Tabuleiro da vida
01/09/2017 17:52

Reza a lenda que o xadrez foi inventado na Índia, há mais de 1500 anos. O rei daquela época, recolhido após a perda de um filho na guerra, concordou em receber um insistente rapaz que teimava em apresentar-lhe um jogo diferente de tudo o que se pudesse conhecer. Recebido pelo rei e alguns súditos, ele mostrou pacientemente a diversidade de movimentos e combinações permitidas.
Após aprender e ganhar algumas partidas, o rei, impressionado, quis recompensar o jovem, que primeiro discordou, mas que após alguma insistência pediu como pagamento um grão de arroz para a primeira casa, dois grãos para a segunda, quatro para a terceira, e assim sucessivamente. O rei e os súditos acharam graça - afinal ele poderia ter pedido tesouros ou castelos. Ainda assim, ordenou-se que fosse feito o cálculo do número de grãos.
A surpresa foi grande quando os algebristas mais hábeis do reino chegaram a um número que, de tão grande, era inconcebível à compreensão humana. A quantidade pedida de grãos certamente superaria em cem vezes a altura do Himalaia. E o jovem, que se chamava Lahur Sessa, acabou se tornando um dos principais conselheiros do rei.
Essa lenda sempre me fascinou. Quando aprendi a jogar xadrez, ensinado por meu cunhado, fiquei entusiasmado com a multiplicidade de variáveis que o jogo permitia e com o poder da progressão geométrica. Mais que isso, com os benefícios do xadrez para o desenvolvimento da mente humana. Existem estudos que apontam que o jogo promove o desenvolvimento cerebral por exercitar os dois lados do cérebro simultaneamente, aguça a criatividade e a capacidade de resolver problemas, sendo considerado por alguns até uma forma de prevenção ao Alzheimer.
Por tudo de bom que o jogo proporciona, foi com muita alegria que acompanhei a história da menina Gabriela Vicente Feller, de Blumenau, que com apenas 13 anos fez do xadrez um passaporte para a vitória. Ela começou a jogar aos seis anos e já é campeã brasileira (2014 e 2016), mas quer muito mais. Para se dedicar ao seu aprimoramento e assim seguir vencendo campeonatos, Gabriela mexeu as peças no seu tabuleiro: vendeu cerca de três mil canetas para ir aos próximos campeonatos internacionais. Filha de uma professora e um técnico em eletrônica, ela correu atrás dos recursos de que a família não dispõe. Antes disso, no ano passado, ela e o pai haviam juntado 150 mil latinhas para chegar à quantia necessária para participação em campeonatos no Chile, no Leste Europeu e no Uruguai.
Neste mês, para dar mais visibilidade ao esporte e ajudar a levar a jovem enxadrista aos campeonatos internacionais, foi preparado um torneio no shopping da cidade, no qual ela jogou simultaneamente com outros nove atletas - entre eles o meu cunhado, que organizou jogo beneficente. Ele chegou a disputar nos Jogos Abertos na década de 80.
Gabriela já é uma vitoriosa: pelo esporte que escolheu e por perseguir seu sonho. Ao correr atrás dos recursos, ela não somente materializa os valores necessários, mas aprende o valor do dinheiro e o esforço necessário para consegui-lo. Cabe a nós, como sociedade, apoiar, estimular e ajudar de todas as formas para que ela e muitos outros jovens possam se dedicar a esse e a outros esportes. O benefício se dará em projeção geométrica.