Prefeito, secretário, chefe de gabinete e Procurador foram alertados de possíveis irregularidades nos serviços de roçagem, diz ex-Controlador à CPI
No depoimento mais curto á CPI, Ernesto Hostin fez importantes revelações à CPI da Roçagem na manhã desta quinta-feira (23)
A cereja do bolo da “CPI da Roçada” ficou para o último depoimento. Depois de ser citado, por diversas vezes, nas oitivas dos ex-secretários de Obras e Serviços Urbanos, Jean Alexandre dos Santos e Luiz Carlos Spengler Filho, o Lu, o responsável pela Controladoria do município, o ex-servidor da Prefeitura, Ernesto Hostin, foi também chamado a depor. A oitiva ocorreu na manhã desta quinta-feira, dia 23, e trouxe informações reveladoras de como funcionava o esquema de pagamentos às empresas Ecosystem Serviços Urbanos e Sanitary Serviços de Conservação por meio dos contratos SAF 08/2015, 102/2020 e 1025/2024. As duas empresas prestaram serviços de roçagem e limpeza urbana à Prefeitura de Gaspar em diferentes períodos, durante os mandatos dos ex-prefeitos Pedro Celso Zuchi (2013 a 2016) e Kleber Wan-Dall (2017 a 2020 e 2021 a 2024).
A investigação, porém, está concentrada nos governos de Kleber Wan-Dall, pois foi durante os seus dois mandatos que surgiram as supostas irregularidades. Neste período, a Secretaria de Obras e Serviços Urbanos teve dois titulares: Jean Alexandre dos Santos (2017 a 2020) e Luiz Carlos Spengler Filho, o Lu, (2021 a 2023). Jean Alexandre ainda retornou ao governo, em 2024, para presidir o Samae, o que coincidiu com a transferência dos serviços de roçagem e limpeza urbana para a autarquia. Jean e Lu prestaram depoimentos nos dias 16 e 21 deste mês, respectivamente. Ambos se eximiram de responsabilidade pelos pagamentos e apontaram a Controladoria do município como o setor que deveria fiscalizar os contratos das empresas prestadoras de serviço.
Seguidas inconsistências
Hostin, que trabalhou por quase 30 anos na Prefeitura de Gaspar, hoje é coordenador pedagógico na Escola Estadual Frei Godofredo. Ele ocupou o cargo de chefe da Controladoria do município de 1º de março de 2021 a 31 de dezembro de 2024, sendo exonerado em 14 e janeiro de 2025, após as férias coletivas. Um segundo servidor o auxiliava. Portanto, Hostin não era o Controlador no período em que Jean Alexandre dos Santos ocupou o cargo de Secretário de Obras.
Hostin contou que, por diversas vezes, encontrou inconsistências nos relatórios de roçagem e limpeza urbana emitidos pela Secretaria de Obras. Relatou ainda à CPI, que os fiscais eram procurados a dar explicações ou o próprio secretário. Muitas vezes, a nota fiscal era cancelada, mas em outras o fiscal dava o aval para pagamento.
O ex-servidor disse ainda, que procurou, na época, o secretário Luiz Carlos Spengler Filho, para comunicar o fato. “Algumas coisas ficaram rotineira e cheguei a comentar com o secretário Lu: - secretário estamos começando a ficar preocupados com algumas anotações aqui”. Hostin teria ouvido do secretário a seguinte resposta: “Eu sou o secretário, eu sou o ordenador das despesas e se o meu fiscal garante que isso está certo...e liquidava as notas fiscais”. Ele afirmou que como subordinado não poderia ir contra uma determinação do secretário e a nota fiscal seguia para pagamento. "Eu sempre certifiquei o secretário, que era dele a responsabilidade pelo pagamento", acrescentou.
Hostin explicou à CPI que a Controladoria é um setor que legalmente responde diretamente ao prefeito, mas que isso nunca aconteceu no período em que esteve na função. “Era atravessado pelo chefe de gabinete, que sempre se intitulou chefe da Controladoria, mas legalmente não é verídico”. Segundo ele, uma das atribuições do controlador é analisar documentos e contratos que o município achar necessário do ponto de vista técnico e de procedimentos administrativos. Já os fiscais de contrato, enfatizou, "têm a obrigação de conferir os serviços". Hostin deixou claro que a responsabilidade sobre estes profissionais é do secretário, pois é ele que os nomeia.
