Da carreira promissora no basquete ao abismo das drogas
Ex-residente do Cerene, ex-jogador Fabrício conta a sua história de luta para se livrar do vício
Foram quase 20 anos jogando profissionalmente até que o ex-jogador de basquete, Fabrício Chagas de Oliveira, 40 anos, teve que trocar as quadras pelas clínicas de reabilitação. O até então promissor armador, conhecido no esporte paulista como "Fabricinho", não conseguiu resisitir à "tentação" das drogas. A carreira do jogador, que chegou a atuar contra nomes de peso, como Leandrinho, Varejão e Nenê, encerrou precocemente em 2013, quando Fabrício deixou o time de Santos (SP) para sua primeira internação. "Eu morava em Santo André, mas passava os finais de ano na praia de Santos. Ali, ainda adolescente, foi quando comecei a fumar e a beber e, depois, a usar maconha. Mais tarde, aos 18 anos, experimentei a cocaína e continuei a usar a droga, pois, na minha cabeça, isso me estimulava, principalmente em quadra, mas na verdade eu estava me destruindo", recorda.
Os anos foram passando e o armador ainda permanecia na ativa , até que "descobriu" o crack. "Minha mãe e a minha ex-namorada foram quem me incentivaram a buscar ajuda. Aceitei a internação, mas fiquei na comunidade terapêutica, em Sorocaba (SP), apenas quatro meses, pois queria voltar a jogar na mesma temporada", afirma. A pressa de Fabrício não contribuiu para sua volta aos jogos e muito menos para o tratamento - a recaída veio no primeiro mês. "Voltei para a comunidade e a ideia era permenecer ali por mais dois meses. Mas, no primeiro fim de semana que pude ir para casa eu comprei o crack e, no seguinte, o usei". Foi assim por mais três anos e, neste período, Fabrício foi deixado pela namorada e perdeu a mãe. "Depois que minha mãe faleceu usei todo o dinheiro que ela me deixou para comprar drogas. Eu passava os dias na rua, fazendo "os corre" para comprar drogas", emociona-se.
Mas, se Fabrício não tinha mais como voltar às quadras e sua carreira no basquete já estava perdida, foi praticamente o esporte que o "salvou" e mudou sua história. Ele conta que um dia estava caminhando na rua quando "esbarrou" com um antigo colega das quadras. "Ele também é ex-jogador e agora é empresário e tem negócios em Blumenau. Ele perguntou o que eu estava indo fazer e eu disse que estava indo comprar drogas. Ele perguntou se eu queria ajuda e aceitei.
Foi assim que eu vim parar no Cerene, em maio de 2016", relembra. O Cerene - Centro de Recuperação Nova Esperança - de que Fabrício fala é uma comunidade terapêutica que foi fundada em 1989, no bairro Itoupava Central, em Blumenau. Hoje, de residente ele passou a ser colaborador do local. Fabrício também voltou às quadras - porém agora jogando apenas campeonato amador. "Hoje eu me sinto bem melhor e acredito que posso ajudar a mudar também a vida dos outros residentes", afirma.
Atendimento
O Cerene de Blumenau tem vaga para 82 homens sendo que, destas, 18 vagas são para adolescentes entre 12 e 18 anos. O atendimento no local é particular, mas há vagas para convênios com prefeituras e governos. Entretanto, 64,4% dos atendimentos realizados hoje na comunidade são gratuitos. "Quando há vaga, ninguém fica sem atendimento. É feito uma triagem e um estudo sócio-econômico para decidir quem será acolhido", explica o secretário geral, Elcido Schlüter. O trabalho no Cerene de Blumenau é feito por uma quipe multidisciplinar, que inclui médico, psicólogo, enfermeiro, pedagogo, terapeuta, educador físico, cozinheiro, assistentes sociais e monitores. O tratamento inicial é de 180 dias mas este período pode diminuir ou aumentar, de acordo com a evolução de cada residente. "Quando não há adesão ao atendimento ou quando infrações são cometidas o residente também pode ser desligado da comunidade", ressalta o secretário. Os residentes precisam seguir uma rotina diária e os horários estabelecidos pela coordenação. "Eles próprios ajudam na manutenção e limpeza da comunidade. Durante o dia, os residentes participam ainda de estudos bíblicos, palestras, atividades práticas e oficinas, como artesanato e musicalização".
Referência no Brasil e reconhecido pelos Ministérios de Desenvolvimento Social e Saúde, o Cerene de Blumenau atende adolescentes e adultos de todo Brasil.
O Centro é mantido pela Missão Evangélica União Cristã (MEUC) e tudo começou na igreja do bairro Vila Nova. "O pastor começou a acolher e a aconselhar pessoas com dependência em álcool. Mas o número de atendidos aumentou tanto que foi necessário adquirir um terreno específico para construir uma comunidade com este propósito, englobando usuários de outras drogas também", explica Elcido. Os trabalhos foram ampliados e a MEUC levou o Cerene a outros lugares: em 1995 a comunidade foi inaugurada em Palhoça; em 2000 na cidade de Lapa, no Paraná (PR); em 2002 em São Bento do Sul e em 2010 em Joinville - no mesmo ano foi inaugurado o Cerene exclusivo para adolescntes e mulheres, e Ituporanga.
Corrida pela vida
Há 14 anos, o Cerene de Blumenau teve a ideia de promover e uma corrida e caminhada. A intenção foi divulgar a comunidade terapêutica mas, mais do que isso, enfatizar que a prática do esporte pode contribuir para uma vida longe das drogas. "Nosso objetivo é mostrar que o esporte, seja a corrida ou qualquer outra modalidade, pode ser uma importante ferramente de prevenção e recuperação", explica Elcido. O evento, promovido anualmente, incentiva a participação dos residentes. "Eles participam de treinos específicos para a prova e a corrida conta com a participação também de residentes dos Cerenes de outras cidades", afirma. Este ano a corrida será realizada no dia 20 de maio com os percursos de 7,5Km e 12Km, além da caminhada de 6Km. A largada está marcada para às 8h30min, no Cerene. A expectativa da organização é reunir cerca de 600 atletas. A inscrição deve ser feita no site www.corridacerene.com.br até o dia 15 de maio.