Carta aos solitários

Só uma certeza me resta: 

Nesta solidão minha

Vós traçais um caminho oculto,

E no fim, a alegria me será devolvida

Como um gosto de Eternidade!

(Charbonneau - Oração de um solitário)


Como já deves ter percebido, nunca escrevo sozinho. Acompanha-me uma multidão que, por serem melhores do que eu, inspiram-me, corrigem-me, sussurram-me ideias. Cabe à minha limitada arte de escritor ajuntar as palavras, os pensamentos, acomodando tudo numa ordem que dê sentido.

Dizia eu que nunca escrevo sozinho, mas é àqueles que se sentem - e de fato estão - sós que me destino. Que a solidão é inerente à vida, Paul-Eugène Charbonneau já o disse com toda intensidade em sua obra Crônica da solidão -. Chiara Lubich, mística dos nossos tempos, a quem os que comungamos da Espiritualidade da Unidade muito devemos, professa a partir da fé que enquanto existir um sacrário na face da terra eu nunca estarei sozinha. Triste dor de muitos é quando nem ao sacrário podem recorrer. Até dele estão sós.

Bem, como acredito nos poetas, sigo fielmente o Versículo inédito do Gênesis, escrito por Mário Quintana: E eis que, tendo descansado no sétimo dia, os poetas continuaram a obra da Criação. Por isso, uno-me a eles e transmito a você, que está só neste momento - mas também em outros - um abraço poético que recebi de Eduardo Galeano, em uma Noite de Natal, seguido de um feliz comentário, que também se torna abraço, de Tolentino de Mendonça em seu Elogio da sede:

                Fernando Silva dirige o hospital de crianças, em Managuá. Na véspera do Natal, fica trabalhando até muito tarde. Os foguetes estalavam e os fogos de artifício começavam a iluminar o céu quando Fernando decide ir embora. Em casa, esperavam-no para festejar.

                Percorrei pela última vez as salas, para verificar se tudo estava me ordem, e numa delas sentiu que havia passos a segui-lo. Passos de algodão: virou-se e descobriu que uma das crianças internas caminhava atrás dele. Na penumbra, reconheceu-a. Era um menino que estava sozinho. Fernando reconheceu a sua cara marcada pela morte e aqueles olhos que pediam desculpas ou talvez pedissem licença. Fernando aproximou-se e o menino roçou-lhe a mão:

               - Diga a... - sussurrou o menino. - Diga a alguém que eu estou aqui.

            Deus sabe que estamos aqui. Onde quer que existencialmente estejamos, ele sabe encontrar-nos e reencontrar-nos. Deus sabe reconhecer

            - Como aparece nas opções durante a instalação de antivírus, eu também indico: recomendado nossos frágeis passos de algodão, os intermináveis corredores solitários onde a noite nos persegue, o medo que a certas horas se lê nos nossos olhos desamparados. Deus sabe. Deus sabe decifrar o fio de voz que nos falta quando temos de dizermo-nos, e sabe recolher com amor cada uma das palavras que deixamos em silêncio. Escrevi isto apenas para te dizer: eu também estou aqui.

LEIA TAMBÉM

JORNAL METAS - Rua São José, 253, Sala 302, Centro Empresarial Atitude - (47) 3332 1620

rede facebook | rede twitter | rede instagram | nosso whatsapp | nosso youtube

JORNAL METAS | GASPAR, BLUMENAU SC

(47) 3332 1620 | logo facebooklogo twitterlogo instagramlogo whatsapplogo youtube