemos fazer para reverter esse quadro”. Enfim, diz o padre, “a Rocinha é um lugar desafiador e exigente, e ao mesmo tempo apaixonante pela vivacidade e pelo calor humano”.
Frei João Fernandes trabalha organizando em vários projetos sociais e assistencialistas, como a distribuição de cestas básica, ensino do idioma inglês, alfabetização de adultos, aulas de dança e de orientação às mulheres. Em breve, a paróquia inicia o projeto de inclusão digital. O contato com a comunidade é direto. Há muita freqüência na Igreja e visitas às famílias. O contato e a amizade também se dão fora do ambiente da Igreja. “Graças a Deus somos bastante queridos e conhecidos por toda a comunidade. Ao andarmos nas ruas e nos becos é interessante como ‘esbarramos’ com pessoas que param para bater papo”. A violência faz parte da vida na favela. “Não diria que tenho medo, e sim prudência”, afirma o padre. .
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