CPI da Roçada sugere o indiciamento de 17 pessoas
De peculato a improbidade administrativa, relatório final concluiu que houve esquema de superfaturamento nos serviços de roçagem e limpeza urbana em Gaspar
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Limpeza Urbana, também conhecida como CPI da Roçada, está recomendando ao Ministério Público e Polícia Civil o indiciamento criminal, civil e administrativo de 17 pessoas entre ex-servidores públicos da Prefeitura de Gaspar e da iniciativa privada, pela prática de atos de improbidade administrativa e ilícitos penais. Entre os ex-servidores estão os dois ex-secretários de Obras e Serviços Urbanos à época dos fatos, Luiz Carlos Spengler Filho, o Lu, e Jean Alexandre dos Santos, ambos recomendados para indiciamento por peculato, improbidade administrativa (art 10 e 11 da Lei nº 8.429/92) e omissão. A CPI também concluiu que o ex-prefeito Kleber Wan-Dall cometeu crime de responsabilidade (decreto-lei nº 201/67), improbidade administrativa (por omissão dolosa) e corresponsabilidade por peculato.
Acesse aqui para assistir a entrevista completa de Alyne Serafim ao JM
Outros nomes
Outros nomes citados no relatório final da CPI para indiciamento são os do ex-chefe da Gabinete, Jorge Luiz Purcinio Pereira, por prevaricação, improbidade administrativa e obstrução à fiscalização, e o ex-Procurador Geral do Município, Filipe Juliano Braz, por improbidade administrativa e prevaricação, além de omissão.
Servidores de menor grau na hierarquia da administração pública de Gaspar à época dos fatos também tiveram recomendação da CPI para indiciamento: Rodrigo Zanluca (ex-diretor Administrativo da Secretaria de Obras); Celso Xavier Schmitt, Gelásio Muller, Norberto dos Santos (Betinho), Cleidimar Melo e Evandro Carlos Andrietti, o Vando, todos ex-servidores que ocuparam cargos de fiscal de contrato e/ou diretoria junto à Secretaria de Obras.
As empresas
Das empresas prestadoras dos serviços - Ecosystem Serviços Urbanos Ltda e Sanitary serviços de Conservação e Limpeza Ltda - são recomendadas para indiciamento criminal Adão Marafigo de Figueiredo por peculato, falsidade ideológica, fraude em licitação ou contrato e associação criminosa; e Josielton de Lima, representante da Ecosystem, por peculato, fraude em licitação ou contrato e associação criminosa.
A CPI também cita Willy Annies Neto (Ecosystem) e Anderson Sandrini Botega (Sanitary) e as respectivas empresas que representam com base na lei anticorrupção (nº 12.846/2013) e na Lei de Licitações (nº 13.133/2021, além de coautoria nos crimes contra a administração pública.
Conclusão final: superfaturamento
A conclusão da CPI é que houve de fato superfaturamento nos serviços de roçagem e limpeza urbana no município de Gaspar entre 2017 e 2024. Neste período, a responsabilidade do município pela contratação e fiscalização passou da Secretaria de Obras para o Samae.
“As provas colhidas demonstram, de forma inequívoca, a existência de um esquema articulado e perene de fraudes e contratos, desvio de recursos públicos e conluio entre agentes públicos e privados para lesar o Município de Gaspar. Não se tratou de falhas pontuais, mas de uma prática institucionalizada, viabilizada pela omissão deliberada e conivente de múltiplos níveis da administração pública”, afirmou a relatora da CPI, vereadora Alyne Serafim Nicoletti em seu relatório final.
Foram quase oito sete meses de instrução e levantamento, depoimentos e análise técnica de dados e do material pericial apurados durante a investigação. No total, 22 pessoas foram ouvidas no plenário da Câmara de Vereadores (duas delas online) e com transmissão em tempo real pelo canal YouTube do legislativo municipal.
Controladoria fez alertas
De acordo com a CPI, a Controladoria fez várias alertas, por meio de e-mails e memorandos, a partir de 2019, sobre as inconsistências nas medições e pagamentos, porém, era frequentemente ignorada. Entre as falhas mais recorrentes na documentação, o relatório final cita duplicidade de cobrança e datas incorretas; erros de cálculo de medição; metragens questionáveis e cobrança por serviços não comprovados. Além disso, muitos relatórios foram entregues sem a assinatura obrigatória do fiscal de contrato, e notas fiscais eram apresentadas sem carimbo de ateste e liquidação, o que impedia a validação formal do serviço prestado.
A análise documental comprovou que a própria empresa prestadora do serviço admitiu os erros e reconheceu a necessidade de cancelar e reemitir notas fiscais.
