Prefeitura de Gaspar cobra de produtores rurais débitos antigos dos serviços de Patrulha Mecanizada

Débitos foram identificados após interferência do Ministério Público por informações não prestadas pela administração anterior

Por Alexandre Melo

A limpeza de valas junto às plantações é um dos trabalhos executados pela Patrulha Mecanizada

Desde o mês passado, a Prefeitura de Gaspar, por meio da Secretaria Municipal de Agricultura e Aquicultura, vem chamando alguns produtores rurais do município para comunicá-los de pagamentos em aberto pelos serviços executados em suas propriedades, conhecido também como Patrulha Mecanizada, durante o governo anterior.

Segundo o que apurou o Jornal Metas, os serviços eram executados nas propriedades rurais com máquinas e equipamentos públicos, porém, a Secretaria Municipal de Agricultura e Aquicultura deixou de emitir os boletos de cobrança. Intimada pelo Ministério Público de Santa Catarina em junho deste ano, a Secretaria realizou uma revisão de valores e verificou que haviam débitos.

Somente no período de 2019 a 2024, num cálculo aproximado, deixaram de entrar nos cofres da Prefeitura mais de R$ 800 mil relativos aos serviços de Patrulha Mecanizada. Em valores atualizados, segundo a Prefeitura de Gaspar, a dívida hoje está em R$ 537.711,49, isto porque alguns agricultores já quitaram seus débitos.

Outros, porém, questionam valores, que inclui multa, juros e até a falta de um desconto de 0,5% sobre o serviço devido, previsto no inciso 1º do Artigo 2º da lei, para os agricultores que emitem nota fiscal tendo como base as notas e contranotas do ano anterior.

A Patrulha Mecanizada é regulamentada em Gaspar pela Lei Municipal Complementar número 50, de 2 de Maio de 2011. Os serviços rurais prestados pelo município a terceiros são aqueles realizados com máquinas e equipamentos agrícolas da Secretaria Municipal de Agricultura e Aquicultura. Esses serviços vão desde a limpeza de valas, lagoas, patrolamento de estradas particulares, transporte de calcário até inseminação artificial. Os produtores pagam por esse serviço.

A cobrança de dívida de anos anteriores, porém, pegou muitos agricultores de surpresa, que buscaram mais informações junto à Secretaria Municipal de Agricultura e Aquicultura e Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural (CMDR). Na última reunião do CMDR, no dia 7 de julho, o assunto foi pauta, trazido pelo vice-presidente, Mathieu Putallaz, rizicultor no Bairro Santa Terezinha, o que gerou uma carta divulgada pelo Conselho no começo desta semana. Nela, o CMDR esclarece que a Secretaria da Agricultura e Aquicultura tem por obrigação apresentar as contas anualmente ao Conselho, mas nada foi apresentado nos dois últimos anos do governo anterior. O Conselho afirmou ainda que nenhum agricultor ou aquicultor se negou a pagar os serviços prestados. “Muito pelo contrário, buscaram na Secretaria da Agricultura e Aquicultura informações sobre suas pendências e as informações recebidas, até o final de 2024, eram que estava tudo certo”, revelou.

O curioso é que a lei determina que nenhum agricultor com débito junto à Prefeitura pode receber os serviços da Patrulha Mecanizada enquanto não quitar a pendência. Mesmo assim, os agricultores continuaram recebendo os serviços municipais, o que comprova a afirmação do Conselho de que até o final do ano passado não havia nenhum agricultor com pendências financeiras relativas a Patrulha Mecanizada.

Outra questão levantada que precisa ser melhor esclarecida é o fato de alguns produtores rurais teriam feito acordos com a Secretaria de Agricultura e Aquicultura, para que os serviços executados de Patrulha Mecanizada fossem pagos por serviços ou produtos fornecidos pelos agricultores à Prefeitura. “Acordos feitos deveriam ser respeitados (gera incredibilidade)”, pontua a carta do CMDR. Há, ainda, uma série de comprovantes de serviços executados pela Patrulha Mecanizada, mas sem a assinatura do produtor rural, o que juridicamente não tem valor. Mesmo assim, a Prefeitura estaria cobrando esses valores, bem como não estaria concedendo o desconto de 0,5% sobre o valor total da nota fiscal emitida.

O Conselho lembrou ainda que de acordo com a lei, a Secretaria de Agricultura e Aquicultura tem o prazo máximo de 30 dias para emitir os boletos, e as dívidas datam de mais de um ano. “Temos de fazer um levantamento de quanto é realmente este valor que está sendo cobrado. Quem são os devedores e o que juntos podemos fazer para resolver da melhor forma possível essa situação”, encerra a carta do CMDR.

A reportagem conversou com a presidente do CMDR, a piscicultora Ofélia Campigotto, que preferiu manter como única manifestação a carta emitida pelo Conselho. No entanto, ela lamentou a situação e disse que, como presidente do Conselho, gostaria de estar discutindo outras questões. Ela revelou que o CMDR aguarda a confirmação de um pedido de audiência com área jurídica da Prefeitura para que, juntos, encontrem uma solução para a quitação dos débitos. “Talvez, um REFIS, uma renegociação de dívida, seja uma boa saída”, sugeriu.

