Sobre justiça, chicletes e pães de queijo
17/02/2017 15:36

"STF arquiva processo de mulher que foi presa por furto de chiclete e desodorante". A manchete que estampou os jornais há poucas semanas é um retrato claro da sobrecarga do nosso Judiciário com causas de pouca relevância para o conjunto da sociedade, que poderiam ser solucionadas de formas mais rápidas e simples. Situações como esta _ ocorrida em 2011 e arquivada só agora - nunca deveriam chegar ao Supremo Tribunal Federal. Nesse caso específico, chegou à mesma turma encarregada dos processos da Lava Jato.
Em todas as instâncias, nosso Judiciário convive com o problema da judicialização de tudo. Dados do Relatório Justiça em Números 2015, do Conselho Nacional de Justiça, revelam que dos 99,7 milhões de processos que tramitaram no Brasil no ano de 2014, 91,9 milhões encontravam-se no primeiro grau (o segmento mais sobrecarregado), o que corresponde a 92% do total. Se formos falar de ações trabalhistas, o Brasil é um dos recordistas mundiais: em 2016 fechou com mais de 3 milhões de novas ações na Justiça do Trabalho.
Em Santa Catarina, existem, no total, cerca de 2,7 milhões de processos em andamento para pouco mais de 500 magistrados ativos de 1º grau _ o que significa mais de cinco mil processos por juiz. Consequentemente, a demora nas soluções impõe verdadeiros dramas a quem delas depende. Não é raro sabermos de casos em que a Justiça leva mais de uma década para proferir uma sentença. A morosidade processual do Poder Judiciário, aliás, é a reclamação de quase metade dos cidadãos que procuram a Ouvidoria do CNJ.
Voltando ao quase-furto dos chicletes e desodorantes -já que a mulher foi presa em flagrante e os produtos devolvidos às prateleiras - a ação penal foi arquivada após seis anos. Por pouco (três votos a dois) o processo não continuou aberto. Desde o ocorrido, a Defensoria Pública assumiu o caso da acusada, que não tem condições de pagar advogado. E antes da vitória no STF, tanto o Tribunal de Justiça de Minas Gerais quanto o Superior Tribunal de Justiça já haviam negado o habeas corpus.
O leitor consegue imaginar a quantidade de tempo, papel e material humano dispendidos no estudo desses casos? Quantas outras questões muito mais relevantes não tiveram seu tempo de análise subtraído? Sem falar nos custos financeiros de pequenas causas que, por vezes, são muitíssimo superiores ao valor econômico da causa.
Embora a história contada pela imprensa seja peculiar, não é raro esse tipo de crime chegar ao STF. Em 2013, o saudoso ministro Teori Zavascki, na qualidade de relator, negou um recurso da Defensoria Pública do RJ sobre um caso de indenização por danos morais e materiais em torno de um saco de pães de queijo mofados. O consumidor exigia do supermercado uma indenização de R$ 5 mil. No seu despacho, o ministro Zavascki registrou sua preocupação com o fato de o STF ter de apreciar, como instância final, questões irrisórias que "claramente deveriam ter sido resolvidas em outras instâncias ou por mecanismos extrajudiciais". Zavascki falava em necessidade de uma mudança de cultura e de uma "tomada de consciência", inclusive pelos representantes das partes.
Enquanto isso não acontecer, a justiça continuará tardando.