Uma família bem diferente

Casal cuida de 30 cães recolhidos nas ruas de Gaspar

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Sol, Esperança, Vitória, Roy, Polegar, Ronaldo, Menina... A família é tão numerosa que é difícil identificar todos pelo nome. Os menores gostam de pular e brincar em volta das pernas das pessoas, enquanto os maiores, presos a correntes, latem, insistentemente, para chamar a atenção de seus donos. O clima é sempre de festa na propriedade de Paulo, 50 anos, e Sandra Estevão, 46 anos, na Rua Joaquim Alves de Andrade, no bairro Lagoa. E não é para menos. O casal formou uma grande família. Diferente, é bem verdade. Na propriedade vivem 30 cães abandonados por seus donos nas ruas de Gaspar. Como órfãos cada um tem a sua história, muitas delas marcadas por acidentes e maus tratos.
É o caso da cadela que atende pelo nome de Esperança. A simpática cachorrinha, de pelo marrom, foi colocada dentro de um saco plástico e jogada por cima de um muro de dois metros de altura para dentro da antiga residência do casal Estevão na localidade do Bom Jesus, no bairro Santa Terezinha. Paulo e Sandra chegaram a temer pela vida do frágil animal devido os graves ferimentos, mas ela sobreviveu e como “a esperança é a última que morre”, diz Sandra, a cadela foi rebatizada com este nome. 
O amor do casal pelos animais começou cedo, quando os dois ainda eram crianças e nem se conheciam, embora tenham nascido em Blumenau. Sandra veio morar muito jovem em Gaspar. Paulo alguns anos mais tarde.
“Minha mãe brigava comigo quando eu levava cachorros para casa”, conta Sandra que naquela época já recolhia animais e levava para casa.
Paulo e Sandra se conheceram, namoraram, casaram e tiveram um filho (hoje com 18 anos). 
Uma tragédia, ocorrida há 19 anos, acabou colocando essa enorme família no caminho do casal. Sandra relata que eles tinham apenas um cachorro em casa no qual depositavam muito amor. Sem motivo aparente, o cão foi morto com tiro de espingarda disparado por um vizinho. Da revolta inicial pelo ato covarde, o casal uniu forças e passou a recolher cães abandonados nas ruas.
Em casa, o pátio virou um grande canil e a vida de Paulo e Sandra definitivamente não foi mais a mesma. Alguns conhecidos e até familiares não concordaram com o novo estilo de vida do casal e se afastaram do convívio, outros, no entanto, passaram a ajudá-los a manter os cães. “A gente faz isso unicamente por amor aos animais, se cada um fizer um pouquinho acho que esse mundo seria muito melhor”, diz Paulo.     
Há dois meses, eles venderam a casa no Bom Jesus e compraram um sítio no bairro Lagoa. A escolha, conta Sandra, levou em conta uma área onde pudessem construir o canil para as 30 “crianças” como ela gosta de chamar os animais.  
O casal ergueu o canil com 18 espaçosos cercados, cada um com uma casinha. A alimentação é diária e os banhos semanais. “Levamos de três a quatro horas para dar banho em toda turma”, revela Sandra.
Amor e carinho não faltam para os animais, porém Paulo admite ser impossível ficar com todos. Por isso, muitos animais são adotados por outras famílias, porém a primeira condição é que tenham muito amor para dar aos cães.
Sandra é servente no CDI do bairro Lagoa, enquanto Paulo trabalha como zelador na Escola Vitório Anacleto Cardoso. Quando chegam a casa, a dedicação é quase exclusiva aos animais. Paulo só vai deitar depois que termina de limpar todo o canil. Sandra prepara as refeições. “Os animais vivem na mais completa higiene, não deixamos faltar nada para eles”, afirma Paulo. Ele conta que muitas vezes foi preciso reduzir a sua própria comida para comprar a ração dos animais.
Hoje, eles alimentam os cães tirando dinheiro do próprio bolso e com a ajuda de empresários. E a despesa não é pequena. Para manter a turma, é necessário, no mínimo, 28 kg de ração por semana. O atendimento médico veterinário é feito pela veterinária Daniele Brockveld (leia box ao lado).
Sobre as pessoas que maltratam animais, Sandra é incisiva: “Elas não têm coração. O cachorro é um animal que não pode se defender. Se a pessoa faz uma maldade com um cão, pode fazer com um ser humano”, revolta-se. Imaginar que não tem cachorros é uma tarefa difícil para Sandra. “Se não tivesse animais em casa, facilmente cairia em depressão”, admite. Hoje, a estrutura montada não comporta mais do que 30 animais. “Gostaríamos de recolher mais cães, porém o nosso espaço é limitado”, observa Paulo. Quem tiver interesse em contribuir com a doação de ração, deve entrar em contato no telefone 9906-9317. Eles não aceitam doações em dinheiro.
 