A reportagem também entrou em contato com a Prefeitura, que se manifestou por meio de nota publicada no site oficial do governo na tarde desta terça-feira (12). Nela, explica que foi acionada pela 4ª Promotoria de Justiça da Comarca de Gaspar em junho de 2025, visando atender a um requerimento de informação protocolado na Promotoria no ano de 2024. “O pedido buscava esclarecimentos junto ao município acerca da Secretaria de Agricultura e Aquicultura, especificamente quanto ao atendimento da Patrulha Mecanizada no período de 2019 a 2024".

A Prefeitura esclarece ainda que as informações foram encaminhadas ao Ministério Público de Santa Catarina (MPSC),porém, durante a análise da documentação foram constatados débitos em aberto e, conforme determina a legislação vigente, estão sendo adotadas as medidas cabíveis para a regularização. A nota finaliza informando que a Procuradoria Municipal continuará adotando todas as medidas cabíveis para apurar eventuais responsabilidades, assegurando o pleno cumprimento da lei.

Entenda o caso
Em janeiro de 2024, um pedido de informações à Secretaria de Agricultura e Aquicultura do município foi feito pelo ex-prefeito e hoje veterinário Adilson Luís Schmitt. Na condição de cidadão, ele solicitou, via ouvidoria, cópias dos protocolos de todas as solicitações de equipamentos/implementos e serviços de patrulha mecanizada de 2019 a 2024; além da relação das horas trabalhadas, com os devidos comprovantes preenchidos pelo servidor público que realizou o serviço; relação de produtores rurais atendidos; valores devidos e comprovação dos pagamentos na referida conta bancária da Secretaria, ou então que fosse indicada qual conta bancária ocorreu a arrecadação destes valores e quais despesas ou investimentos foram realizados.

Adilson requereu ainda a relação dos produtores rurais inadimplentes com a Patrulha Mecanizada e cópia do decreto de nomeação dos membros do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural, bem como das atas das referidas reuniões e listas de presença; relação dos produtores rurais que foram beneficiados pelo desconto de 0,5%, quando da utilização dos serviços de patrulha mecanizada.

A Secretaria de Agricultura e Aquicultura não respondeu a nenhum dos questionamentos. Em abril de 2024, Adilson procurou então a 4ª Promotoria do Ministério Público da Comarca de Gaspar, onde fez uma denúncia pelo fato de não ter sido atendido pela Prefeitura no seu pedido de informações. O MP intimou o então prefeito, Kleber Wan-Dall, a apresentar a documentação, responder aos questionamentos e explicar o motivo da administração municipal não ter respondido aos questionamentos. No final de agosto, o MP instaurou um inquérito civil e novamente intimou o prefeito Kleber. A resposta veio somente em outubro.

Em junho deste ano, em novo despacho, o MP considerou insuficientes as respostas dadas pelo governo anterior. A promotora Rafaela Viera Bergamnn escreveu: “Analisando a resposta apresentada pelo Município de Gaspar, verifica-se que somente encaminhou a documentação requerida pelo munícipe, cuja omissão em fornecer deu origem ao presente procedimento. Todavia, nada mencionou sobre o fornecimento de tais documentos ao requerente ou justificativa para assim não fazer... Em razão disso, determino a expedição de ofício ao Município de Gaspar para que, no prazo de 30 (trinta) dias, preste informações acerca do encaminhamento dado ao Protocolo Externo 2024/4105, bem como comprove que a documentação requerida pelo munícipe Adilson Luís Schmitt lhe foi disponibilizada, indicando a(s) justificativa(s) em caso de não fornecimento”.

Ao receber a intimação, a atual administração procurou se inteirar do assunto e se deparou com os débitos em aberto dos produtores rurais, passando então a realizar a cobrança.

A reportagem procurou os três secretários que ocuparam a pasta da Secretaria de Agricultura e Aquicultura no período de 2019 a 2024: André Waltrick, Cleverson Ferreira e Djontathan Gonçalves Custódio. Apenas Djontathan, que ficou pouco tempo à frente da pasta, respondeu aos questionamentos. “Todos os serviços de Patrulha Mecanizada que foram realizados seguiam o fluxo padrão de atendimento que já estava funcionando, que basicamente era o seguinte: eram realizados os serviços, o operador de máquina anotava quantas horas foram gastas, faziam um papel o qual o agricultor assinava e chamávamos o agricultor na secretaria para emitir o boleto de cobrança”, afirmou. Djontathan também comentou que por ter uma equipe, o secretário não está encarregado de realizar esse processo. “Se alguma coisa deixou de ser cobrada foge do meu conhecimento”, admitiu. Cleverson disse que iria se inteirar melhor do assunto e Waltrick não se manifestou. Adilson Luis Schmitt também foi procurado, mas preferiu não se manifestar nesta reportagem. O espaço segue aberto para os citados.