Perícia contratada e prejuízo de mais de R$ 20 milhões
A CPI contratou uma empresa especializada em topografia, que analisou 50 áreas públicas roçadas em diferentes pontos da cidade a fim de confrontar as áreas informadas nas planilhas e as medições efetivamente realizadas. A conclusão é que houve um superfaturamento de 80,2%. Ou seja, apenas 19,8% do total do serviço apresentado nas planilhas deveria ter sido pago à empresa prestadora do serviço. De um total de 729.025,00 m² apenas 450.021,48 m² foram efetivamente apurados durante o levantamento técnico, correspondendo a uma área passível de roçada de 139.325,45 m². A empresa teria recebido, somente nas áreas tomadas como amostragem, R$ 113.155,91, enquanto o valor real a ser pago seria de R$ 22.485,11, ou seja, o prejuízo foi de mais de R$ 90 mil. Com base nos percentuais e nos valores contratuais, que somaram R$ 25.820.209,62, a CPI concluiu que o valor superfaturado foi de R$ 20.687.151,95.
A investigação da CPI identificou três núcleos de atuação
- Núcleo Operacional: composto por fiscais e representantes das empresas, responsável pela execução das fraudes
- Núcleo administrativo: formado por diretores e secretários que, por ação ou omissão, davam aparência e legalidade aos atos
- Núcleo político-hierárquico superior: mesmo ciente dos alertas da Controladoria Interna, demonstrou inércia deliberada, permitindo a continuidade do esquema e a sangria dos cofres públicos.
"Temos convicção do pedido indiciamento dessas pessoas"
Relatora da CPI, a vereadora Alyne Serafim esteve nos estúdios do Jornal Metas nesta terça-feira e comentou o relatório final. Segundo ela, a CPI reuniu provas consistentes, apoiadas em laudo pericial especializada que foi fundamental para entender o tamanho do esquema. “Temos a convicção do pedido de indiciamento dessas pessoas. As que não foram ouvidas na CPI e estão citadas no relatório terão ampla defesa para o contraditório”, afirmou a relatora.
Alyne não tem dúvida que o relatório final foi muito bem embasado e construído, e quem não acompanhou a CPI, lendo o relatório final vai conseguir entender com muita clareza os fatos. “Diante das provas apresentadas e das oitivas, as pessoas vão saber quem são os responsáveis pelo esquema”, enfatizou.
Combate à corrupção
A relatora confirmou que o valor desviado dos cofres públicos pode passar de R$ 20 milhões, e disse que como gasparense isso a entristece. “A 4ª DECOR (Delegacia Especializada no Combate à Corrupção) já havia feito esse levantamento, mas os policiais não eram habilitados, por isso nós contratamos a perícia especializada e fizemos uma amostragem em 50 endereços; 80,2% dos valores foram pagos por serviços não executados, que podem sim ter sido superfaturados. Cabe agora ao Ministério Público e Judiciário utilizarem essas informações. Já as empresas citadas terão direito a ampla defesa”, explicou Alyne.
Ela revelou que as planilhas dos serviços de roçagem foram tão manipuladas que, mesmo que as empresas quisessem executar o serviço lançado não conseguiriam. “Tem trabalho feito em Feriado de Corpus Christi com chuva e 28 dias de roçada quando o mês foi de apenas 26 dias úteis”, observou. Alyne também afirmou que o esquema chegou a tal ponto que os contratos acabaram desviados da Controladoria. “Saía direto da secretaria para pagamento”, declarou.
O relatório será agora encaminhado para o Ministério Público, Polícia Civil e Tribunal de Contas, e ficará à disposição da sociedade no site da Câmara dos Vereadores de Gaspar.
O que disseram os citados no relatório final durante as oitivas
Celso Xavier Schmitt (Ex-Fiscal de Contrato da Secretaria de Obras): Afirmou que nunca conferiu as medições de áreas e sequer tinha conhecimento que era fiscal de contrato. Disse ainda que entregava na mão do secretário Jean e que se assinava era porque alguém o mandava assinar, ou o secretário ou o diretor
Gelásio Valmor Muller (ex-diretor da Secretária de Obras): Afirmou que assinava os relatórios de medição a pedido do Secretário de Obras Jean. Disse ainda que os documentos chegavam até ele já carimbados com seu nome
Adão Marafigo de Figueiredo (fiscal das empresas Ecosystem e Sanitary): Permaneceu em silêncio durante todo o depoimento
Cleidimar Melo (Servidor da Secretaria de Obras): Disse que era chamado para assinar e que só assinava a documentação porque era informado que tudo já estava conferido. Ao fim do depoimento, concordou que as metragens registradas nos relatórios da Ecosystem resultaram em favorecimento financeira para a empresa e prejuízo para a Prefeitura de Gaspar
Norberto Santos (Ex-diretor da Secretaria de Obras): Disse que nunca foi fiscal de contrato e assinava as planilhas de medição porque já vinham prontas do setor administrativo. Contou ainda que pediu ajuda ao então diretor Rodrigo Zanluca para que conferisse as planilhas, pois se considerava muito inocente.
Rodrigo Zanluca (ex-diretor Administrativo da Secretaria de Obras): Negou que fornecesse os documentos já prontos e carimbados para os fiscais assinarem. Disse que sua função o permitia acompanhar o trabalho em campo, sendo impossível ter conhecimento de todas as medições
Evandro Carlos Andrieti (ex-diretor da Secretaria de Obras): Admitiu ter assinado muitas notas fiscais e outros documentos sem conferir ou ler o conteúdo, e que fazia isso por confiar nos seus superiores.
