Ortografices
Dia desses, encontrei ali perto do Café Blumenau, o ex-colega colunista do Santa Gervásio Tessaleno Luz. Levava a tiracolo alguns exemplares do seu último livro e já foi perguntando se trazia uma caneta (não tenho o hábito), para me presentear com um exemplar. Ainda não tive tempo de ler "Últimas do Barão de Itapuí", certamente uma deliciosa coleção de crônicas reunidas pelo professor em seus 52 anos observando gentes.
O Tessaleno é também uma dessas velhas e atentas onças das redações barulhentas. Com mais um amigo à mesa, pedimos uma caneta à moça do café. Depois da dedicatória e amenidades, não deu outra. Malhamos a "atual conjuntura" e tudo isso que está aí". Dali, fomos aos velhos e saudosos mestres de português, tão decisivos em nossas quedas literárias. Os caras nos legaram a curiosidade, o encanto pela mecânica da língua e o prazer em elaborar textos bem construídos. Eu sei, são manjadas reminiscências, no entanto revivê-los, inclusive seus gestos e tiques, é sempre uma fantástica e insubstituível máquina do tempo.
Gervásio pousou a xícara e despediu-se apressado, não sem antes lançar praga aos imbecis responsáveis pela última, desnecessária e maldita reforma ortográfica. E avisou, levantando o indicador: As crônicas em "Últimas do Barão de Itapuí", ainda escritas sobre a regência da ortografia da ortografia anterior, fiz questão que permanecessem com a acentuação original, viu!". Legal essa do Gervásio. Achei um elegante protesto contra os inúteis acadêmicos, lusófonos, aos quais deram poderes para praticar um desmando de tal calibre.
De volta ao escritório, abri o arquivo do "acordo" pela enésima vez, só pra confirmar minha irritação com esse bando de desocupados, signatários do disparate. De novo: por que extraíram sem um bom argumento o acento agudo da terceira pessoa do singular do verbo parar (para), tornando sua grafia idêntica à da preposição? Por que fulminaram os acentos de grupos de palavras onde coabitam voo, ideia e feiúra? Nas regras com os hífens, então, cometeram insana distorção. Foi só para sacanear as turmas dos concursos públicos e do Enem?
E o que a sábia comissão teve contra o trema, esse útil e imprescindível diferencial? O caro e paciente leitor sabe como se define a pessoa que fala cinco idiomas? É o qüinqüelíngue. Em favor da pronúncia, não seria mais confortável grafar quinquelíngue? Ah... entendi! A maçaroca toda foi criada para que haja uma ortografia unificada em todos os países de língua oficial portuguesa. Pra quê? Para eu ler o jornal sem me atrapalhar se um dia for ao Timor-Leste?
Cao Hering