Por muitos anos, as balsas foram a única maneira segura de atravessar o Itajaí-Açu
Por muitos anos, as balsas foram a única maneira segura de atravessar o Itajaí-Açu
Houve uma época em que atravessar o Itajaí-Açu só era possível de barco. Em vários pontos ao longo do "velho" rio, as balsas faziam o leva-e-traz de pessoas, carroças, caminhões, carros e até produtos agrícolas como cana e arroz. Eram dezenas de viagens por dia.
No centro de Gaspar, próximo ao local onde mais tarde seria erguida a ponte Hercílio Deeke, havia uma destas balsas. Quem tem 50 anos ou mais lembra bem da embarcação. "Acompanhei meu pai na balsa para trazer areia para a construção de uma fornalha", recorda o mestre de obras, José Lazaro Ferrari, 50 anos. "Era uma balsa enorme, cabia caminhão, carroça e carro", acrescenta. Ele refere-se ao modelo de balsa de ferro, cuja primeira foi adquirida no governo Pedro Krauss (1961-1966). Maiores, mais seguras e movimentadas por motor, as balsas de ferro transportavam até três caminhões e duas carroças. Já as primeiras balsas eram de madeira, menores e a única força propulsora era a do próprio balseiro. O peso de travessia permitido era de um caminhão e duas carroças. João Borba, 85 anos, começou como balseiro em uma destas frágeis embarcações na década de 1940 do século passado. Ele veio com a família de Guaramirim, no Vale do Itapocu, para trabalhar na balsa aconselhado pela avó que morava em Gaspar. A embarcação era da Prefeitura, mas o serviço era explorado pela família Borba, que tinha ainda dois tios como sócios no negócio. As ferramentas de trabalho era um varejão (vara grande) e corda. "Eram dois ou três empurrando a balsa, dependia da correnteza do rio", conta João. Ele recorda que foi somente no governo do prefeito Julio Schramm (1951-1956) que surgiu a primeira balsa a motor, ainda feita de madeira. Com a obra da ponte, João decidiu procurar outro emprego. Ele exerceu, entre outras atividades, a de extrator de areia e debulhador (extração de grãos e sementes) e, por fim, no ramo de confecção onde se aposentou. O trabalho de balseiro é o que traz as melhores recordações ao simpático senhor. Hoje, ele mora em uma confortável casa na Luiz Franzói, bem próxima do antigo desembarque. Experiência e intuição na travessia Segundo João, a travessia de balsa custava de 500 a 1.000 réis (ou 1 conto de réis). O trajeto de cerca de 500 metros durava entre cinco e dez minutos, dependendo da força da correnteza, do peso da embarcação e da direção. O serviço funcionava sete dias da semana, e não havia horário para encerrar. "Enquanto houvesse gente e carros para atravessar, o trabalho prosseguia", afirma João. Na época da colheita das safras de cana e arroz, o movimento de caminhões e máquinas era muito grande. João conta que à noite, os balseiros avistavam apenas lanternas nos dois atracadouros. "A gente se guiava pela experiência e intuição", confessa Borba, que orgulha-se de nunca ter havido um acidente enquanto trabalhou como balseiro em Gaspar, porém relembra um fato triste que foi um acidente com uma balsa que fazia travessia no bairro Itoupava Norte, em Blumenau. "Havia a notícia de que várias pessoas haviam morrido afogadas e que o corpo de uma jovem estava desaparecido. Em uma das travessias, avistamos o corpo passar por debaixo da nossa balsa", relata João com o semblante de tristeza. A chegada no atracadouro e desembarque era sempre o momento de maior tensão. Em cordas amarradas ao próprio corpo, os balseiros guiavam a embarcação lentamente e a amarravam a tocos fixos na margem do rio. Era preciso muita força e perícia. Outra preocupação, segundo João, era a passagem, quase diária, do Vapor Blumenau e de outras embarcações que subiam e desciam o Itajaí-Açu. "A gente precisava ficar atento", diz João. O dia de maior faturamento era o domingo, quando a comunidade da margem esquerda vinha para a missa na igreja matriz. E foi numa destas travessias que João conheceu a sua futura esposa Orcelina. "Não lembro, mas acho que o namoro começou na balsa", diverte-se João sob o olhar de reprovação da esposa. Embarcações ainda são usadas na região
O homem inventou o avião e o foguete, foi à lua e hoje se comunica por meio de computadores, porém, tem coisas que o tempo preserva. Engana-se quem pensa que todas as comunidades do Vale usam pontes para atravessar o Itajaí-Açu. As balsas continuam existindo. Em Ilhota, a embarcação é o único meio de travessia.
Em Navegantes, a balsa ou ferry-boat, nome pomposo para se referir a mesma coisa, serve para garantir o acesso de milhares de trabalhadores que moram na cidade, mas trabalham em Itajaí, e vice-versa. Em Blumenau, acreditem, a balsa no Bairro Passo Manso ainda é movida à força humana, como no tempo do seu João. Em Gaspar, voltou a se falar de balsa não faz muito tempo, afinal, a única ponte da cidade, com mais de 40 anos de vida, nao deve resistir por muito tempo, e se não for erguida a Ponte do Vale, certamente a balsa voltará a ser muito útil.
"Acompanhei meu pai na balsa para trazer areia para a construção de uma fornalha". José Lázaro Ferrari.
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