Anderson Sandrini Botega (Sócio da Sanitary): Disse que o contrato emergencial assinado com a prefeitura não exigia critério de medição rigoroso, sendo o método baseado em relatórios e fotos. Afirmou que o contrato foi encerrado com a Prefeitura por falta de pagamento, numa dívida aproximada de R$ 1 milhão.
Josielton de Lima (gerente da Ecosystem): Preferiu não respondeur a nenhum dos questionamentos da CPI
Willy Annies Neto (representante da Ecosystem): Preferiu não responder a nenhum dos questionamentos da CPI
Jean Alexandre dos Santos (ex-secretário de Obras e ex-presidente do Samae): Afirmou que quando assumiu a secretaria, os contratos já estavam firmados. Já quando assumiu o Samae, a autarquia foi utilizada para operacionalizar um contrato emergencial. Disse que as decisões maiores vinham do alto escalão do governo. Afirmou, ainda, que o fluxo de pagamento passava por diversos setores antes de chegar para a sua assinatura.
Luiz Carlos Spengler Filho, o Lu: (ex-vice-prefeito, ex-secretário de Obras e ex-chefe de gabinete): Disse que quando assumiu, todos os contratos estavam em vigor. Informou que os aditivos aos contratos eram necessários, para que se pudesse atender a mais regiões do município. E foi categórico ao dizer que os pagamento só eram liberados com autorização da Controladoria. Admitiu que foi informado pelo seu sucessor na secretária de Obras sobre as inconsistências nas medições e pagamentos dos serviços de roçagem e revelou que orientou Roni Muller e verificar o que estava ocorrendo, mas voltou a insistir que a responsabiliade pela fiscalização dos pagamentos era da Controladoria.
Ernesto Hostin (Ex-Controlador do Município): Afirmou que o trabalho da Controladoria era verificar se todos os trâmites legais foram feitos, se as planilhas foram assinadas e se o secretário liquidou a nota, antes de encaminhar para pagamento. Ele disse que informou o secretário Lu sobre as inconsistências nas medições e pagamentos, mas que foi prontamente rebatido. Disse que falou com o chefe de gabinete,Jorge Purcinio Pereira, que o orientou a tratar somente com ele essa questão. Mesmo assim, ele procurou o Prefeito, o que desgradou a Jorge Pereira que o chamou em sua sala e o repreendeu. Alguns dias depois, ele foi a sala do Procurador-Geral do Município, Filipe Braz, onde relatou os fatos. Filipe ouvir o Controlador, mas o orientou a não procurar mais o prefeito e tratar do assunto somente com o chefe de gabinete.
Kleber Wan-Dall (ex-prefeito de Gaspar): Não foi ouvido na CPI, mas em entrevista ao Jornal Metas admitiu que foi procurado pelo então controlador do Município, Ernesto Hostin, que lhe relatou das inconsistências nas medições e pagamentos pelos serviços de roçada e limpeza urbana, e que o orientou a procurar as secretarias competentes, para apresentar esclarecimentos ou de fazer as devidas correções se necessário.
Jorge Luiz Purcinio (ex-secretário de Finanças e ex-chefe de Gabinete): Não foi ouvido na CPI
Filipe Juliano Braz (ex-Procurador-Geral do Município): Não foi ouvido na CPI
Entenda os fatos
A CPI da Roçada surgiu por desdobramento de uma Sindicância Administrativa, instalada ainda no Governo Kleber Wan-Dall, em 2024, que, após apontar irregularidades na conduta das empresas Ecosystem Serviços Urbanos e Sanitary Serviços de Conservação e Limpeza Ltda, sugeriu que uma denúncia fosse enviada à Câmara para que uma Comissão Parlamentar Processante fosse instalada. No entanto, esse tipo de comissão só alcança os responsáveis de forma político-administrativa, e os secretários investigados já não ocupavam cargos públicos, o que inviabilizaria a aplicação desse tipo de sanção. Diante disso, a presidência da Câmara entendeu a necessidade de instaurar uma CPI.
Já a sindicância é resultado de uma ação policial, batizada de "Operação Limpeza Urbana", em setembro de 2024, realizada pela Polícia Civil, por meio da 4ª DECOR - Delegacia Especializada em Combate à Corrupção. Na ocasião, foram cumpridos mandados de busca e apreensão em vários endereços da cidade, inclusive na casa de um dos secretários.
A CPI da Roçada teve como presidente o vereador Ciro André Quintino (MDB) e, como relatora, a vereadora Alyne Karla Serafim Nicoletti (PL). Os demais membros da comissão são os vereadores Carlos Eduardo Schmidt (PL), Mara Lúcia Xavier da Costa dos Santos (PP) e Thímoti Thiago Deschamps (UNIÃO). Integram ainda a equipe de apoio os servidores da Câmara: Diego Inácio Vilvock; Marcos Alexandre Klitzke; Pedro Paulo Schramm; Ramires dos Santos e Samara Aparecida Marcelino.
O Jornal Metas deixa espaço aberto para que todos os citados nesta reportagem possam se manifestar e apresentar suas versões.