Trâmite de pagamento
O ex-servidor também esclareceu que o trâmite administrativo para pagamento dos serviços à empresa contratada para roçagem e limpeza urbana começava pelas planilhas de medição entregues ao secretário com as assinaturas do diretor de obras, fiscal de contrato e representante da empresa prestadora do serviço, juntamente com a nota fiscal. O secretário colocava a sua a rubrica na nota fiscal. “Somente após esse empenho é que a documentação era enviada para a Controladoria, nós conferíamos se todos os trâmites legais haviam sido cumpridos, como por exemplo, se as planilhas continham as assinaturas dos responsáveis e depois encaminhávamos a nota fiscal para pagamento”, afirmou.
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As notas fiscais, ainda de acordo com o ex-servidor, tem prazo para pagamento, mas, nesta época, chegavam na Controladoria no dia limite de quitação. “Não dava tempo para fazermos toda a conferência, éramos pressionados para que o pagamento fosse feito no mesmo dia. As vezes não liberávamos enquanto não consertassem algumas coisas, mas nem sempre era consertado e mesmo assim o pagamento era feito”, revelou.
A relatora da CPI, vereadora Alyne Serafim Nicoletti (PL), questionou se esses pagamentos eram prorrogados para o último dia com a intenção de prejudicar a conferência dos serviços. Ernesto respondeu: “sim, com absoluta certeza.”
Prefeito e Procurador foram avisados das inconsistências
A relatora voltou a questionar o depoente se alguma vez ele procurou o Prefeito Kleber Wan-Dall para denunciar o que estava acontecendo. O ex-servidor confirmou que sim, mas que antes havia sido orientado pelo chefe de gabinete, na época Jorge Luiz Pereira, a não tratar desse assunto com o prefeito. Hostin desobedeceu a ordem e foi até o gabinete de Kleber num momento em que Jorge não estava na Prefeitura. “Eu apresentei ao prefeito uma planilha com algumas inconsistências que eu não concordava. Pedi para chamar o secretário (Lu) para uma conversa. Ele (prefeito) disse que iria resolver, que tomaria providências”.
Hostin contou que, meia hora depois dessa conversa, foi chamado por Jorge Pereira que o questionou do motivo dele estar mostrando a planilha pra todo mundo dentro do governo. “Eu disse que havia apresentado apenas ao prefeito, mesmo assim ele me proibiu novamente de tratar desse assunto com o prefeito, teria que ser tudo com ele”, contou o ex-servidor. A partir desse dia, Hostin disse que ficou bem difícil o seu acesso ao gabinete do prefeito.
Mesmo assim, ele não desistiu. Uma semana depois teria ido à sala do Procurador-Geral do município, advogado Felipe Braz. “Contei a situação ao procurador, pedi apoio para que ele ajudasse a convencer o prefeito a verificar isso. Ele me escutou, mas disse que daquele dia em diante procurasse a chefia de gabinete para tratar desse assunto”, revelou.
Cargo ameaçado
Durante o seu depoimento, Hostin fez outras revelações. Segundo ele, após a conversa com o chefe de gabinete houve uma tentativa de tirá-lo da Controladoria, mas nenhum servidor aceitou o cargo, por isso ele permaneceu até o final do segundo mandato de Kleber Wan-Dall.
No final do depoimento, a relatora e vereadora Alyne Serafim Nicoletti (PL) questionou o depoente se ele se sentia ameaçado ou se sua família estaria correndo algum risco. Ele foi enfático: sim.
A reportagem entrou em contato com o ex-prefeito Kleber Wan-Dal, com o ex-chefe de gabinete Jorge Luiz Pereira e com o ex-Procurador-Geral do Município, Felipe Braz, todos citados por Hostin durante o depoimento. Kleber Wan-Dall retornou a ligação, mas disse que estava retornando de viagem e não havia assistido ao depoimento, por isso prefere, por enquanto, não se manifestar. Já Jorge Pereira não respondeu ao contato e Felipe Braz não foi localizado pela reportagem. O espaço segue aberto para os três citados se manifestarem.
