Educação verdadeiramente inclusiva

Por Daniel Nogueira

Edição da semana 20/11/2025

O governo federal expediu, em outubro, o Decreto nº 12.686/2025, que institui a Política Nacional de Educação Especial Inclusiva e a Rede Nacional de Educação Especial Inclusiva. A medida foi anunciada como um marco no fortalecimento da inclusão escolar de pessoas com deficiência, transtorno do espectro autista e altas habilidades. À primeira vista, a intenção parece inquestionável: garantir que todos os estudantes aprendam juntos, em ambientes escolares comuns, com o apoio de recursos pedagógicos e acessibilidade. No entanto, os textos dos artigos 5º e 8º acenderam um intenso debate no país, especialmente entre as APAEs, educadores e parlamentares. O motivo é simples e, ao mesmo tempo, profundo: ao definir o Atendimento Educacional Especializado (AEE) como uma “atividade pedagógica de caráter complementar à escolarização”, o decr eto sugere que a matrícula em classe comum é obrigatória e universal, relegando o AEE ao papel de mero suporte.

Na prática, essa redação faz desaparecer uma possibilidade que, há décadas, é reconhecida pela legislação brasileira: a de que, em alguns casos, o atendimento especializado pode substituir a matrícula em sala comum. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), no artigo 58, diz que a educação especial deve ser oferecida “preferencialmente” na rede regular, termo que indica prioridade, mas não exclusividade. O advérbio, que parece pequeno, carrega uma diferença civilizatória. Ele garante que a busca pela inclusão não se transforme em imposição cega, ignorando as condições reais de cada aluno e as limitações de muitas redes públicas.

Ao reduzir o AEE a uma função complementar, o decreto ameaça deslegitimar o papel das instituições especializadas, como as APAEs que, há mais de meio século, oferecem atendimento educacional e t erapêutico a pessoas com deficiência intelectual, múltipla ou com comprometimentos severos. Essas entidades não são frutos de um passado segregador, mas, sim, espaços de pertencimento e desenvolvimento integral para estudantes cujas necessidades vão além do que a escola comum pode atender, mesmo com apoio técnico. Extinguir, por via interpretativa, a possibilidade de substituição da classe comum pelo AEE seria, na prática, condenar muitos desses alunos à exclusão disfarçada de inclusão — dentro da sala de aula, mas fora da aprendizagem.

O discurso oficial do Ministério da Educação tem reforçado que o decreto não pretende extinguir as instituições especializadas, mas integrá-las à nova rede de educação inclusiva. O problema, contudo, não está nas intenções declaradas, mas no efeito jurídico e simbólico da redação. A linguagem normativa tem consequências: quando o texto oficial afirma que o AEE é apenas complementar, abre-se espaço para interpretações administrativas que inviabilizam convênios, retiram repasses e induzem matrículas compulsórias em escolas comuns, independentemente do perfil do aluno. É isso que tem mobilizado pais, professores e parlamentares — e motivado, inclusive, projetos no Congresso Nacional para sustar os efeitos do decreto.

DEPUTADO Júlio Garcia
Presidente da ALESC