Histórias tristes de abandono e maus tratos

Cada cão tem uma história. Roy, por exemplo, recebeu este nome porque após chegar ao lar dos Estevão roia tudo que via pela frente. Embora o nome esquisito, a história de Roy não é nem um pouco engraçada. Ele foi atropelado por três veículos. Por sorte, sobreviveu.
O cão ainda está em recuperação, mesmo assim circula pra lá e pra cá serelepe, e retribui ao carinho do casal com pulinhos e abanando o rabo.
Roy é um cãozinho valente e invocado, principalmente com as visitas. Talvez seja por isso que uma placa, logo na entrada da propriedade, anuncie: “Cuidado, vira-lata invocado”.
Outro xodó de Paulo e Sandra é o Polegar. O nome já diz tudo. Ele é o caçulinha da família, um recém-nascido que tenta acompanhar os demais nas estripulias, mas os seus movimentos ainda são lentos. Os maiores latem ameaçadores para Polegar que se encolhe todo, buscando proteção no colo de Sandra. 
A cadela Vitória é outra que tem também uma história triste no currículo. Sandra conta que o animal estava por perder a visão dos dois olhos em função de uma doença, mas acabou recuperando a visão em um olho. Para Sandra essa foi uma vitória, por isso o casal decidiu batizar o cão com esse nome. Outro cãozinho que está por lá é Artur. Ele foi atropelado e abandonado na Rua Artur Poffo, por isso recebeu esse nome.
 

Gaspar não tem local apropriado para animais

Em Gaspar não existe um local para abrigar animais abandonados, embora a cidade tenha um grande número espalhado pelas ruas.
O diretor de Vigilância Sanitária do município, Luís Carlos Venske, diz que o ideal é as pessoas não alimentarem os animais nas ruas, porque isto os estimula a permanecerem perambulando. “É melhor deixar que o cão procure um lar”, alerta o diretor.
A opinião reforça ainda mais o trabalho voluntário do casal Paulo e Sandra, que com recursos próprios mantém o canil no bairro Lagoa, com o apoio de várias pessoas como a veterinária Daniele Brockveld. Ela doa ração e auxilia no tratamento dos animais.  
“A Daniela é uma pessoa incrível, com um grande coração e tem nos ajudado muito”, afirma Sandra. Daniele elogia a atitude do casal “Eles não recebem nenhum apoio da Prefeitura, arcam com a maioria das despesas do próprio bolso”. A veterinária define o trabalho do casal Estevão como “impressionante”. Daniele diz que o ato de abandonar um animal é irresponsável. “Os cachorros são como seres humanos. Eles sentem frio, medo, fome e abandono”, comenta a veterinária.
 

Como recolher um cão das ruas

> Se o animal não for agressivo, procure levá-lo até um veterinário para verificar o estado de sua saúde;
> Coloque cartazes, com a descrição do animal em clínicas veterinárias, pet shops e outros locais de circulação de pessoas na região onde você mora;
> Fale com os vizinhos e comerciantes do bairro, já que o dono do animal pode estar fazendo o mesmo caso ainda queira encontrá-lo;
> Caso não consiga encontrar o dono do animal, tente lembrar-se de amigos, parentes, colegas e conhecidos que poderiam acolher o cachorro;
> Encontre um abrigo enquanto você prepara o animal para a adoção. O ideal é que seja um espaço seguro e tranquilo. Até que seja examinado e vacinado, é prudente que o animal fique separado de outros bichos;
> Leve o animal a um veterinário para ser vacinado, vermifugado e castrado;
> Divulgue a descrição do animal e encaminhe-o para adoção. (Fonte: Portal G1)