Fim das oitivas
A reportagem conversou com a relatora da CPI, vereadora Alyne Serafim (PL), e questionou se o ex-prefeito Kleber Wan-Dall e o ex-chefe de gabinete, Jorge Luiz Pereira poderiam ser chamados a depor. Ela explicou que não há mais tempo hábil para oitivas, pois o prazo para entrega do relatório final da CPI é o próximo domingo, dia 26. Alyne deve apresentar o relatório nesta sexta-feira, dia 24.
"Embora os nomes do Sr. Jorge Pereira, ex-chefe de gabinete e do Prefeito Municipal Sr. Kleber Wan-Dall tenham sido mencionados no depoimento prestado nesta data pelo Sr. Ernesto Hostin, o prazo legal para conclusão do presente procedimento (relatório final da CPI) expira impreterivelmente dia 26/10/2025, no domingo, então amanhã será entregue o relatório e não há mais tempo hábil para a intimação e realização das oitivas dos mencionados, especialmente diante da necessidade de planejamento e notificação prévia. Após a entrega do relatório ao MP e Judiciário os mencionados poderão ser regularmente ouvidos", informou a relatora à reportagem por meio de mensagem.
Entenda os fatos
A CPI da Roçada surgiu por desdobramento de uma Sindicância Administrativa, instalada ainda no Governo Kleber Wan-Dall, em 2024, que, após apontar irregularidades na conduta das empresas Ecosystem Serviços Urbanos e Sanitary Serviços de Conservação e Limpeza Ltda, sugeriu que uma denúncia fosse enviada à Câmara para que uma Comissão Parlamentar Processante fosse instalada. No entanto, esse tipo de comissão só alcança os responsáveis de forma político-administrativa, e os secretários investigados já não ocupavam mais cargos públicos, o que inviabilizaria a aplicação desse tipo de sanção. Diante disso, a presidência da Câmara entendeu a necessidade de instaurar uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito).
Sindicância
Já a sindicância é consequência de uma ação policial, batizada de "Operação Limpeza Urbana", em setembro de 2024, realizada pela Polícia Civil, por meio da 4ª DECOR - Delegacia Especializada em Combate à Corrupção. Na ocasião, foram cumpridos mandados de busca e apreensão em vários endereços da cidade, inclusive na casa de um dos secretários. O objetivo era levantar provas que pudessem reforçar as suspeitas de superfaturamento no serviço de limpeza urbana em Gaspar, anteriormente subordinado à Secretaria de Obras de Gaspar e depois transferido ao Samae durante a gestão de Jean Alexandre dos Santos.
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Os contratos teriam sido firmados entre 2017 e 2023. O esquema, de acordo com o apurado durante a investigação, era simples. Como os valores eram calculados por meio de medições, algumas apontavam para pagamentos além da área efetivamente roçada, capinada e limpa, especialmente nos espaços verdes da cidade, que superavam até mesmo a extensão do terreno. As medições estariam recebendo o aval de servidores públicos responsáveis pela fiscalização do contrato e lançamento dos serviços nas planilhas, com a anuência do secretário, que colocava a sua rubrica nos relatórios e notas fiscais.
Apreensão de documentos
Durante a “Operação Limpeza Urbana”, a polícia apreendeu documentos, celulares e uma certa quantia em dinheiro na casa de um dos ex-secretários. Os policiais também estiveram no escritório de representação de uma das empresas prestadora do serviço, cuja sede fica em Curitiba.
Chamou atenção da 4ª DECOR que o serviço de roçagem e limpeza urbana foi transferido da Secretaria de Obras para o SAMAE de Gaspar, porém, a pessoa que ocupava o cargo de Secretário de Obras à época era a mesma que passou a presidir o SAMAE.
No vídeo, abaixo, um resumo das principais informações prestadas pelo Ex-Controlador à CPI da Roçada. O depoimento completo você assista no site da Câmara de Vereadores acessando aqui
