Num primeiro momento, a justiça de SC havia negado o procedimento que é previsto em lei

ATUALIZADA ÀS 10H51MIN DE 24/06

O Ministério Público Federal (MPF) interviu e o Hospital Universitário (HU) Polydoro Ernani de São Thiago, pertencente à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis, realizou na noite de quarta-feira (22), o aberto legal na menina, de 11 anos, grávida por conta de um estupro comprovado. O drama da mãe, representante legal da menina, moradora da região de Tijucas, ganhou repercussão nacional depois que a juíza Joana Ribeiro Zimmer, e a promotora, Mirela Dutra Alberton, em audiência no mês passado, tentaram convencer a família a manter a gravidez e que bebê fosse entregue para adoção. O teor da audiência foi divulgado pelo site The Intercept Brazil. Na ocaisão, a menina estava com 22 semanas de gestação. 

Mesmo com a negativa da mãe, a juíza Joana decidiu não autorizar o aborto, embora a lei permita em três situações, uma delas a do estupro e a outra o risco de vida da mãe. Antes de procurar a justiça, a mãe tentou junto ao Hospital Polydoro Ernani o aborto legal, porém, a equipe médica se negou alegando que a gestação era de 22 semanas e que, a partir da 20ª semana, somente com autorização judicial. A advogada da família entrou então com uma petição na Justiça para obter a autorização, e veio a primeira surpresa. A juíza negou o pedido e ainda tentou convencer a mãe e a menina a manterem a gestação, entregando depois o bebê para adoção. O advogado recorreu da decisão e, novamente, teve negado o pedido. Neste período, a família teve a segunda surpresa: a juíza determinou que a menina fosse levada para um abrigo público para menores, sob argumento de estar protegendo a vítima de uma nova violência. Essa decisão também foi considerada equivocada, pois nestes casos o Estatuto da Criança e do Adolescente determina que a criança fique sob a guarda dos pais. A decisão acabou revogada por outra juíza e a criança retornou para o convívio familiar. Foi somente na última quarta-feira (22), quando completou 29 semanas de gestação ou sete meses, que o aborto legal foi realizado, o que gerou críticas de vários setores conservadores da sociedade. 

A Frente Parlamentar Mista Contra o Aborto e em Defesa da Vida condenou a atitude da imprensa em expor o caso (mesmo que não revelando o nome da mãe e da vítima) e afirmou que a juíza Joana não fez senão agir dentro da sua competência, buscando resguardar a dignidade da vítima de estupro e a segurança da criança que encontra-se em fase de gestação. "Princípio da lei natural e garantia da Constituição Federal (art. 5º caput), o direito à vida não pode excluir nenhuma categoria de indivíduos, e zelar pelos seus direitos do nascituro quando estes são flagrantemente ameaçados contitui ato meritório e digno de emulação". A entidade lembra, ainda, que com o avanço da medicina já é possível hoje realizar um parto seguro com sete semanas de gestação, fase em que se encontrava a formação da criança em questão (atualmente com 29 semanas).

Juíza se defende

Em entrevista ao Diário Catarinense, do Grupo NSC, a juíza Joana se defendeu das acusações e disse que sua decisão se baseou num princípio da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do próprio Ministério da Saúde. "A palavra aborto tem um conceito e esse conceito é de até 22 semanas. Esse conceito é da OMS(Organização Mundial da Saúde) e do Ministério da Saúde. Isso não quer dizer que eu sou contra o aborto, só que o aborto passou do prazo". A juíza Joana não atua mais na Comarca de Tijucas. Antes do caso ganhar repercussão nacional, ela foi promovida e transferida para a Comarca de Brusque.

Alesc se manifesta

A sociedade e diversas entidades se manifestaram sobre o caso. Em nota, assinada pelo seu presidente, Edelvan Jesus da Conceição, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Santa Catarina, criticou a decisão da juíza e disse que iria buscar todas as informações a fim de resguardar e garantir proteção integral à vida da menina gestante, com embasamento em laudos médicos e nas garantias legais previstas para a vítima em tais situações. 

A Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) também se manifestou. Segundo a Assembleia, o aborto, nas hipóteses legais, não depende de autorização judicial. "No caso, a gestação não apenas é decorrente de violência sexual, mas envolve risco à vida da gestante, que é uma criança com 11 anos recém completados". A nota diz, ainda, que a menina sofre nova violência ao chegar à unidade de saúde, que impôs um obstáculo que não encontra respaldo legal. "Recorrendo ao Judiciário, a criança e sua mãe tiveram, uma vez mais, seus direitos violados", acrescenta a nota.

Mais adiante, a Alesc classificou de "absolutamente violenta" a forma como o caso foi tratado pela Comarca de Tijucas. "Foi convencida, por representantes do sistema de justiça que deveriam protegê-la, a manter a gestação e entregar a criança para adoção".

A nota lamenta, ainda que situações como essa vivida por mãe e filha continuam acontecendo com meninas e mulheres não apenas em Santa Catarina, mas pelo Brasil afora e, finaliza, repudiando "toda e qualquer ação que represente violência institucional contra as mulheres e meninas catarinenses" e pede urgência na apuração dos fatos para que casos como esse não voltem a acontecer.

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LEI A NOTA DO MPF

"O Ministério Público Federal (MPF), considerando a grande repercussão do caso envolvendo menor vítima de estupro e, que teve a interrupção legal da gestação negada pelo serviço de saúde, vem informar o acatamento parcial da recomendação expedida nesta quarta-feira (22) ao Hospital Universitário (HU) Polydoro Ernani de São Thiago, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

O hospital comunicou ao MPF, no prazo estabelecido, que foi procurado pela paciente e sua representante legal e adotou as providências para a interrupção da gestação da menor.

Em relação aos demais termos da recomendação, serão avaliadas oportunamente quais as providências a serem adotadas pela procuradora da República titular do 7º Ofício da Cidadania.

O Ministério Público Federal lamenta a triste situação ocorrida e reafirma seu compromisso em zelar pelo efetivo respeito aos direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal.

Ministério Público Federal em Florianópolis - 7º Ofício da Cidadania".