Ex-secretário de Obras diz à CPI que não participava das decisões sobre contratos
Jean Alexandre dos Santos falou por quase uma hora aos membros da CPI da Roçada
Jean Alexandre dos Santos, ex-secretário de Obras e Serviços Urbanos da Prefeitura de Gaspar e ex-presidente do Samae, declarou à “CPI da Roçada”, na manhã desta quinta-feira, dia 16, que, quando assumiu a Secretaria de Obras e Serviços Urbanos em 2017, os contratos para execução de serviços de limpeza urbana já estavam firmados. O ex-secretário, acompanhado de dois advogados, respondeu a todas as perguntas por quase uma hora.
O depoimento de Jean era um dos mais aguardados da CPI da Roçada, pois foi durante os períodos em que ocupou a Secretaria de Obras e Serviços Urbanos (de 2017 a 2020) e o Samae (de 2023 a 2024) que ocorreram supostas irregularidades no pagamento pelos serviços de roçagem e limpeza de ruas e terrenos públicos às empresas Ecosystem Serviços Urbanos e Sanitary Serviços de Conservação, por meio dos contratos SAF 08/2015, 102/2020 e 1025/2024.
Jean contou que, ao assumir a presidência do Samae em 2023, não havia serviço de roçagem e limpeza urbana em Gaspar porque a Prefeitura havia rompido o contrato com a Ecosystem, e que já estava em andamento um processo para contratação emergencial. Esclareceu, também, que não teve qualquer ingerência na decisão, e que esta teria sido tomada no gabinete do prefeito Kleber Wan-Dall juntamente com a Secretaria da Fazenda e Administração.
O ex-secretário explicou, ainda, que o Samae não tem autonomia para firmar contratos e que tudo passa pelo setor de licitações da Prefeitura, embora o assessor jurídico do Samae fosse consultado. Ele contou à CPI que, ao assumir o Samae, adotou a política de levar o diretor administrativo da autarquia para as reuniões juntamente com o assessor jurídico. “Fiz isso para que as decisões não ocorressem de forma unilateral”, justificou.
Jean deixou claro que a transferência do serviço de roçagem e limpeza urbana da Secretaria de Obras para o Samae não foi uma decisão sua, mas um trâmite burocrático que ocorreu dentro da Prefeitura. Afirmou ainda que Rodrigo Zanluca nunca trabalhou no Samae. “Até onde eu sei, ele (Zanluca) trabalhava na Secretaria de Obras”.
O ex-secretário disse que, à época em que ocupou a pasta de Obras, havia pessoas que fiscalizavam os serviços, incluindo o de roçagem e limpeza de ruas e áreas públicas. “Minha participação nessa questão era no organograma do serviço, ou seja, onde seria feito o trabalho semanalmente. Inclusive, nós dávamos publicidade dos serviços da Secretaria de Obras nas rádios locais e no site da Prefeitura”.
Questionado sobre um aditivo de 21% no contrato com a Ecosystem em setembro de 2017, Jean admitiu que houve, mas justificou que esse era um pedido recorrente da Secretaria de Obras à Secretaria da Fazenda, para que os serviços de roçagem e limpeza urbana pudessem chegar a mais regiões do município.
O ex-secretário lembrou ainda que, quando deixou o Samae, praticamente no final do segundo mandato do Governo Kleber, ficaram valores que a empresa Sanitary reivindicava receber, mas acabou não recebendo. “A empresa Sanitary não foi paga porque não apresentou todos os relatórios de metragem”, esclareceu.
Jean negou ainda que tivesse recebido qualquer vantagem ou presentes das empresas prestadoras de serviços. “Tivemos, sim, sempre um bom relacionamento, para que as coisas funcionassem bem, mas nunca recebi nenhuma vantagem.”
Por fim, explicou que o trâmite dos relatórios de roçagem começava pelo fiscal, depois era encaminhado para o setor administrativo, e somente depois os recebia para assinar. Em seguida, o relatório era encaminhado para o setor de Controladoria da Prefeitura, para que fosse verificado se havia alguma inconsistência; se houvesse, a empresa era chamada a dar explicações.
