EUA não recuam e vem aí o tarifaço

Levantamento da CNI mostra que Santa Catarina será o quarto estado da Federação mais afetado com a tarifa de 50% sobre as exportações brasileira aos Estados Unidos

Por Alexandre Melo

A partir desta sexta-feira, dia 1º, Estados Unidos começa a cobrança de 50% de tarifa sobre alguns produtos brasileiros que entrarem no país

Nesta sexta-feira, dia 1º de agosto, entra em vigor o maior “tarifaço” da história de 200 anos de relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos. Produtos brasileiros que entrarem em território norte-americano serão taxados em 50%. Desde que assumiu o governo, o presidente Donald Trump vem usando a estratégia de tarifar as importações de países que mantém relações comerciais com os Estados Unidos como forma de proteger e fortalecer a produção industrial interna.

No caso do Brasil, porém, a decisão de Trump tem também um ingrediente a mais: o político. Ao anunciar o tarifaço de 50% ao Brasil – bem acima do que foi definido para outros países -, em carta enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no dia 9 de julho, o presidente norte-americano deixou claro sua insatisfação com os rumos do julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STF) a que está sendo submetido o ex-presidente Jair Bolsonaro.

“A forma como o Brasil tem tratado o ex-presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado em todo o mundo durante seu mandato, inclusive pelos Estados Unidos, é uma vergonha internacional. Esse julgamento não deveria estar ocorrendo. É uma caça às bruxas que deve acabar imediatamente!”, escreveu Trump.

Jair Bolsonaro e ex-integrantes do seu governo são acusados de terem planejado um golpe de estado logo após as eleições presidenciais de 2022.

Impactos

Se o tarifaço for mantido, empresas brasileiras que mantém relações comerciais com os EUA sofrerão fortemente os impactos sobre suas exportações. Entre essas empresas estão as dos setores de aço, alumínio, fertilizantes, autopeças e manufaturas industriais. As perdas podem ser superiores a R$ 19 bilhões. Isso é o que mostra levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), em 2024. Segundo a CNI, Santa Catarina é o quarto estado da federação com impactos negativos mais relevantes com a taxação imposta por Trump. Os setores mais atingidos serão madeira e móveis, metal-mecânico e eletroeletrônico. O prejuízo pode chegar a R$ 1,7 bilhão, o que também representaria a segunda maior queda no PIB entre os estados da Federação, com projeção de 0,31%.

A CNI estima que, caso entre em vigor, a sobretaxa pode ocasionar a perda de pelo menos 110 mil postos de trabalho, além de reduzir em 0,16% o PIB do Brasil em 2025 e provocar uma queda de 0,12% na economia global, com retração de 2,1% no comércio mundial.

Em termos de impacto financeiro regional, os estados do Sudeste e do Sul serão os mais afetados. São Paulo, maior economia do país, deve liderar o prejuízo, com perdas estimadas em R$ 4,4 bilhões, representando uma queda de 0,13% no PIB, segundo estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Em 2024, os Estados Unidos foram o principal destino das exportações paulistas, com 19% de tudo que o estado vendeu ao exterior. Além disso, 92,1% do que São Paulo comercializou aos Estados Unidos veio da indústria de transformação.

Ocupando o segundo lugar de estado com maior impacto com o tarifaço, com potencial de retração de R$ 1,917 bilhão no PIB está o Rio Grande do Sul. Os EUA são o terceiro maior destino das exportações gaúchas, representando 8,4% do total. No caso do Paraná, os EUA também aparecem como o terceiro principal parceiro comercial. Em 2024, 6,8% do que o estado vizinho exportou teve como destino o mercado norte-americano, sendo 97,5% oriundos da indústria de transformação. O PIB paranaense pode perder R$ 1,914 bilhão com o tarifaço de Trump. Minas Gerais, Amazonas e Pará também irão sentir os impactos da tarifa de 50% imposta pelos EUA.

Pela projeção da CNI, os estados de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul deverão acumular prejuízos superiores a R$ 1,9 bilhão. Já no Nordeste, as perdas serão menores, mas ainda relevantes: Bahia (R$ 404 milhões), Pernambuco (R$ 377 milhões) e Ceará (R$ 190 milhões) lideram na região, de acordo com a CNI.

Governo ainda busca o diálogo

Mesmo faltando 24 horas para entrada em vigor do tarifaço, o governo brasileiro vem tentando abrir um canal de diálogo com o governo norte-americano, porém, sem sucesso. Um grupo de oito senadores brasileiros, entre eles o catarinense Espiridião Amin (PP), esteve em Washington, para dialogar com congressistas estadunidenses e discutir soluções para o tarifaço, mas também sem muitas respostas.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (foto), afirmou, que pode haver uma conversa entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump. Segundo ele, não há obstrução dos canais de diálogo entre os negociadores das duas nações, entretanto, esse contato direto entre os chefes de Estado exige uma preparação protocolar mínima. “É papel nosso, dos ministros, justamente azeitar os canais para que a conversa, quando ocorrer, seja a mais dignificante e edificante possível”, disse Haddad.
Para Haddad já há “algum sinal de interesse” e “sensibilidade” de autoridades dos Estados Unido. “Não sei se vai dar tempo até dia 1º, avaliou.

Embora a balança comercial entre Brasil e Estados Unidos pese mais para o lado dos Estados Unidos, existe a possibilidade do governo brasileiro adotar a Lei da Reciprocidade, ou seja, impondo aos produtos norte-americanos 50% de tarifa para entrada no Brasil. Essa alternativa, por enquanto, dizem fontes do governo brasileiro, está descartada. A saída está num plano de contingenciamento, montado pelo Governo Lula, para socorrer empresas afetadas diretamente pelo tarifaço. O documento, que já está na mesa do presidente Lula, foi formulado pelos ministérios da Fazenda; do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços; das Relações Exteriores; e pela Casa Civil.

Um dos cenários inclui um programa de manutenção do emprego com o mesmo propósito do que vigorou durante a pandemia de covid-19. Hadad afirmou que o Brasil vai estar preparado para cuidar das suas empresas, dos seus trabalhadores e, ao mesmo tempo, se manter permanentemente numa mesa de negociação, buscando racionalidade, buscando respeito mútuo e estreitamento das relações com os Estados Unidos.