Milhares protestam no Rio após operação mais letal da história deixar 121 mortos

Moradores de favelas se unem na Vila Cruzeiro em ato contra a violência policial; mães de jovens mortos pedem justiça e criticam a política de segurança do Estado

Por Daniel Nogueira

Mães que perderam filhos em outras ações policiais participaram do ato

Moradores dos complexos da Penha, do Alemão e de outras comunidades do Rio de Janeiro realizaram, na tarde desta sexta-feira (1º), um grande protesto após a morte de 121 pessoas durante a Operação Contenção, deflagrada na última terça-feira. Mesmo sob chuva, milhares de pessoas se reuniram em um campo de futebol na Vila Cruzeiro, de onde saíram em caminhada até a Avenida Brasil, uma das principais vias da capital fluminense.

Entre os manifestantes, estavam muitas mães que perderam filhos em ações policiais anteriores. Liliane Santos Rodrigues, moradora do Complexo do Alemão, contou que ainda vive o luto pela morte do filho Gabriel Santos Vieira, de 17 anos, baleado há seis meses enquanto estava na garupa de uma moto por aplicativo a caminho do trabalho. “Eu estou sentindo a dor dessas mães. Foi um baque muito grande ver que um rapaz foi morto no mesmo lugar em que o meu filho morreu. Tem três dias que eu não sei o que é dormir direito. Só quem passa sabe o que é essa dor”, desabafou.

Liliane afirma que ainda não recebeu respostas sobre o caso do filho e teme pela segurança da filha mais nova, de apenas 9 anos. “Ela acordou apavorada no dia da operação, tremendo, e perguntou se ia acontecer com a gente o mesmo que aconteceu com o irmão. Parecia que os tiros estavam dentro da nossa casa”, relatou emocionada.

A dor também é sentida por Nádia Santos, do Complexo do Chapadão, que perdeu dois filhos em ações policiais — Cleyton, em 2015, e Cleyverson, em 2022. “Esse governador é o ‘Exterminador do Futuro’, porque ele extermina o futuro e os sonhos dos jovens. O governo não dá educação, emprego nem saneamento, e a única oportunidade que oferece é o tráfico. Nenhuma mãe cria um filho para vê-lo morrer sem cabeça”, criticou.

Entre as manifestantes estava também Adriana Santana de Araujo, mãe de Marlon Santana, um dos 28 mortos na operação do Jacarezinho, em 2021, até então considerada a mais letal do estado. Além de perder o filho, Adriana foi alvo de fake news, quando uma imagem de uma mulher armada foi falsamente associada a ela. “Enterram os nossos filhos mortos e enterram nós, as mães, vivas. A dor não passa, a gente só aprende a conviver com ela”, disse.

O protesto contou ainda com a presença de representantes de movimentos sociais e sindicais. “O que acontece nas favelas não acontece na Zona Sul. O Estado não pode ver os pobres como inimigos, tem que cuidar de toda a população”, afirmou a dirigente sindical Raimunda de Jesus.

Segundo o governo do estado, a Operação Contenção tinha como objetivo cumprir 100 mandados de prisão e 180 de busca e apreensão contra o Comando Vermelho, contando com a participação de cerca de 2,5 mil agentes — o maior efetivo empregado em 15 anos. No entanto, o alto número de mortos fez da ação a mais letal da história do Rio.

Das 121 vítimas, quatro eram policiais e 117 civis. O governo informou que 99 corpos já foram identificados e 89 liberados pelo Instituto Médico Legal. Entre os identificados, 78 possuíam histórico criminal e 42 tinham mandado de prisão em aberto. Entidades de direitos humanos classificaram a ação como “massacre” e “chacina”, denunciando execuções, torturas e mutilações relatadas por moradores do Complexo da Penha, que ajudaram a retirar dezenas de corpos de áreas de mata após a operação.