Jean encerrou o depoimento dizendo à CPI que tem uma vontade imensa que tudo se esclareça o mais rápido possível e se colocou à disposição da CPI.
Nesta quinta-feira, o outro ex-secretário de Obras, Luiz Carlos Spengler Filho, o Lu, também deveria depor na CPI. Porém, na tarde desta quarta-feira, dia 15, seu advogado enviou ofício à Câmara de Vereadores alegando compromisso de trabalho e pediu o adiamento para a próxima semana. O pedido foi aceito.
Relatório Final
Segundo a relatora da CPI, vereadora Alyne Serafim, os depoimentos dos dois ex-secretários encerram essa fase da CPI. O trabalho irá se concentrar na elaboração do relatório final, que deve ser apresentado até o final de outubro. A relatora explicou ainda que a CPI contratou uma perícia especializada para confirmar as medições apresentadas durante a investigação policial. "Isso garante que as medições não sejam questionadas em juízo", observa Alyne.
Além disso, segundo a relatora, "a perícia qualificada vai apresentar efetivamente estimativas de valores contratados a mais e que foram desviados". Ela explicou que a demora na convocação dos dois ex-secretários se deu em função da falta de documentos que foram solicitados à Junta Comercial do Estado de Santa Catarina (JUCESC) e ao Ministério Público. "Era imprescindível ter essa documentação em mãos durante os depoimentos. É muito trabalho interno, análise e produção de documentos porque, afinal, estamos apurando contratos e a forma como foram indevidamente executados. Além do que, isso resultou num valor excedente que pode, sim, ter sido aproveitado por terceiros", concluiu Alyne.
Entenda os Fatos
A CPI da Roçada surgiu por desdobramento de uma Sindicância Administrativa, instalada ainda no Governo Kleber Wan-Dall em 2024, que, após apontar irregularidades na conduta das empresas Ecosystem Serviços Urbanos e Sanitary Serviços de Conservação e Limpeza Ltda, por intermédio de três contratos (08/2015, 102/2020 e 1025/2024), sugeriu que uma denúncia fosse enviada à Câmara para que uma Comissão Parlamentar Processante fosse instalada. No entanto, esse tipo de comissão só alcança os responsáveis de forma político-administrativa, e os investigados já não ocupavam cargos públicos, o que inviabilizaria a aplicação desse tipo de sanção. Diante disso, a presidência da Câmara entendeu a necessidade de instaurar uma CPI.
Já a sindicância é resultado de uma ação policial, batizada de "Operação Limpeza Urbana", deflagrada em setembro de 2024 pela Polícia Civil, por meio da 4ª DECOR - Delegacia Especializada em Combate à Corrupção. Na ocasião, foram cumpridos mandados de busca e apreensão em vários endereços da cidade, inclusive na residência de um dos ex-secretários.
O objetivo era levantar provas que pudessem reforçar as suspeitas de superfaturamento no serviço de roçada e limpeza urbana em Gaspar, anteriormente subordinado à Secretaria de Obras de Gaspar e depois transferido ao Samae durante a gestão de Jean Alexandre dos Santos.
Os contratos teriam sido firmados entre 2017 e 2023. O esquema, de acordo com o apurado durante a investigação, era simples. Como os valores eram calculados por meio de medições, algumas apontavam para pagamentos além da área efetivamente roçada, capinada e limpa, especialmente nos espaços verdes da cidade, que superavam até mesmo a extensão do terreno. As medições estariam recebendo o aval de servidores públicos responsáveis pela fiscalização do contrato e lançamento dos serviços nas planilhas. A autorização para pagamento levava a rubrica do secretário.
Durante a “Operação Limpeza Urbana”, a polícia apreendeu documentos, celulares e uma certa quantia em dinheiro na casa de um dos ex-secretários. Os policiais também estiveram no escritório de representação de uma das empresas prestadoras do serviço, cuja sede fica em Curitiba.
Outro fato que chamou a atenção da 4ª DECOR é que o serviço de roçagem e limpeza urbana foi transferido da Secretaria de Obras para o Samae de Gaspar, porém, a pessoa que ocupava o cargo de Secretário de Obras à época é a mesma que passou a presidir o Samae.